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Ex-detentos se juntam em São Paulo para lançar rede internacional de educação

Iniciativa quer ampliar acesso de egressos a ensino e trabalho contra políticas de encarceramento em massa

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São Paulo

Entre indas e vindas, Eder Henrique da Silva passou 10 dos seus 36 anos preso. A perda precoce de um irmão de sete anos fez o então pré-adolescente abandonar os estudos, compensar o luto com drogas e acabar com passagens na Fundação Casa e em diferentes presídios de São Paulo, ora por roubo de cargas, ora por receptação.

"Parece que foi outra pessoa, só lembro quando tenho que contar." Há oito anos fora do sistema, ele é pintor no setor na construção civil e aluno do quarto período de engenharia de software em uma universidade privada em São Paulo.

Um grupo de pessoas se reúne em um espaço ao ar livre, cercado por estruturas de concreto parcialmente cobertas por vegetação. Algumas pessoas estão em pé, enquanto outras estão sentadas. O ambiente parece ser um local de encontro ou evento, com árvores ao fundo e grafites nas paredes de concreto.
Egressos que concluíram ou cursam o ensino superior lançam em São Paulo rede internacional de educação para ex-detentos - Zanone Fraissat/Folhapress

O interesse pela área começou com o gosto por jogos como Age of Empires, e amadureceu como a vontade de criar soluções na área de tecnologia. Marido e pai de quatro filhos, Eder quer estudar inglês.

O universitário faz parte de um grupo quase irrisório no universo prisional do Brasil. Das 844.388 pessoas presas no país (em celas físicas ou em domicílio) em dezembro de 2023, apenas 2.897 estavam cursando o ensino superior —o equivalente a 0,34% do total. Os dados são da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais).

Eder e colegas do Brasil e de outros 12 países vão se encontrar na tarde deste sábado (31) no Museu do Futebol, no Pacaembu, para o lançamento da Rede Global de Acadêmicos da Liberdade (Global Freedom Scholars Network, em inglês).

Além de divulgar a bandeira do acesso de egressos à educação, o evento também vai ser a ocasião de lançamento de uma plataforma para alunos que passaram pela prisão para a troca de informações sobre oportunidades de estudo e emprego.

A iniciativa é da Incarceration Nations Network, fundada e dirigida por Baz Dreisinger, professora na Escola John Jay de Justiça Criminal da Universidade da Cidade de Nova York.

Quebrar o ciclo de violência e aprisionamento com educação já é uma evidência consolidada. "Nem é uma questão mais. Não precisamos de mais estudos para provar isso. É a realidade."

Dreisinger, que fundou em 2011 um programa para oferecer bolsas a presidiários e egressos do sistema, afirmou que este tipo de ajuda é, muitas vezes, a primeira oportunidade de educação para parte da população.

É o que diz Cristiano de Oliveira, 47, que começou a estudar história ainda na condicional, em 2019, e atualmente ajuda a divulgar oportunidades do Instituto Nova Rota, um dos parceiros da futura rede, para egressos no Rio de Janeiro. "Essa ideia de ressocializar é polêmica, porque o Estado nunca socializou uma classe que é vulnerabilizada. Quando usa o equipamento da cadeia para isso, a violação acontece novamente."

Patricia Vergilio, 42, diz que sua vida mudou depois de conhecer essas possibilidades. Ela saiu da prisão em outubro de 2019 após cumprir quatro anos por tráfico de drogas e com uma pena de multa de R$ 47 mil —extinta com a ajuda da Defensoria Pública.

Ao deixar o sistema, no entanto, não conseguiu arrumar trabalho e fez a seleção para um curso técnico de administração de empresas. A primeira surpresa foi ser aprovada na 17ª posição de 45 vagas. Já no fim da formação, veio a segunda: conseguiu uma vaga para trabalhar no instituto.

"Aí caiu a ficha de que essa primeira porta foi aberta para mim. Vi que outras que poderiam ser abertas para outros egressos, mas muitos ainda não conhecem essas oportunidades." Esse desconhecimento, segundo Patricia, que hoje cursa serviço social é uma das barreiras para quem tenta retomar a vida depois de passar pela prisão.

Nesta sexta (29), ela e outros integrantes da futura rede se encontraram na zona norte da capital para uma visita ao Museu Penitenciário Paulista e ao Espaço Memória Carandiru, para uma visita às áreas dos pavilhões demolidos do antigo presídio.

O guia da atividade era Maurício Monteiro, 55, sobrevivente do massacre do Carandiru, que apontou as diferenças entre os dois museus.

O argentino Waldemar Cubilla, 42, sociólogo e diretor de um programa estudos sobre justiça e direitos humanos na Universidade de San Martín vê a situação com otimismo. "Há um movimento aqui para dar nome e rosto às memórias. Isso também é um desafio na Argentina, onde estamos tentando construir espaços como este."

Para a educadora social Dandara Zainabo Diaz, 27, a principal função da rede é quebrar um ciclo. "Os cinco anos da minha vida em um presídio me fizeram entender que ainda vivemos um sistema colonialista, que tem essa função separar".

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