Descrição de chapéu Rio de Janeiro Folhajus Rio

'Falaram que eu era mais um marginal', diz jovem solto após ser preso por reconhecimento fotográfico

Carlos Guimarães, 25, foi condenado injustamente; Polícia Civil diz não recomendar método como única prova de inquérito

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Rio de Janeiro

Carlos Vitor Teixeira Guimarães, 25, tem planos para o último final de semana de julho. "Sábado tem almoço na casa da vovó, domingo um almoço na casa da outra vovó", afirma o morador de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro.

A família vai aproveitar os encontros para celebrar o aniversário de Guimarães, no último dia 13. Ele ainda estava preso quando completou 25 anos. Foi condenado por um assalto a um caminhão, crime que nunca cometeu, segundo entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que determinou sua soltura na última segunda (22).

O trancista e estudante de enfermagem saiu da prisão na quinta-feira (25), um ano e cinco meses depois.

"Eu pensava que ia sair como a Justiça me colocou: como marginal. Já imaginava que sairia no Dia dos Pais, ficaria sete dias e teria que voltar à prisão. Foi uma surpresa grande quando descobri minha absolvição. Parece que estou em um sonho, não acordei", diz.

Homem negro com uniforme branco de profissional da saúde
Carlos Vitor Teixeira fazia estágio de enfermagem na época em que foi preso - Arquivo pessoal

Na denúncia, a Promotoria do Rio de Janeiro afirmou que Guimarães foi o responsável por um roubo na rodovia BR-101, em São Gonçalo. A vítima, um motorista de caminhão, afirmou que o suspeito, com uma pistola, o obrigou a dirigir até uma garagem onde havia um grupo armado. Lá, um deles atirou e o obrigou a descarregar a mercadoria. Depois foi obrigado a voltar de ré para a rodovia e acabou resgatado por policiais da PRF (Polícia Rodoviária Federal), que trocaram tiros com os suspeitos.

Na delegacia, o motorista disse que foi abordado por um homem negro, de cabelo afro e aparelho nos dentes. O documento da Promotoria sustenta que o motorista "foi até a delegacia e reconheceu o réu por fotos. Que foram mostrados dois álbuns fotográficos, com muitas fotos. Que [a vítima] não teve dúvidas no reconhecimento fotográfico".

Procurada pela reportagem, a Polícia Civil afirmou, em nota, que "o caso aconteceu em gestão anterior e que o processo criminal seguiu o trâmite processual previsto em lei, sendo submetidos aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa".

"A Polícia Civil não orienta a utilização, de forma exclusiva, do reconhecimento indireto por fotografia como única prova em inquéritos policiais ou para pedidos de prisão de suspeitos. O reconhecimento por fotografias, método aceito por lei, é um instrumento importante para o início de uma investigação", acrescentou a corporação.

Em 2023, uma lei estadual instituiu que a Polícia Civil não pode fazer pedidos de prisão baseados apenas em reconhecimento fotográfico. A legislação prevê etapas para confirmar a identificação de suspeitos, e a inclusão de uma fotografia para reconhecimento deve sempre ser embasada em outros indícios.

Homem de camisa florida, com uma flor na mão. Ele é negro, tem cabelo black power e usa bermuda jeans
Carlos Vitor Teixeira Guimarães foi solto após 1 ano e 5 meses preso - Arquivo pessoal

No interrogatório em 2021, Guimarães explicou como sua foto pode ter ido parar na delegacia. Ele foi assaltado com amigas durante uma parada LGBT em São Gonçalo, em 2018. Os assaltantes levaram relógio e carteira com documentos, mas ele não chegou a registrar a ocorrência. Dias depois, policiais começaram a procurá-lo em casa e no colégio onde estudava.

"Ao chegar na delegacia, foi acusado de ter trocado tiros com um policial e entrou em desespero", diz o processo. "As meninas foram à delegacia e foram informadas que foi um equívoco do policial, pois na verdade ele era a vítima de um assalto."

Após o reconhecimento fotográfico, Guimarães foi preso em fevereiro de 2023 por roubo com emprego de arma de fogo. Ele foi condenado a uma pena de seis anos e cinco meses.

"O momento mais difícil foi a chegada na prisão. O constrangimento maior de sair da porta de casa quando a Civil veio me prender. Me filmaram, colocaram em grupos o meu rosto. Antes de entrar na viatura vi pessoas comentando que eu era mais um marginal preso. Me senti muito mal", afirma.

"Em Benfica [cadeia pública do Rio] passei fome, frio, passei sede. A cela LGBT não tinha suporte. A gente dormia em chapa de ferro." Procurada, a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) não respondeu.

Guimarães conta que a prisão ficou menos sofrida quando ele foi transferido e passou a receber visitas da família.

Na última segunda, o STJ acatou pedido da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e decidiu pela liberdade de Guimarães e sua absolvição sumária. O desembargador Otávio de Almeida Toledo afirmou na decisão que "o reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia" deve ser visto como "etapa antecedente" e "não pode servir como prova em ação penal".

Na chegada ao bairro do Colubandê, em São Gonçalo, na noite de quinta, o jovem foi recebido com fogos e comemoração da família.

"Antes disso tudo acontecer eu estava cursando estágio de enfermagem e trabalhava como trancista. Planejo retomar minha vida, me aprofundar em cursos, correr atrás do meu futuro."

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