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No Jardim Pantanal, moradores mudam casas e rotina em época de chuva

População cobra investimentos em drenagem e sirenes de alerta para região na zona leste de SP que passou três meses alagada em 2009

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Jessica Bernardo
São Paulo | Agência Mural

Apaixonada pelos livros e os estudos, Claudinete Batista, 55, conta orgulhosa que já leu mais de 60 obras desde que aprendeu a decifrar as primeiras palavras. Em dias de forte chuva, no entanto, a aluna do EJA (Educação de Jovens e Adultos) da escola Virgílio de Mello não consegue sair de casa para assistir às aulas de que tanto gosta.

"Não tenho como chegar na escola", explica a diarista.

Claudinete mora no Jardim Pantanal, bairro do extremo leste de São Paulo que é alvo de constantes enchentes. Todos os anos, quando começam as chuvas de verão, as ruas ficam alagadas e parte dos moradores permanece ilhada.

Mulher posa para foto em via tomada por barro
Claudinete Batista, 55, que não consegue chegar à escola em época de chuva no Jardim Pantanal - Karime Xavier/Folhapress

Quem precisa sair de casa para estudar ou trabalhar tem que se arriscar na água suja e fica exposto a doenças. São comuns os relatos de quem tenha tido sintomas como diarreia, febre e enjoo depois de entrar em contato com a água das enchentes.

É o caso da neta de Claudinete, de dez anos, que precisa atravessar o alagamento para pegar o transporte escolar.

"A gente vai de casa até o mercadinho esperar porque muitas vezes a perua não consegue vir até onde a gente está. Ela vai de chinelo e [quando] chega ali na quitanda ela troca de roupa para não chegar na escola suja", conta a avó.

Na primeira semana de dezembro, a menina teve diarreia e febre e precisou ser levada para o hospital. A suspeita de Claudinete é que ela tenha sido contaminada pela água que ficou acumulada na rua com as chuvas dos últimos dias.

O histórico de enchentes do Jardim Pantanal, que fica às margens do rio Tietê, leva os moradores a adaptarem suas casas e rotinas em uma tentativa de escapar dos estragos provocados pelos alagamentos.

As marcas de água nas paredes mostram que o cenário se repete há tempos e expõem as falhas na atenção do poder público com a região onde vivem mais de 10 mil pessoas.

Em 2009, a área ficou alagada por três meses depois que uma tempestade elevou o nível do rio, que avançou por várias quadras e deixou desabrigados.

Depois do episódio, grandes obras de drenagem, como a construção dos pôlderes nos bairros Jardim Romano e Vila Itaim, vizinhos ao Jardim Pantanal, foram anunciadas. As estruturas, compostas por barreiras, dutos e reservatórios, custaram juntas mais de R$ 180 milhões, segundo reportagens da época.

Rua alagada no Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo
Rua alagada no Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo; segundo moradores, o rio Tietê havia transbordado no dia anterior - Karime Xavier - 11.dez.2022/Folhapress

Apesar de terem diminuído o impacto das cheias, os sistemas não foram suficientes para conter os alagamentos em toda a várzea. Em novembro deste ano, a água entrou pela casa da vigilante Tatiane de Araújo Paulino, 37.

"A primeira vez que entrou [água em casa] foi em 2020. Aí a gente fez um ‘beiralzinho’ na porta, né? Quando foi este sábado [3 de dezembro] entrou [de novo]", conta a moradora. "A gente aqui no Pantanal tá abandonado."

A geografia do bairro favorece o acúmulo de água. A arquiteta e urbanista Joyce Reis explica que o Jardim Pantanal fica abaixo do nível do rio Tietê. "Naturalmente, quando houver qualquer movimentação de água, a água vai tender para essa cota abaixo do rio."

Além disso, a região é cortada por afluentes que também transbordam. O solo encharcado e a ausência de áreas verdes no local aumentam a dificuldade de absorção da água, segundo a urbanista.

