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STF suspende indulto a PMs condenados pelo massacre do Carandiru

Último indulto natalino assinado por Jair Bolsonaro (PL) tinha artigo inédito que beneficiava os policiais

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Brasília

A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Rosa Weber, suspendeu nesta segunda-feira (16), em caráter provisório, o indulto dado por Jair Bolsonaro (PL) no fim do ano passado aos policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru.

O último indulto natalino assinado por ele tinha um artigo inédito que concedia perdão a todos os PMs condenados pelo episódio, ocorrido em 1992 na zona norte paulistana.

A liminar foi proposta pela Procuradoria-Geral da República, que sustenta, entre outros pontos, que o trecho afronta a dignidade humana e princípios do direito internacional público.

Ministra Rosa Weber, presidente do STF - Evaristo Sa - 29.set.2022/AFP

A ministra considerou que o indulto aos envolvidos pode configurar transgressão às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), no sentido de que o Brasil promova a investigação, o processamento e a punição séria e eficaz dos responsáveis.

"Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA declarou o Brasil responsável por graves violações a direitos protegidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos, expedindo recomendações para que o Estado brasileiro reparasse os danos causados e evitasse novas violações, a evidenciar que o Decreto Presidencial em questão, ao conceder indulto aos agentes estatais envolvidos em referido incidente, representa violação dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro", disse Weber, na decisão.

Embora não cite nominalmente nenhum dos PMs, o texto do artigo descreve circunstâncias particulares que se encaixam perfeitamente na situação dos 74 condenados pelo assassinato de 111 presos em outubro de 1992.

O indulto presidencial era uma das últimas esperanças que restavam aos policiais condenados pelo massacre, pois o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF já haviam analisado os recursos dos policiais e decidido pelo trânsito em julgado —quando há decisão definitiva. Resta ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) analisar as penas para avaliar se estão ou não adequadas.

Isso, em tese, estava previsto para correr em janeiro deste ano, após pedido de vista pelo desembargador Edison Brandão, terceiro julgador do processo, que afirmou precisar de um prazo maior para analisar a dosimetria (cálculo do tamanho das penas impostas) —nesse caso, a quantidade de anos de condenação de cada réu poderia, eventualmente, ser aumentada, reduzida ou mantida.

Os policiais foram condenados a penas que variam de 48 a 624 anos. As condenações se referem a 77 assassinatos com armas de fogo. A Promotoria excluiu 34 vítimas do total porque havia dúvida se elas foram alvo de PMs ou se foram atacadas pelos próprios presos, como aquelas feridas por arma branca.

De acordo com a defesa, dos 74 policiais condenados, 5 morreram durante o processo. Os outros 69 estão aposentados e com idade média de idade superior aos 60 anos.

À Folha, o advogado Eliezer Pereira Martins, que representa os PMs, disse ter a expectativa de que a decisão de Rosa Weber de suspender o indulto seja revertida.

"Essa decisão pode, sim, ser reformada pelo próprio relator ou pelo plenário, porque agora as decisões do Supremo, por causa de uma alteração regimental de dezembro, têm de ser confirmadas pelo colegiado", afirmou, referindo-se a novas regras da corte.

"Não há nenhuma providência da nossa parte para tomar no contexto. Somente torcer para que os ministros façam um julgamento técnico-jurídico a respeito da matéria", acrescentou Martins. "Vamos aguardar confiantes."

Conforme as novas regras, reveladas em dezembro, o plenário ou as turmas do STF deverão avaliar medidas cautelares tomadas individualmente pelos ministros sempre que elas estiverem embasadas na necessidade de preservação de direito individual ou coletivo.

O indulto presidencial não é a única possibilidade de perdão para os policiais envolvidos no massacre. A Câmara dos Deputados analisa um projeto que pode ter o mesmo efeito. O texto foi aprovado em agosto do ano passado na Comissão de Segurança.

Nenhum dos PMs condenados chegou a cumprir pena, em um imbróglio jurídico que se arrasta há anos.

No dia do massacre, o Carandiru abrigava 7.500 detentos, quase o dobro de sua capacidade. A invasão do presídio, que tinha o objetivo de conter um conflito generalizado no pavilhão 9 da chamada Casa de Detenção, contou com 330 PMs, além de cães e cavalos. Embora a justificativa para as 111 mortes tenha sido legítima defesa, nenhum policial morreu na ação.

Comandante da invasão, o coronel Ubiratan Guimarães foi condenado a 632 anos de prisão em 2001, mas recorreu em liberdade. No ano seguinte, elegeu-se deputado estadual usando na campanha o número 111. Ele foi assassinado em 2006.

Implodido, o Carandiru deu lugar ao parque da Juventude.

Cronologia

2.out.1992 | Briga entre grupos rivais de presos dá início à rebelião no pavilhão 9 do Carandiru. O coronel Ubiratan Guimarães comandou a entrada na detenção de policiais armados com fuzis e metralhadoras, que resultou na morte de 111 presidiários

8.mar.1993 | Ministério Público de São Paulo acusa 120 policiais por crimes cometidos na casa de detenção

mar.1998 | 85 PMs, entre eles Ubiratan, tornam-se réus no processo que apura os assassinatos

29.jun.2001 | Ubiratan é condenado a 632 anos de prisão por 102 mortes

15.fev.2006 | Tribunal de Justiça paulista absolve Ubiratan. Outros 84 policiais envolvidos ainda não tinham sido julgados pelos homicídios. Crimes de lesão corporal leve prescreveram antes que 29 policiais fossem julgados

10.set.2006 | Ubiratan é encontrado morto em seu apartamento, na capital paulista, com um tiro que perfurou o peito e saiu pelas costas. Sua namorada, Carla Cepollina, chegou a ser acusada do crime, mas foi inocentada em 2012

27.set.2016 | TJ-SP anula julgamentos que condenaram os 74 PMs, que recorriam em liberdade, pelo massacre do Carandiru; policiais haviam sido condenados entre 2013 e 2014

11.abr.2017 | Por 4 votos a 1, o TJ-SP decide que os PMs envolvidos no massacre devem ser submetidos a novo julgamento

22.maio.2018 | O TJ-SP mantém anulação dos julgamentos e cria etapa no processo que abre a possibilidade de absolvição dos acusados

27.nov.2018 | A Justiça mantém a anulação das condenações e determina novo júri, mas não absolve os acusados

2.jun.2021 | O ministro do STJ Joel Ilan Paciornik acolhe recursos do Ministério Público de São Paulo e restabelece as condenações

10.ago.2021 | Por unanimidade, a 5ª Turma do STJ nega recursos da defesa e mantém a decisão do ministro Joel Ilan Paciornik, que restabeleceu a condenação dos PMs

2.ago.2022 | Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprova projeto de lei que concede anistia aos 74 PMs

22.nov.2022 | O TJ-SP volta a analisar o caso para definir, entre outros pontos, a dosimetria (duração das penas). O desembargador Edison Brandão pede vista do processo e, com isso, suspende o julgamento

23.dez.2022 | Indulto natalino assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) concede perdão a todos os PMs condenados pelo massacre

24.dez.2022 | Procuradoria de Justiça de São Paulo pede ao Ministério Público Federal que conteste no STF a constitucionalidade do indulto natalino de Bolsonaro

27.dez.2022 | O procurador-geral da República, Augusto Aras, aciona o STF contra o decreto de Bolsonaro

16.jan.2023 | A presidente do STF, ministra Rosa Weber, suspende, em caráter provisório, o indulto aos PMs condenados

Colaboraram Francisco Lima Neto e Clayton Castelani, de São Paulo

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