Série de ataques a escolas exige ação imediata, dizem especialistas

Após atentados em SP e Blumenau em menos de 10 dias, governo Lula anuncia política nacional de combate à violência

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São Paulo

Em menos de dez dias, o Brasil teve duas escolas atacadas. Cinco pessoas (quatro alunos e uma professora) morreram. Esses massacres se somam a outros oito que foram registrados no país desde agosto.

Para os estudiosos da área, a proximidade e semelhanças entre os casos registrados no país exigem ações imediatas para conter o risco de tendência de continuidade de violência contra as escolas.

"Em oitos meses, nós tivemos dez ataques contra escolas, quase o mesmo número registrado anteriormente em 20 anos. Há uma clara explosão da violência. E ao olhar o perfil dos autores encontramos um padrão, todos são do sexo masculino, com um discurso de ódio e de misoginia", diz a pesquisadora Cleo Garcia, que fez um mapeamento dos casos.

Policiais fardados e viaturas na frente de creche
Agentes da Polícia Civil patrulham entorno da creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC), alvo de ataque nesta quarta (5) - Anderson Coelho/AFP

O estudo, feito por um grupo que reúne pesquisadores da Unicamp e da Unesp, contabilizou 13 ataques de 2002 até julho de 2022. Somente de agosto do ano passado até esta quarta, foram registrados dez casos do tipo contra escolas.

"Ainda que com características diferentes, estes casos estão conectados e precisamos ver como uma questão mais ampla da sociedade. É natural que a gente busque culpados para cada ataque, mas eles não são resultado de um fracasso individual e, sim, de um fracasso coletivo da nossa sociedade", diz Lucas Hoogerbrugge, mestre em educação pela Universidade de Stanford.

Os especialistas dizem que os ataques a escolas são resultado de uma mistura danosa que o país viveu nos últimos anos, com o fortalecimento do discurso de ódio, a naturalização da violência e a maior incidência de doenças mentais após a pandemia.

"A intolerância e o ódio foram naturalizados, a incitação à violência se tornou algo banal. Com isso, os indícios e alertas que poderiam prevenir esse tipo de ataque deixaram de ser observados. E esses casos estão se alastrando por uma sociedade que está adoecida", diz Hoogerbrugge.

Para eles, os ataques tendo escolas como alvo podem ser resultado de um efeito contágio. Ou seja, os autores se inspiram em ações anteriores para promover novos massacres.

"Há um efeito de contaminação social. Pessoas com nível baixo de empatia tendem a se conectar facilmente com outras pessoas que agiram de forma violenta. Eles se inspiram nessas ações para atuar da mesma forma, é como o efeito Werther em relação ao suicídio", explica o psiquiatra Gustavo Estanislau, especialista em infância e adolescência.

Segundo a Secretaria da Segurança Pública, desde o ataque do último dia 27 a uma escola estadual na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo, foram registradas 55 ocorrências de novas ameaças contra unidades escolares somente na área do Demacro (Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo), que abrange, à exceção da capital, toda a região metropolitana

"As pessoas estão em um estado de alerta maior e isso tende a ser um fio condutor para que coisas mais graves aconteçam, como crises de depressão ou um surto psicótico. É o efeito do contágio, mesmo pessoas que não têm nenhuma relação com as escolas acabam recorrendo a esse ambiente para promover ataques", afirma Estanislau, especialista em infância e adolescência.

No ataque desta quarta (5), um homem de 25 anos pulou o muro da creche e desferiu golpes de uma machadinha e canivete contra as crianças. Quatro morreram e ao menos outras quatro ficaram feridas. O autor foi preso. Segundo a polícia, ele não tinha nenhuma ligação com a creche, e a escolha do local do ataque foi aleatória.

A psicóloga Marta Gonçalves, professora de psicologia da educação do Instituto Singularidades, a sucessão de ataques contra escolas no país são um alerta da necessidade de políticas de atenção à saúde mental.

"Soluções simples e emergenciais não vão resolver o problema. Colocar polícia dentro da escola ou revistar os alunos não vai resolver o que está acontecendo. A prevenção depende de um plano mais amplo", afirma Hoogerbrugge.

Nesta quarta, após o ataque em Blumenau, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou que vai editar um decreto interministerial para elaborar uma política nacional de combate à violência nas escolas.

Apesar de ter recebido em dezembro o alerta da necessidade de ações para conter o avanço dos massacres em escolas, o governo começou a organizar a política depois do ataque a uma escola estadual na Vila Sônia, em que um adolescente de 13 anos esfaqueou e matou uma professora.

O anúncio da criação do grupo de trabalho foi adiantado para esta quarta após o novo ataque. A política vai envolver os ministérios da Educação, dos Direitos Humanos, Justiça e Secretaria-Geral para promover a cultura de não violência nas escolas. O grupo será coordenado por Camilo Santana e vai durar 90 dias.

"Tudo isso é fruto do estimulo a violência, armas e intolerância", disse o ministro da Educação a jornalistas.

Além disso, o governo disponibilizará R$ 150 milhões para estados e municípios ampliarem rondas policiais no entorno de escolas.

"O presidente da República decidiu que o Ministério da Justiça vai fortalecer o apoio às rondas escolares, patrulhas escolares. Isso será feito por intermédio de um edital. Vamos conversar com Camilo [Santana] e secretários estaduais", disse o ministro da Justiça, Flávio Dino.

Além disso, o ministro anunciou que ampliará de 10 para 50 o número de policiais que participa do grupo de monitoramento da deep web e da dark web. Para Dino, ataques contra crianças e jovens, como este de Santa Catarina, ocorrem porque há "proliferação de discurso de ódio em várias esferas da sociedade", o que ele chamou de tragédia social.

O alerta sobre a necessidade de ações foi feito durante a transição pelo grupo de trabalho sobre educação. Em um relatório, os especialistas apontam a importância de monitoramento e regulação das redes sociais, onde discursos extremistas e incentivos a ataques circulam livremente.

Também sugerem a formação de professores e servidores para identificar alterações de comportamentos nos jovens, como interesse incomum por assuntos violentos e atitudes agressivas, recusa de falar com professoras e gestoras mulheres, uso de expressões discriminatórias e exaltação a ataques em ambientes educacionais ou religiosos.

Colaborou Marianna Holanda, de Brasília

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