Bebê indígena tem alta após viajar 2.500 km para cirurgia cardíaca

Jornada de família do Amapá em busca de tratamento para a criança, atendida no interior de SP, envolveu transporte de barco, carro e avião

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São José do Rio Preto (SP)

O dia 6 de março não será esquecido por Jakyri Waiapi. Após 34 dias internada, 30 deles na UTI, a filha Liane Waiapi, de 1 ano e 4 meses, teve alta do Hospital da Criança e Maternidade, de São José do Rio Preto (a 438 km de São Paulo), depois de passar por uma cirurgia cardíaca. A família, de uma aldeia wajãpi de Pedra Branca do Amapari, no Amapá, finalmente poderá voltar para casa.

O casal e o bebê chegaram ao interior paulista para tratamento médico no dia 23 de janeiro. Mas até essa data precisou peregrinar em busca de tratamento médico para a criança.

criança, mulher e homem yanomami com desenho colorido de uma criança ao fundo em parede branca
Jakyri Waiapi, 36, com a mulher e a filha após sucesso de cirurgia em hospital em São José do Rio Preto (SP) - Alexandre Souza/Hospital de Base/Divulgação

A família Waiapi tem outros quatro filhos. O pai, Jakyri Waiapi, relata que desde os primeiros meses de vida da filha, ele e a esposa, Anani Waiapi, notaram que Liane tinha respiração ofegante, se cansava ao brincar com outras crianças da comunidade e tinha dificuldade de se alimentar e ganhar peso.

Estranhando a situação, eles buscaram atendimento médico no posto de saúde indígena. "No ano passado, os enfermeiros da aldeia descobriram que a Liane tinha um problema no coração. Depois de uns dois meses fomos encaminhados para atendimento em Macapá, onde ela foi internada e intubada", conta o pai.

Diagnosticada com uma cardiopatia chamada persistência do canal arterial, a bebê precisava passar por cirurgia para fechar o canal arterial e assim evitar que a doença evoluísse para insuficiência cardíaca.

Normalmente, essa cirurgia é feita nos primeiros meses de vida do bebê. No entanto, no caso de Liane, o diagnóstico foi tardio, o que gerou aumento da pressão pulmonar.

A falta de atendimento especializado fez com que, em janeiro, a família fosse encaminhada para o HCM, no interior de São Paulo, distante 2.500 km da área indígena. O trajeto demorou mais de quatro dias para ser concluído.

"Da aldeia até o posto de saúde são quatro horas de barco. Depois pegamos um carro e fomos levados para Macapá. Lá aguardamos dois dias para pegar um voo e chegar no hospital. Apesar de ser longe, estamos acostumados a ir ao hospital e em médicos, então essa adaptação foi tranquila", diz Jakyri.

No hospital do Rio Preto, a bebê passou por procedimento cirúrgico que fez uma espécie de ligação do canal arterial, no dia 1º de fevereiro.

Devido à demora no diagnóstico, que gerou aumento da pressão pulmonar, ela ficou 30 dias internada na UTI, dos quais a maioria intubada.

"Pelo que o pai conta, eles ficaram mais de seis meses peregrinando em busca de atendimento e diagnóstico, afetando o tratamento da bebê, que foi feito tardiamente –cerca de um ano depois do indicado. A recuperação, que, normalmente, é rápida, acabou demorando devido à complicação pulmonar que ela teve", afirma Karolyne Sanches Postigo, cardiologista intervencionista pediátrica.

A falta de atendimento médico adequado também fez com que o pai da criança precisasse ficar duas semanas internado. Diagnosticado com malária, ele passou por tratamento no Hospital de Base, também na mesma cidade.

A família pode retornar à terra indígena a partir da próxima semana. Com a falha no canal arterial corrigida, a menina não deve ter sequelas.

"Ela poderá brincar, correr e fazer tudo que uma criança faz. O problema cardíaco foi corrigido e ela não terá outras intercorrências", afirma Postigo.

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