Brasil tem 32 milhões de crianças e adolescentes na pobreza, diz Unicef

Número retrata situação em 2019; dados de 2020 e 2021 sobre renda, educação e alimentação mostram piora na pandemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Seis entre dez crianças e adolescentes brasileiras conviviam em 2019 com um ou mais aspectos da pobreza, que são trabalho infantil e privações de acesso a moradia digna, água, saneamento, informação, renda, alimentação e educação, segundo estudo divulgado nesta terça-feira (14) pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

Isso permite ao organismo da ONU afirmar que, ainda antes da pandemia, ao menos 32 milhões de brasileiros de até 17 anos —63% dessa população— viviam na pobreza, quando consideradas as múltiplas dimensões acima mencionadas.

Crianças na favela da Barra de São Miguel, às margens da via Dutra, no bairro Vila Nova Cumbica, em Guarulhos (SP) - Eduardo Knapp - 10.out.2022/Folhapress

Para analisar a pobreza multidimensional, a pesquisa utilizou dados oficiais, da Pnad Contínua do IBGE, cujo último ano com informações disponíveis para todos os oito indicadores é 2019.

Quando considerados de forma separada os dados sobre renda e alimentação, disponíveis nos levantamentos do IBGE até 2021, e sobre educação, até 2022, o estudo aponta que a privação de direitos fundamentais cresceu para esse público durante a pandemia de Covid-19.

Ao analisar o recorte da renda, que também permitiu ao Unicef estudar a falta de dinheiro para comprar comida, os pesquisadores chegaram à conclusão de que, em 2021, o percentual de crianças e adolescentes que viviam em famílias abaixo da linha de pobreza monetária extrema —menos de US$ 1,90 por dia por pessoa (R$ 9,85, na cotação atual dólar)— alcançou o maior nível dos últimos cinco anos: 16,1% (em 2017 eram 13,8%).

Já na educação, após anos em queda, a taxa de analfabetismo dobrou de 2020 para 2022, passando de 1,9% para 3,8%.

Entre as principais privações que impactam a infância e a adolescência estão a falta de acesso a saneamento básico, alcançando 21,2 milhões de meninas e meninos, seguida pela privação de renda, que atinge 20,6 milhões, e de acesso à informação, afetando 6,2 milhões.

A elas se somam falta de moradia adequada (4,6 milhões), privação de educação (4,3 milhões), falta de acesso a água (3,4 milhões) e trabalho infantil (2,1 milhões). O resultado geral é de 32 milhões porque a mesma pessoa pode estar sujeita a mais de uma dimensão da pobreza.

Ao mensurar a pobreza em suas múltiplas camadas, a organização busca alertar autoridades brasileiras para a urgência de políticas públicas contínuas, com a destinação de recursos suficientes para o enfrentamento de privações, que vão além da falta de renda e que resultam em graves prejuízos para o desenvolvimento da população mais jovem, segundo Liliana Chopitea, chefe de Políticas Sociais, Monitoramento e Avaliação do Unicef no Brasil.

"Na maioria das vezes, essas privações se sobrepõem. Por isso é urgente o Brasil olhar para a pobreza de forma ampla e colocar a infância e a adolescência no orçamento e no centro das políticas públicas", diz Chopitea.

A pobreza multidimensional impactou mais quem já vivia em situação vulnerável —negros e indígenas, e moradores das regiões Norte e Nordeste—, agravando as desigualdades no país. Entre crianças e adolescentes negros e indígenas, 72,5% estavam na pobreza multidimensional em 2019, contra 49,2% de brancos e amarelos.

Entre os estados, seis tinham mais de 90% de crianças e adolescentes em pobreza multidimensional, todos no Norte e Nordeste.

Redução do valor do Auxílio Emergencial

Na última década, o número de crianças e adolescentes que viviam em domicílios cuja renda familiar era insuficiente para alimentação vinha caindo. A pandemia, no entanto, reverteu essa tendência.

Após uma melhora nos indicadores em 2020, a inconstância no pagamento do Auxílio Emergencial, que chegou a ser descontinuado antes da criação do Auxílio Brasil, foi decisiva para o aumento dos patamares históricos de falta de acesso à renda e, consequentemente, à alimentação adequada, segundo Chopitea.

Entre 2020 e 2021, o número de crianças e adolescentes privados de renda familiar necessária para uma alimentação adequada passou de 9,8 milhões para 13,7 milhões —um salto de quase 40%.

O percentual de privação nessa dimensão permaneceu relativamente estável, em torno de 19%, até 2019.

Em 2020, apresentou uma queda, possivelmente devido ao Auxílio Emergencial, seguida por uma alta em 2021, quando passou de 16,1% para 25,7%

Os percentuais de privação subiram tanto para negros e indígenas como para brancos e amarelos. O aumento, no entanto, foi maior para o primeiro grupo (31,2%% ante 17,8%), aprofundando a desigualdade.

Situação semelhante ocorreu quando considerado o acesso à renda de modo geral. Até 2019 havia mais de 20 milhões de meninas e meninos vivendo abaixo de um nível mínimo de renda para satisfazer suas necessidades.

Em 2020, com o Auxílio Emergencial, houve uma melhora no percentual de crianças e adolescentes vivendo na extrema pobreza (renda familiar inferior a US$ 1,90 por dia).

Esse cenário, no entanto, não se manteve em 2021. O percentual de crianças e adolescentes vivendo na extrema pobreza e também na pobreza (renda familiar de menos de US$ 5 por dia por pessoa, algo como R$ 25) alcançou o maior nível em relação aos anos anteriores: 16,1%, para a extrema pobreza, e 26,2%, para a pobreza.

Isso significa que o número total de crianças cujas famílias não têm acesso a uma renda adequada aumentou em 3,1 milhões de 2020 para 2021, passando de 19,3 milhões para 22,5 milhões, segundo o Unicef.

A investigação para se chegar à falta de dinheiro para comer é diferente do calculo do acesso à renda porque resulta de uma série de cruzamentos de dados, embora também tenha como base as medições de orçamento familiar realizadas pelo IBGE, explicou Chopitea.

Para avaliar o acesso à alimentação, a equipe de pesquisadores utilizou os dados oficiais para formular médias diferentes de renda per capita mínima para a alimentação necessária para 40 grupos, que correspondem às diferenças de perfis de brasileiros (como região do país e se mora em área urbana ou rural), e aplicou a inflação regional das respectivas cestas.

Os valores médios de renda por pessoa para garantir o acesso minimamente adequando à alimentação, atualizados para hoje, variam entre R$ 250 R$ 360, segundo o cálculo do Unicef.

No caso da educação, em 2019, mais de 4 milhões de crianças e adolescentes apresentavam alguma privação desse direito —frequentavam a escola com atraso escolar ou sem estar alfabetizados ou estavam fora da escola.

Se, antes da pandemia, o país vinha apresentando pequenas melhorias no acesso à educação, com a crise sanitária o cenário se inverteu. Houve piora em diferentes indicadores, em especial a alfabetização.

Em 2022, o percentual de crianças privadas do direito à alfabetização dobrou em relação a 2020, passando de 1,9% para 3,8%.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.