Plano Diretor de SP abre brecha para mais verticalização e será votado na próxima semana

Texto apresentado por vereador traz mudanças nas regras para construção de prédios mais altos e cria novo zoneamento

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São Paulo

A Câmara Municipal de São Paulo deve votar na semana que vem a revisão do Plano Diretor, conjunto de regras que orienta o crescimento da cidade, com novas mudanças em relação ao projeto apresentado pela prefeitura.

Relator do projeto, Rodrigo Goulart (PSD) apresentou nesta terça (23) à Comissão de Política Urbana um texto substitutivo. Inicialmente, a previsão é que fosse votado já nesta quinta (26) em primeiro turno no plenário. Porém, na noite desta terça, os vereadores recuaram e decidiram adiar a votação para a quarta-feira da próxima semana.

O novo projeto propõe que a prefeitura possa revisar o desenho de áreas onde é possível construir prédios mais altos e beneficia proprietários de imóveis tombados. Ao mesmo tempo, mantém a proposta da prefeitura que pode aumentar o número de vagas de garagens no entorno de corredores de ônibus e estações de metrô, segundo a análise de especialistas, que foi alvo de críticas.

Vista da região da avenida Paulista, perto da rua da Consolação, na região central de São Paulo - Eduardo Knapp - 17.jan.2022/ Folhapress

Novos limites de altura para os edifícios em algumas áreas poderiam ser revistas "a qualquer momento" pela prefeitura, segundo a proposta. Essa revisão seria feita no entorno de corredores de ônibus e estações de metrô, os chamados EETUs (Eixos de Estruturação da Transformação Urbana).

Hoje, a construção de prédios mais altos é permitida em faixas fixas de 150 metros para cada lado de corredores de ônibus e um raio de 600 metros ao redor das estações de metrô.

O projeto propõe que a prefeitura possa expandir essa área para até um quilômetro no entorno de estações de metrô, trem, monotrilho, VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e VLP (Veículo Leve sobre Pneus). No entorno dos corredores de ônibus, a faixa da verticalização pode crescer de 150 metros para 225 metros em cada lado. A prefeitura deve apresentar estudos para cada área onde quiser fazer essa expansão, que deve ser aprovada caso a caso.

O projeto também prevê que proprietários de imóveis tombados renovem seu direito de vender o potencial construtivo a que tem direito. Hoje, a legislação permite que essa negociação seja feita apenas uma vez: sempre que o potencial construtivo de um imóvel não é aproveitado, o proprietário pode vender esse direito para que sejam feitas construções em outras áreas da cidade. Agora, os vereadores propõem que, a cada dez anos, o proprietário do imóvel tombado possa vender novamente 70% do valor do potencial construtivo transferível.

Na avaliação do pesquisador Fernando Túlio, professor de urbanismo social do Insper, a minuta prevê mais verticalização da malha urbana em áreas já consolidadas. "Em vez de ampliar a terra urbanizada, levando infraestrutura para regiões periféricas, a minuta amplia a concentração da indústria imobiliária em locais já saturados", afirma.

Outro ponto que gerou controvérsia entre urbanistas é a criação das Zonas de Concessão, que não existem hoje na legislação. Segundo Fernando Túlio, na prática as concessionárias não precisariam apresentar projetos urbanísticos ou contar com a participação da sociedade no uso do solo dessas áreas. "É como se a concessionária do Ibirapuera levantasse alguns prédios para tornar a zona mais rentável, sem apresentar projeto ou consultar a população", exemplifica o professor.

Verticalização

A brecha que pode aumentar a verticalização foi um dos pontos mais criticados na audiência pública que discutiu o novo texto na noite desta terça (23) na Câmara. Representantes de diversas associações de bairro e urbanistas consideram que as mudanças desfiguram o Plano Diretor.

"Isso não é o que apareceu nas audiências, isso não é o que a população está dizendo, vocês não estão nos ouvindo", disse Laurita Salles, do Movimento Pró-Pinheiros. Ela acabou tendo a fala interrompida por uma campainha, acionada pelo presidente da comissão, vereador Rubinho Nunes (União Brasil), por exercer o tempo de fala, e não concluiu.

Um cálculo preliminar do professor Daniel Montandon, diretor da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da Uninove, prevê que a nova regra deve aumentar em ao menos 150% o território que pode ser adensado.

"Está descaracterizando o adensamento demográfico pretendido pelo Plano Diretor", afirmou Montandon na audiência. "A proposta do Executivo de fato fazia mudanças pontuais, a proposta que está sendo trazida agora muda significativamente o Plano."

PRAZO CURTO

O tempo inicial cogitado para a discussão do substitutivo, de dois dias, foi criticado pela oposição na Câmara Municipal e por especialistas. Como o tema é complexo, eles pediam mais tempo para avaliar a proposta.

"O mais grave é fazer uma modificação dessas e querer votar sem ninguém ter lido o texto", reclamou o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, que foi relator dos últimos dois planos diretores da cidade.

O vereador Celso Giannazi (PSOL) disse que as audiências públicas sobre o tema foram esvaziadas e não há discussão real sobre as mudanças. Além disso, afirmou que as reivindicações da população raramente são transformadas em propostas de mudança no projeto.

"O prefeito Ricardo Nunes ligou o botão de comando com o presidente [da Câmara] Milton Leite para acelerar o processo de encaminhamento da revisão desse Plano Diretor Estratégico", disse Giannazi.

"Pouquíssimas pessoas conseguem participar, dado o horário e os dias em que são marcadas essas audiências, e elas são condensadas em um tempo muito curto para ouvir a demanda da população, que são muitas. Não há tempo hábil para implementar, para ter um estudo técnico e acomodar as demandas nas emendas ao projeto que vai ser apresentado."

O relator do projeto, Rodrigo Goulart, discorda. Ele afirmou que todas as alterações feitas no projeto saíram das discussões nas audiências públicas. Acrescentou, ainda, que a legislação torna mais moderna a principal lei urbanística da cidade.

Ele destacou, entre outros pontos, a obrigação para que se fiscalize o destino da moradia popular na cidade. A Folha já mostrou que unidades de HIS (Habitação de Interesse Popular) e HMP (Habitação de Moradia Popular) acabam destinadas a proprietários que não se encaixam nos critérios de programas habitacionais.

A gestão Nunes já havia proposto que a condição de HIS ou HMP, com a obrigação de destinar o imóvel para o perfil correto de renda, ficará gravada na matrícula do imóvel. É com base nesse mecanismo que a prefeitura poderá fiscalizar e aplicar punições a empreendedores que não cumprirem a regra.

Goulart disse que os vereadores melhoraram esse mecanismo. Instituições financeiras vão fiscalizar o perfil de renda dos proprietários e passar essas informações para as empreiteiras, e a prefeitura poderá consultar esses dados a qualquer momento, segundo o relator.

Ele também afirmou que o processo de discussão não está sendo feita de maneira atropelada. Foram feitas 46 audiências públicas desde a apresentação do projeto pela prefeitura, em março. Uma nova audiência será feita na noite desta terça. Outras duas estão previstas entre as votações em primeiro e segundo turno.

"Estamos dando um prazo de 48 horas do conhecimento do texto até a votação em primeiro turno, e após essa etapa teremos audiências públicas devolutivas, em que vamos apresentar o projeto para todos", disse Goulart sobre o prazo inicial, depois alterado. "Há publicidade e há transparência."

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