PM suspeito de matar dois indígenas é preso na BA

OUTRO LADO: Reportagem não conseguiu localizar advogados de defesa; segundo a polícia, ele fazia segurança particular de fazenda

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Salvador

Um soldado da Polícia Militar da Bahia foi preso após se apresentar à Polícia Civil sob suspeita de matar dois indígenas da etnia pataxó. O duplo homicídio ocorreu no último dia 17, em Itabela, no extremo sul do estado, a 674 km de Salvador.

Nauí Brito de Jesus, 16, e Samuel Cristiano do Amor Divino, 21, foram assassinados às margens da BR-101 a caminho de uma fazenda ocupada pelos pataxós.

O PM Laércio Maia Santos foi detido na noite desta segunda-feira (30) na delegacia de Teixeira de Freitas, vizinha a Itabela, onde chegou acompanhado de dois advogados, já sob o status de procurado com mandado de prisão temporária expedido pela Justiça. A reportagem não conseguiu localizar os defensores do suspeito.

foto do rosto de dois jovens indígenas mortos; um dele usa boné e camiseta
Indígenas que foram mortos na BR-101, em Itabela (BA); policial suspeito do crime se entregou - Reprodução/NaMidia.News no Instagram

Com a prisão, além da investigação em andamento na Polícia Civil, o soldado deverá passar por um inquérito policial militar instaurado pela Corregedoria da PM.

Da delegacia, o soldado foi transferido para prestar depoimento na Coorpin (Coordenação Regional de Polícia do Interior) de Eunápolis, onde permaneceu calado, antes de ser enviado para a custódia do Batalhão de Choque da PM, em Lauro de Freitas, na Grande Salvador.

Procurado por equipes da Força Integrada (FI) de Combate a Crimes Comuns envolvendo Povos e Comunidades Tradicionais, Santos já havia sido identificado pela SSP (Secretaria da Segurança Pública) no sábado passado (28).

Na ocasião, as buscas da polícia levaram a um imóvel utilizado pelo suspeito na zona rural de Porto Seguro, município da mesma região, onde foram encontradas armas, além de diversos aparelhos eletrônicos, entre celulares e rádios comunicadores.

Segundo a SSP, Santos atuava como segurança particular —o que é proibido por lei— na noite em que Nauí Jesus e Samuel do Amor Divino, 21, foram assassinados. Com os dois últimos homicídios, a Bahia registrou seis assassinatos de indígenas em um intervalo de pouco mais de oito meses. As mais recentes vítimas foram mortas quando se deslocavam para uma das fazendas ocupadas na área da Terra Indígena Barra Velha.

Para o coordenador-executivo estadual do MIB (Movimento Indígena da Bahia), o cacique Zeca Pataxó, a prisão do PM só corrobora a suspeita dos pataxós de que servidores da segurança pública estariam atuando como capatazes de fazendeiros da região.

O cacique lembra as prisões de outros três policiais militares pela Operação Tupã da Polícia Federal, em outubro passado, por suspeita de envolvimento na morte do adolescente Gustavo Conceição da Silva, 14, durante um ataque a uma fazenda ocupada por pataxós em Prado.

"A prisão não traz alívio às famílias, né. Aponta o autor, mas ainda precisa ser desvendado quem são os mandantes dos crimes", afirma. "Em oito meses, seis parentes morreram assassinados aqui na região. A gente os mandantes", diz.

A liderança reitera que os pataxós têm pleiteado que a PF (Polícia Federal) seja a única força à frente das investigações. "O clima continua tenso. A situação é muito grave. Por isso, estamos indo para Brasília no próximo fim de semana", afirma.

Procurada, a PF respondeu que estão sendo adotadas as providências necessárias para apurar os fatos narrados, mas que, "considerando a sensibilidade do caso, as diligências encontram-se em sigilo".

Cacique Zeca diz que a viagem terá uma caravana com quatro ônibus, para reuniões já agendadas com representantes de órgãos como os ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos, dos Povos Indígenas, além do Supremo Tribunal Federal.

O clima de tensão no extremo sul do estado perdura há décadas por causa dos conflitos por terras. Por meio do que chamam de retomadas, os pataxós têm ocupado fazendas para pressionar a União a homologar áreas já demarcadas do território de Barra Velha.

A escalada da violência no extremo sul da Bahia levou a ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, a criar um gabinete de crise que previa, inclusive, o envio da Força Nacional para a região, logo após os assassinatos das duas últimas vítimas.

No último dia 25, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo pediram à OEA (Organização dos Estados Americanos) que interceda pelos pataxós do extremo sul da Bahia.

No documento enviado à OEA, as organizações indígenas denunciam que, desde junho passado, as comunidades de Barra Velha e Comexatiba enfrentam um cenário de violência que inclui ameaças, cercos armados, tiroteios e campanhas de desinformação.

Em agosto, a Folha publicou que mais de 200 pataxós estariam sob cerco de pistoleiros na ocupação da fazenda Brasília, em Porto Seguro, no perímetro do território Barra Velha. No mesmo mês, uma escola indígena com mais de 80 crianças foi alvo de tiros.

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