Para conter alagamentos, SC fecha a maior barragem do estado após confronto entre PMs e indígenas

Comportas ficam em território do povo xokleng; lideranças afirmam que governo não cumpriu contrapartida proposta para minimizar impacto do alagamento

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Rio de Janeiro

Ao menos dois indígenas foram feridos na manhã deste domingo (8) durante confronto com policiais militares na Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ Xokleng, no vale do Itajaí, em Santa Catarina.

Eles tentavam evitar o fechamento da barragem de José Boiteux, que fica dentro da terra indígena, determinada pelo governador Jorginho Mello (PL) para conter as enchentes causadas pelas chuvas que assolam o estado. A obstrução das águas gera risco de inundação na terra indígena.

Chuvas causam enchentes nas ruas da cidade de Tubarão, no sul de Santa Catarina - CBMSC/Divulgação

O fechamento da barragem, desativada há uma década, foi acordado com o povo xokleng no sábado (7) e executado após autorização da Justiça Federal para ingresso no local. No entanto, os indígenas afirmam que as contrapartidas prometidas pelo governo e que fazem parte da decisão judicial não foram cumpridas.

O governo catarinense afirmou, em nota, que está cumprindo com todos os pedidos feitos pela comunidade indígena. Disse também que a reação foi provocada por um "pequeno grupo". Mello confirmou no início da tarde deste domingo o fechamento da segunda e última comporta.

De acordo com a Justiça Federal, foi determinado durante audiência neste domingo que o estado deve elaborar "em dez dias um cronograma para cumprimento das condições estabelecidas" e um laudo até segunda-feira (9) para avaliar as consequências do fechamento das comportas para a terra indígena.

A barragem fechada ajuda represar parte da água do rio Itajaí-Açu, minimizando assim os alagamentos em Blumenau, principal cidade da região, que já decretou estado de emergência em razão das chuvas.

Mas a medida pode causar a inundação da terra indígena e deixar as pessoas que vivem lá ilhadas. O governo estadual havia prometido a disponibilização de botes, cestas básicas e outras medidas de segurança para proteger os indígenas em caso de alagamento na região.

O juiz federal Vitor Hugo Anderle também determinou sete providências a serem tomadas pelo governo catarinense para o fechamento da barragem. Entre elas está a desobstrução e melhoria das estradas e construção de novas casas para as famílias afetadas pela retomada da operação da barragem

Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, as medidas acordadas com os indígenas e previstas na decisão judicial não foram cumpridas.

"Essas contrapartidas não foram cumpridas o que deixaria a terra indígena completamente desassistida, representando um risco de vida para o povo xokleng, o que motivou os protestos que foram reprimidos pela polícia do estado, deixando dois indígenas feridos, de acordo com informações do sistema de saúde da região", diz o governo federal.

O Ministério dos Povos Indígenas informou ainda que acionou a Polícia Federal e a Funai para acompanhar a situação do povo xokleng. A pasta disse ainda que representantes da AGU (Advocacia Geral da União) estavam a caminho da região.

Um dos indígenas feridos no confronto foi atingido por uma bala de borracha no rosto, acima do olho esquerdo. Já o segundo ferido foi baleado com um tiro de arma de fogo. Eles foram levados para o Hospital Doutor Waldomiro Colautti, em Ibirama, e ainda não há informação do estado de saúde dos dois.

Lideranças indígenas afirmam que outros três xokleng foram feridos no confronto. O ministério afirmou que acompanha o caso. Procurada, a Polícia Militar disse que o confronto foi pontual.

Após o confronto na terra indígena, o cacique Setembrino Camlem se disse cansado de negociar com o governo já que o que foi acertado nas negociações não foi realizado.

"A partir de hoje a gente não vai assumir mais compromisso com a Defesa Civil. Se eles quiserem levar a cesta básica de novo, levem. Eles querem matar os índios, querem que morram tudo de uma vez", disse o cacique.

