Descrição de chapéu chuva

ONG diz ter contado 17 corpos em comunidade isolada de São Sebastião

Chuva soterrou casas e deixou mortos e feridos no litoral de SP; prefeito diz que número de vítimas deve subir

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São Paulo

"É um cenário de guerra. Rio e mar viraram uma coisa só. Pessoas foram arrastadas pela enxurrada." A descrição é da advogada Fernanda Carbonelli, moradora de São Sebastião, cidade do litoral norte paulista atingida por chuvas extremas na madrugada deste domingo (19).

A sede da ONG na qual Carbonelli atua, o Instituto Verdescola, está servindo base para o resgate de vítimas dos deslizamentos que atingiram a comunidade Vila Sahy. A região esta totalmente isolada, sem acesso por terra. "Estou com 17 corpos da minha comunidade lá dentro", contou. "Há muitas crianças. Ainda tem muita gente soterrada aqui."

Dois homens carregam um bebê em rua coberta de lama
Socorristas amparam bebê na praia da Baleia, na regiao de Topolândia, onde casas desabaram - Daniela Andrade/PMSS

Carbonelli afirma que os corpos estão em uma sala fechada, enquanto não chegam instruções sobre como serão realizadas as remoções. O primeiro helicóptero de resgate chegou ao local por volta das 16h e priorizou o transporte de um grupo de três feridos em estado grave.

Um segundo helicóptero não conseguiu pousar novamente no local e, com o cair da noite, a situação fica mais difícil, pois não há energia elétrica. "Não temos ideia da situação morro acima, achamos que tem muita gente nos escombros."

Oficialmente, 36 mortes tinham sido confirmadas até a noite de domingo —35 em São Sebastião e uma morte em Ubatuba. Como as áreas afetadas estão isoladas, porém, o prefeito Felipe Augusto (PSDB) disse que é possível haver um número maior de óbitos.

"A estrada [Rio-Santos] simplesmente não existe mais em alguns trechos. O maior deles, de aproximadamente 500 metros, desapareceu por completo", afirmou Augusto.

Voluntários estão usando uma trilha para, de motocicleta, acessarem o trecho entre Baleia e Sahy, já que a ponte que liga as localidades não está acessível. "A Defesa Civil está trabalhando manualmente porque não dá para trazer equipamentos", contou.

Estimativas iniciais do município apontam para cerca de 50 casas atingidas por deslizamentos nos bairros Vila do Sahy e Barra do Sahy ou nas imediações. Essa é a área mais prejudicada e isolada. Carbonelli diz que há cerca de 70 residências soterradas na comunidade.

São Sebastião decretou estado de calamidade pública neste domingo (19) após as fortes chuvas que atingem o litoral norte paulista causarem deslizamentos de terra em diversas áreas do município. A programação de Carnaval para o dia foi cancelada.

Por telefone, Carbonelli contou à Folha que está realizando resgates e atendimentos com o apoio de cinco médicos e um enfermeiro, além da ajuda de um psicólogo no amparo às famílias, todos voluntários da ONG e proprietários de casas nas praias da Baleia e Sahy. "Moradores estão abrindo suas casas de veraneio para abrigar as famílias", disse.

A Defesa Civil do município afirmou que os volumes registrados pelos pluviômetros são "excepcionais e recordes para a cidade". Na Barra do Una, Juquehy, Cambury e Boiçucanga choveu mais de 400 milímetros durante a madrugada, em um período de quatro horas. Há estações em que os volumes ultrapassam 600 milímetros em 24 horas.

Turistas ficam ilhados em casas e relatam desespero

Na praia do Juquehy, a publicitária Manuella Gavioli, 25, foi surpreendida pela rápida elevação do nível da água. Ela passava feriado de Carnaval em uma casa em um condomínio do bairro. "Começou a chover forte por volta de 19h, mas não reparamos muito nisso. Até que, por volta da meia-noite, um grupo que estava aqui em casa resolveu sair para ir a uma festa, quando abrimos a porta, a água estava na altura da cintura", disse.

"Tentamos levar os carros para um local mais alto, mas começou a chover muito. Fiquei presa dentro do carro, sem conseguir abrir a porta devido à força da correnteza, até que me ajudaram a sair, já com a água na altura do peito", contou Gavioli, ainda sem saber quando poderá voltar para sua residência, em São Paulo.

No bairro Camburi, o publicitário Rafael Ferreira, 39, também passava o feriado na companhia de amigos. Ele foi alertado pelo atendente de um restaurante próximo que a água iria subir e que o grupo deveria levar os carros para um local mais alto.

Eles tentaram contato com a Defesa Civil, mas não conseguiram falar. Ligaram para a Polícia Militar. "A PM disse que havia muitos deslizamentos na estrada e era mais seguro ficarmos", conta Ferreira.

O grupo passou a madrugada no segundo andar da casa, onde permanecia há horas sem comer.

"Todo mundo quer sair daqui. Estamos com fome e não sabemos se conseguiremos comprar comida quando a água baixar porque não sabemos se os mercados alagaram, se os estoques estragaram. Estamos desesperados para voltar para São Paulo", desabafou Ferreira.

Alimentos e pertences ficaram no andar térreo, embaixo d’água, exceto a mesa com o roteador. O móvel estava boiando e, por isso, o aparelho continuava funcionando, permitindo o acesso à internet.

"Trouxemos a água, mas esquecemos a comida", relatou a nutricionista Paula Batista Miziara, 39, que também estava na casa.

O volume de chuva fora do comum em São Sebastião pode ser classificado como um "evento climático extremo", segundo a meteorologista Ana Avila, do Centro de Pesquisas Meteorológicas da Unicamp.

"O Brasil não tem um histórico de eventos extremos frequentes, embora registre fenômenos intensos, mas esse é um evento extremo de chuva", afirmou.

Municípios da região também estão em alerta. Em Ubatuba, uma criança de sete anos morreu na madrugada depois de uma pedra deslizar e atingir a casa em que ela estava.

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