Descrição de chapéu yanomami

TCU arquivou investigação e ignorou pedido de auditoria sobre yanomamis

OUTRO LADO: Órgão diz que há uma lista de auditorias e que obedece a critérios de prioridade e de disponibilidade de pessoal

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Brasília

O TCU (Tribunal de Contas da União) deixou em banho-maria por mais de um ano uma proposta feita por um ministro da corte e aprovada em plenário para fiscalizar a assistência oferecida pelo governo federal aos yanomamis.

O pedido havia sido enviado pelo ministro Vital do Rêgo, no dia 24 de novembro de 2021, à então presidente do TCU, Ana Arraes, aos demais ministros e à procuradora-geral de Contas, Cristina Machado.

A solicitação, no entanto, ficou parada até o último dia 25 de janeiro, quando a presidência da corte determinou a abertura imediata da auditoria, em parceria com a CGU (Controladoria-Geral da União).

Yanomamis fazem fila para receber cestas básicas distribuídas por militares em ação conjunta do Exército e da FAB - 24.jan.2023 - Divulgação/Comando Militar da Amazônia (CMA)

Em 2021, Vital do Rêgo sugeriu ao tribunal que fizesse uma auditoria nas questões relacionadas à saúde e à segurança alimentar dos yanomamis e a incluísse no escopo de uma fiscalização sobre a extração ilegal de recursos minerais em terras indígenas.

"O que gostaria de compartilhar com este colegiado é uma profunda preocupação com o aumento da vulnerabilidade socioambiental dos povos indígenas no Brasil, diante das ameaças aos seus direitos territoriais, culturais, ambientais e à saúde, em especial no contexto do avanço da mineração, do garimpo, da grilagem e da derrubada florestal em suas terras", alegou o ministro, na ocasião.

Cerca de três meses depois, em março de 2022, Vital ainda determinou, em medida referendada em sessão plenária do tribunal, que a Segecex (secretaria-geral de controle externo do TCU) adotasse as medidas necessárias para a inclusão da auditoria no plano de fiscalização da corte.

A medida, porém, só foi tomada neste mês, seis dias após o Ministério da Saúde decretar emergência em saúde pública na Terra Indígena Yanomami, diante da crise sanitária da população. O processo encontra-se em fase inicial e não há peças públicas.

"A matéria levantada, já preocupante, tornou-se ainda mais urgente, onde ações efetivas e contundentes, por parte do Governo Federal, se fazem necessárias", disse o presidente do TCU, ministro Bruno Dantas.

O território yanomami sofre com o aumento da malária e com casos graves de desnutrição, que atinge 80% das crianças de até cinco anos. A ação do garimpo ilegal está no centro da crise atual.

Além de ignorar o pedido de autoria, o TCU arquivou, em 9 de agosto de 2022, um pedido feito pelo Ministério Público de Contas para que o tribunal avaliasse a atuação da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) na proteção das terras e na saúde do povo yanomami.

A representação teve como base reportagem da Folha que relatou que os yanomamis foram ameaçados e silenciados após um ataque de garimpeiros a uma aldeia em Roraima. A ação teria resultado em violências como um suposto estupro e morte de uma indígena de 12 anos.

A publicação contou que Polícia Federal, MPF (Ministério Público Federal), Funai e Sesai estiveram no local da ocorrência, mas os indígenas não quiseram falar por medo de represálias. Na época, os órgãos divulgaram notas informando que não encontraram indícios de crimes na região e que as apurações continuariam.

Em seu pedido, o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, afirmou que há tempos vinha apresentando ao TCU evidências do descaso do governo com a questão ambiental e que nenhuma medida concreta havia sido adotada pela Funai.

"O descaso das autoridades com a situação dos indígenas requer a atuação do tribunal, com vistas a fazer valer a missão precípua da Funai, que é garantir o cumprimento da política indigenista, que abrange o respeito às tradições dos povos indígenas, a garantia de posse permanente de suas terras e o usufruto exclusivo de seus recursos naturais", disse, na ocasião.

A unidade técnica do tribunal, porém, pediu o arquivamento do processo, afirmando que a solicitação não poderia ser cumprida por meio de representação do Ministério Público, e sim por uma fiscalização mais ampla. Também disse que o representante não constava do rol de legitimados para solicitar realização de auditorias ao tribunal e que o pedido não preenchia o requisito de admissibilidade relativo à apresentação dos indícios pertinentes ao fato noticiado.

Além disso, acrescentou que, em outras situações semelhantes, "de representações baseadas apenas em notícias de jornal, sem outros indícios de irregularidade", o tribunal havia entendido da mesma forma.

O ministro Vital do Rêgo, que também foi o relator desse processo, acatou o parecer da unidade, afirmando que já havia determinação à Segecex para a realização de auditoria do mesmo tema.

Em nota, a assessoria de imprensa do TCU afirmou que os planos de fiscalização do tribunal começam em 1º de abril de um ano e se encerram em 31 de março do ano seguinte. Explicou, ainda, que existe uma lista de auditorias para serem feitas pelas unidades técnicas do tribunal, que obedece a critérios de prioridade e depende de disponibilização de pessoal para começar.

Nesta segunda-feira (30), o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que a PGR (Procuradoria-Geral da República) investigue suspeitas da prática de genocídio e de outros crimes por parte de autoridades do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), devido à situação enfrentada pela comunidade yanomami.

Também nesta segunda, o MPF anunciou que vai instaurar um inquérito para apurar se houve omissão do Estado brasileiro. O objetivo é investigar como ações —ou a falta delas— de gestores e políticos podem ter contribuído para a crise.

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