Em nota, o CIMI (Conselho Indígena Missionário) repudiou o confronto na terra indígena e a forma com que o estado está tratando da questão.

"A Barragem Norte foi construída durante o governo militar sobre a terra xokleng com o intuito de diminuir as enchentes do rio Itajaí. Como ainda não foi construído o canal extravasor, com as comportas fechadas, a água poderá verter sobre a taipa da Barragem Norte, o que colocará em risco a sua própria estrutura", disse o conselho em nota.

O CIMI ainda questiona se o estado de Santa Catarina possui laudo técnico que atesta a segurança da operação de fechamento das comportas.

O governo diz que atendeu a todos os pedidos acordados com a comunidade indígena.

" Foram fornecidas 967 cestas básicas para a comunidade, cada uma delas dá em média alimentação para quatro pessoas durante sete dias. Também foram garantidos 969 fardos de água, o que dura em média cerca de seis a sete dias cada. A entrega desses itens humanitários ainda está em andamento, devido ao acesso prejudicado com as chuvas", disse o governo, em nota.

De acordo com a Polícia Militar de Santa Catarina, a reação partiu de um "pequeno grupo".

"Nós temos imagens que mostram o nosso efetivo chegando no local, conversando com o cacique e uma oficial de justiça lendo o documento. Até então uma desocupação sendo feita pacificamente. Só que mais ao final da operação fica um pequeno grupo concentrado na casa de máquinas, onde os policiais precisavam entrar para fazer reparos", afirmou o comandante-geral da PM-SC, Aurélio Pelozato.

"Eles tentaram tirar as armas dos policiais, tanto que o comandante da operação no local entrou em contato com o cacique para esclarecer essa situação. Dois indígenas identificaram esse homem que atacou os policiais e disse que chamaria a atenção dele, por descumprir o que foi negociado", disse Pelozato.

Desde o início da semana, Santa Catarina enfrenta fortes chuvas. São ao menos 120 cidades afetadas pelas cheias, sendo que 54 decretaram estado de emergência.

Devido a situação, Jorginho Mello afirmou que era necessário fechar a barragem de José Boiteux e de Ituporanga, também no vale do Itajaí.

"Temos ali [em José Boiteux] uma questão indígena que vai ser avaliada e atendida, mas a barragem precisa ser fechada neste momento para que tenhamos mais uma alternativa para contenção da água", disse Mello em entrevista à imprensa na noite de sábado.

Chuvas causam duas mortes no estado

Desde o início da semana, a Defesa Civil de Santa Catarina registrou duas mortes em decorrência dos temporais. Uma em Palmeira, na serra de Santa Catarina, e outra na cidade de Rio do Oeste.

Os municípios mais prejudicados estão localizados nas regiões do vale do Itajaí, Planalto Norte, Oeste e em áreas de divisa com o Rio Grande do Sul.

A pasta afirmou que, pelo volume acumulado de chuva no fim de semana, há registros de rios com enxurradas e inundações em Santa Catarina. Na madrugada de domingo, houve alerta para inundação do rio Uruguai, podendo atingir de 12 a 13 metros do município de Itapiranga, no extremo oeste Catarinense.

Outros municípios afetados pela cheia do rio Uruguai são Barra do Guarita, Iraí e Porto Mauá, que estão recebendo maior aporte de águas tanto do rio como dos demais afluentes do estado.

Houve também alerta para inundações na Bacia do Rio do Peixe no Meio-Oeste, Bacia do Rio Negro no Planalto Norte, Bacia do Rio Itajaí, Cubatão na Grande Florianópolis, todas as bacias do Litoral Sul e áreas do Planalto Sul.

O estado informou que há uma força tarefa acompanhando as ocorrências das chuvas, com o Exército e o Corpo de Bombeiros prontos para atuar no resgate de vítimas. Em razão dos deslizamentos de terra e alagamentos, dezenas de estradas estão interditadas.

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