Descrição de chapéu yanomami

Garimpeiros recebem promessa de ajuda e têm apoio da população de Roraima

Governador e senadores propõem a criação de programas sociais para os 50 mil garimpeiros do estado

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Boa Vista

Apontados como os principais responsáveis pela crise humanitária vivida pelos indígenas yanomamis, garimpeiros ilegais têm recebido apoio de moradores de Boa Vista e encontram no governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), um aliado.

No estado, que tem cerca de 500 mil habitantes, vivem hoje ao menos 50 mil garimpeiros, já totalmente inseridos na estrutura social e econômica.

"Os garimpeiros não são esses criminosos que a mídia está mostrando, não, são pais de família que ajudam a economia da nossa cidade, do nosso estado", disse o motorista de aplicativo José dos Santos, à Folha.

"É uma palhaçada isso tudo. Quero ver quem vai nos ajudar quando a fome chegar por aqui. Eu tenho dois tios e três primos no garimpo, que sustentam três famílias com trabalho duro, de sol a sol. Não são bandidos", disse Maria do Carmo Silva, auxiliar de limpeza.

Monumento ao Garimpeiro, em Boa Vista; obra de 1969 é símbolo da importância da categoria em Roraima - Michael Dantas - 29.jan.2023/AFP

Na família da estudante Ana Carla, 20, são três gerações de garimpeiros. "Tem muito bandido no garimpo? Tem, assim como tem em qualquer lugar. Mas também tem muita gente honesta que só está tentando sobreviver. E são esses que sobraram por lá [na terra yanomami]. Os grandões já saíram", afirmou.

A reportagem ouviu ao menos dez pessoas em Boa Vista com discursos muito semelhantes, entre motoristas, comerciantes, atendentes e profissionais da saúde, que defendem os garimpeiros e estão revoltadas com a operação do governo federal para interromper a atividade ilegal no território yanomami.

O garimpo é considerado ilegal em terras indígenas, mas a legislação brasileira permite, sob uma série de condições, a atividade extrativista no país.

Um dos principais patrimônios históricos de Boa Vista, o Monumento ao Garimpeiro é um exemplo de como eles são respeitados na cidade. A escultura foi construída em 1969 e fica no centro da sede do governo e Assembleia Legislativa de Roraima, na praça do Centro Cívico.

"Você tem na sociedade roraimense uma naturalização do garimpo. A população não vê como crime. Garimpeiro não é uma figura única, é um complexo social bastante diverso", disse o sociólogo Rodrigo Chagas, professor da Universidade Federal de Roraima, em entrevista ao podcast Fora da Política Não Há Salvação, do cientista político Cláudio Couto.

Chagas afirma que o crescimento econômico e demográfico de Roraima está muito ligado ao garimpo e que há diversos perfis de pessoas na atividade. Ele conta que durante a pandemia, por exemplo, teve alunos que pararam de estudar e foram para o garimpo porque não tinham outra fonte de renda.

"Tem o rapaz que diz: ‘vou entrar no garimpo para tirar uma moto’. Quando a gente fala de garimpeiro, a gente está falando dos meus alunos, de familiares, de amigos, de pessoas do nosso convívio cotidiano em Boa Vista."

Governo deflagra operação

O governo Lula (PT) deu início nesta segunda (6) às operações para tentar desmontar o garimpo e retirar os mais de 20 mil garimpeiros que invadiram a área nos últimos anos.

Na terça (7), o governador propôs a criação de programas sociais para os garimpeiros que estão deixando a Terra Indígena Yanomami, que fica em Roraima. O controle do espaço aéreo, a maior presença do Estado e a operação de retirada dos garimpeiros levaram a uma mobilização de grupos de invasores, que já deixam o território ou tentam fugir de alguma forma. A fuga envolve caminhadas por dias na floresta, longos percursos em barcos e trechos a pé.

Durante reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e a bancada de senadores de Roraima, o governador afirmou que cerca de 50 mil pessoas vivem da atividade do garimpo no estado e disse que essa população ficará desassistida, precisando de ajuda.

"Temos que criar mecanismos para que [os garimpeiros] possam sair. Uma das ações é o desbloqueio do espaço aéreo. Criar novas áreas de mineração em cooperativas, fora de área indígena, lógico", disse Denarium, em entrevista após a audiência.

A reação ocorre em meio a um processo de asfixia do garimpo ilegal, com controle do tráfego aéreo pela FAB (Força Aérea Brasileira) e retirada de invasores. No dia 20 de janeiro, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou emergência em saúde pública no território yanomami.

A conivência com o garimpo e a desassistência em saúde provocaram uma crise humanitária entre os indígenas, com explosão de casos de desnutrição grave, malária e outras doenças associadas à fome, como infecções respiratórias. Na terça, uma equipe da Polícia Federal confirmou que um indígena yanomami foi morto e outro ficou gravemente ferido após um suposto ataque feito por garimpeiros invasores.

Para o governador Antonio Denarium, uma solução seria a reinserção dos garimpeiros em outras atividades. "Criar programas sociais que possam atender essas pessoas, quando saírem da área em que estão trabalhando", disse.

Na entrevista, o senador Mecias de Jesus (Republicanos) afirmou que os garimpeiros expulsos das terras indígenas são "trabalhadores que ficaram sem fonte de renda" e que "precisarão de assistência".

Ele alega que os donos das áreas extrativistas ilegais já estão longe dos garimpos. "Os verdadeiros donos do garimpo não estão lá. São os peões que estão trabalhando para manter suas famílias. Os donos do garimpo foram embora há muito tempo, de avião."

Na reunião com Pacheco, foi acertada a criação de uma comissão externa do Senado para acompanhar a crise sanitária dos yanomamis e proposto um termo de ajustamento de conduta do MPF (Ministério Público Federal) para que os garimpeiros que estão ilegalmente na terra indígena sejam retirados sem uso de força.

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