Reis explica que a solução do problema é complexa e envolve ações integradas em várias frentes, como investimentos em drenagem, saneamento básico e habitação. Ela é uma das coordenadoras do Plano de Bairro Jardim Pantanal, projeto de planejamento urbano que tem mapeado, junto com moradores da comunidade, suas principais necessidades.

O projeto, que é uma realização do IAB-SP (Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo) e do Instituto Alana, conta também com a colaboração da Universidade Mackenzie e da AMOJAP (Associação de Moradores e Amigos do Jardim Pantanal e Adjacências).

Sistema de drenagem e instalação de sirenes

Entre as principais reivindicações dos habitantes está a criação de um sistema de drenagem para o Jardim Pantanal. Vizinha do local e também arquiteta, Laís Avelino, 25, explica que a região sofre com a falta de guias e sarjetas para ajudar no escoamento da água da chuva.

"Toda essa área de várzea tem um problema de drenagem e escoamento de águas pluviais. Então o rio não avança, mas a água da chuva, que sai da casa das pessoas, que está ali na rua, ela também não tem escoamento. Por isso acaba alagando também", explica a urbanista.

Em junho, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) visitou o bairro e prometeu realizar obras de colocação de guia, sarjeta e asfalto na região, além de anunciar que faria a regularização fundiária para 8.000 famílias até 2024.

As promessas foram feitas durante o anúncio de outro projeto para o bairro: o início das obras da Sabesp para levar água potável e canalização do esgoto para os moradores. Com investimentos de R$ 42,4 milhões do estado, as obras já começaram e os canteiros fazem divisa com trechos onde a água da chuva fica empossada por semanas.

No Plano de Bairro, os moradores também pedem a construção de estacionamentos comunitários para deixar os carros em dias de chuva e a instalação de sirenes para alertá-los em situações de urgência. No dia 6 de dezembro, a reportagem encontrou um carro com duas rodas completamente submersas em uma das ruas alagadas.

Enquanto o problema das enchentes não é solucionado, moradores seguem em estado de atenção sempre que chove.

A bibliotecária Edilene Santos Nascimento, 39, diz ter se habituado a ficar de olho no córrego que passa próximo de sua casa. Moradora do Jardim Pantanal há três décadas, Edilene já aterrou sua casa pelo menos quatro vezes.

Edilene está apoiada no batente de uma porta; foto mostra visão geral de um cômodo da casa, que tem parede verde e amarela e portas de madeira
No Jardim Pantanal há quase 30 anos, Edilene Santos já aterrou sua casa pelo menos quatro vezes para tentar se proteger de enchentes que avançam para os terrenos mais baixos - Karime Xavier/Folhapress

Aterrar a casa, aumentando o nível do solo com entulhos e terra, é uma prática recorrente entre a população local. Quanto mais alto o terreno for, menor a chance de a água entrar nos cômodos.

"Já tem a altura de uma casa e meia aterrada", conta. A bibliotecária defende que o poder público aumente as áreas verdes no Jardim Pantanal e reforça o coro por um sistema de drenagem eficiente.

"Já senti muita raiva [do rio], mas hoje eu não tenho mais", afirma a moradora. Hoje Edilene acredita que a culpa não é do rio Tietê e sim de quem não intervém para melhorar o bairro.

Outro lado

A Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras afirmou que trabalha no planejamento das obras de microdrenagem, pavimentação e macrodrenagem da região para solucionar as ocorrências de alagamento de forma definitiva.

A pasta também afirma que tem feito obras nas margens do Córrego Lajeado, que passa pelo território, e que está construindo cerca de 400 metros de muro de contenção no córrego para evitar transbordamentos. A previsão é que as obras sejam finalizadas ainda este ano.

O DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado), órgão responsável pela construção do pôlderes da Vila Itaim e Jardim Romano, afirma que realiza medidas complementares às municipais para auxiliar na drenagem urbana e combate às inundações na região e destacou que o pôlder da Vila Itaim beneficia mais de 10 mil pessoas.

A reportagem questionou a equipe do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre medidas que a futura gestão pretende implementar para ajudar o bairro, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

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