Bolsonaristas disputam pauta indígena e yanomami no Congresso

Senadores criaram comissão externa e deputados tentam presidir Frente Parlamentar Indígena

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Brasília

Parlamentares bolsonaristas estão fazendo uma ofensiva pela pauta indígena no Congresso Nacional, onde houve dois pedidos de criação de comissões externas para averiguar a situação da Terra Indígena (TI) Yanomami, um na Câmara e outro no Senado.

No dia 2 de fevereiro, o deputado federal Dorinaldo Malafaia (PDT-AP) e a deputada Célia Xakriabá (PSOL- MG), da base aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), protocolaram um pedido para a criação da comissão na Câmara e também de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).

Na semana seguinte, senadores de Roraima, onde fica a TI, propuseram também a criação de uma comissão externa, após reunião com o governador do estado, Antonio Denarium (PP) —um dos mais ferrenhos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na região Norte do país e defensor do garimpo em terras indígenas, como afirmou em entrevista à Folha.

A deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) quer assumir, com o colega Coronel Chrisóstomo (PL-RO), a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas - Reprodução/Facebook

O requerimento para criação da comissão veio de senadores pró-garimpo, como Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Chico Rodrigues (PSB-RR), ambos do estado. O pedido foi votado e aprovado na última quarta-feira (8).

Ao mesmo tempo, a deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) e o deputado federal Coronel Chrisóstomo (PL-RO), ambos bolsonaristas, tentam conseguir assinaturas para comandar a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas.

"No campo socioambiental, a direita e o PL em particular estão com disposição de disputar esses espaços. Pela inversão de posição com o governo, esse tema vira trincheira para eles fustigarem o atual governo e seus aliados, assim como para os ambientalistas serviu para marcar oposição a Bolsonaro [nos últimos quatro anos]", afirma Márcio Santilli, fundador do ISA (Instituto Socioambiental).

Os senadores de Roraima viajaram para o estado na última quinta-feira (9). Mecias de Jesus é autor de um projeto de lei para a liberação do garimpo em terras indígenas.

Ele também é citado em apuração sobre o desvio de verbas para o combate à Covid-19 e padrinho político dos três coordenadores do Distrito de Saúde Indígena Yanomami (Dsei-YY) durante o governo Bolsonaro: Francisco Dias Nascimento, Rômulo Pinheiro e Ramsés Almeida.

Procurado, Mecias de Jesus não respondeu. Recentemente, a Folha indagou o senador acerca de sua defesa do garimpo e ele afirmou que não há ligação entre sua família e os coordenadores do Dsei Yanomami. "Temos fotos com milhares de pessoas das mais diversas matizes sociais sem que isso implique qualquer relação da maneira que vocês estão insinuando", disse o senador.

Major da reserva, Nascimento foi chefe do Dsei entre julho de 2019 e junho de 2020, conforme consta no Portal da Transparência. Meses depois, em dezembro de 2020, foi nomeado auxiliar parlamentar no gabinete de Mecias e lotado para trabalhar na presidência do Republicanos.

Após sua saída, quem assumiu a saúde yanomami foi Rômulo Pinheiro, que ficou no cargo entre julho de 2020 e o início de 2022. Ele é filho de Socorro Pinheiro, que em 2018 concorreu a deputada estadual por Roraima na mesma chapa do senador.

Ramsés Almeida sucedeu a Pinheiro, de janeiro a novembro de 2022. Em 2020, tentou se reeleger vereador em Mucajaí (RR) pelo Republicanos do senador roraimense.

Já o senador Chico Rodrigues tem nos garimpeiros muitos de seus eleitores. Ele é autor de propostas para construir linhas elétricas que passam por terras indígenas, é favorável à regulamentação da atividade de mineração nessas áreas, defendeu a ideia do "garimpo artesanal" e já sugeriu que deve haver limites à atuação de fiscais da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Procurado, o senador, que em 2021 pleiteou "regulamentar o uso das riquezas naturais em terras indígenas", disse agora: "Não defendo garimpagem em terras indígenas".

"Os garimpeiros que estão lá ilegalmente têm que ser retirados de uma forma pacífica, porque, se não, pode haver graves problemas, já que, lógico, não tinha havido um movimento anterior para acompanhar, fiscalizar e retirá-los da área e eles estavam [lá] livremente [até agora]", completou, em áudio encaminhado à reportagem.

Em 2022, ele participou de outra comitiva externa que viajou a Roraima para averiguar a situação dos yanomami —à época, havia a denúncia de que indígenas de uma aldeia haviam sido cooptados por garimpeiros.

Durante o tempo em Roraima, ele atuou para esvaziar o trabalho da comissão, conforme contaram à Folha, sob anonimato, pessoas que acompanharam as atividades.

Por exemplo, em vez de participar de uma agenda de parlamentares com representantes da Funai, do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), ele foi a um evento do governo do estado que anunciou a autorização para o início das obras de duplicação de uma rodovia local.

À época, questionado pela reportagem, enviou uma lista de presença em que ele mesmo consta como ausente em uma série de eventos.

Ele aparece, no entanto, como se tivesse participado do compromisso com as entidades ambientais, mas o próprio senador compartilhou um vídeo da inauguração da rodovia —sua assessoria confirmou que ele estava na cerimônia, dizendo que a obra era importante para a região.

A defesa dos garimpeiros pelos senadores de Roraima acendeu o alerta no Senado e levou o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a pedir para que a comissão externa não ficasse restrita ao trio.

Depois disso, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), propôs que a comissão fosse formada também por parlamentares de outros estados.

"Podem surgir outras demandas de inclusão de outros colegas parlamentares para acompanhar o drama que vivem os yanomamis e o drama, em última análise, que vivem os irmãos amazônidas roraimenses", alegou Randolfe.

"Com o devido respeito e vênia aos colegas do estado de Roraima, mas todos os senadores ali fazem uma defesa muito grande dos garimpeiros. É muito complicado você ter uma comissão com apenas a voz e a defesa em relação aos garimpeiros. Não tem uma voz em relação aos povos indígenas", afirmou Eliziane Gama (PSD-MA).

Silvia Waiãpi disse que trabalha em parceria com seu colega Coronel Chrisóstomo, que se autodeclara indígena, para assumir a Frente Parlamentar Indígena —ele como presidente e ela, vice.

"Sou a única mulher indígena eleita na Amazônia brasileira nesta legislatura. Então, nada melhor, já que se trata de uma região que tratamos diuturnamente de questões indígenas, quilombolas, ribeirinhos, homens e mulheres da floresta, que uma pessoa que vive isso", afirmou.

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