Novos desempregados aumentam número de pessoas em situação de rua no Rio

Eles perderam emprego durante a pandemia e não conseguiram mais pagar o aluguel

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Rio de Janeiro

Thaiane Ferreira, 40, costumava fazer as unhas e o cabelo com frequência. Quando se via estressada, encontrava na gastronomia uma forma de relaxar. Era só entrar na cozinha e preparar um prato que a tensão ia embora. Há três meses, porém, a rotina da cozinheira mudou.

O restaurante em que trabalhava fechou as portas por causa da pandemia, ela não conseguiu mais pagar o aluguel e foi obrigada a dormir debaixo de marquises no centro do Rio.

Casal em situação de rua na região central do Rio
Casal em situação de rua na região central do Rio - Tércio Teixeira/ Folhapress

Em 2020, a cidade do Rio tinha 7.272 pessoas em situação de rua, das quais 752 entraram nesse grupo depois da pandemia. A principal razão é a perda de trabalho (34%) e de moradia (19%). Os números são de um censo da prefeitura feito em 2020. ONGs dizem, porém, que os dados estão subestimados e que o cenário deve ser pior.

Em 2018, a capital fluminense tinha 4.628 pessoas nas ruas, mas não é possível comparar com os números do ano passado, já que a metodologia das pesquisas é diferente.

"Nem todo mundo está aqui por opção. Nem todo mundo rouba. Tem muito ser humano na rua que está esperando só uma mão", diz Thaiane. "Eu só queria um trabalho."

Ela afirma que, além da crise gerada pela pandemia, a busca por emprego ficou difícil porque perdeu os documentos. Na primeira semana nas ruas, segundo ela conta, guardas levaram seus pertences durante uma operação. "Perdi tudo, até carteira de trabalho."


A Guarda Municipal diz que criou em 2013 o Procedimento Operacional Padrão, uma espécie de manual com orientações para auxiliar os agentes nas ações.

"As abordagens seguem ainda diretrizes previstas do Estatuto das Guardas Municipais, de 2014, que determinam que as ações sejam pautadas pela proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e da liberdade pública."

Já a Secretaria de Assistência Social diz que realiza todos os dias abordagem social nas ruas do Rio com equipes que somam cem funcionários. "No ano passado, 24% da população em situação de rua recenseada estava acolhida; este ano, esse percentual subiu para 36,5%", diz em nota a secretaria.

Ricardo Tavares, presidente da ONG Ores, está entre os que consideram subestimados os números da prefeitura. Nas suas contas, há pelo menos 15 mil pessoas na situação de Thaiane.

Com a crise sanitária, ele diz que o perfil desse grupo mudou. "A gente vê hoje trabalhadores, como barbeiros e profissionais da construção civil. Já vi um mestre de obra que trabalhou em grandes empresas, como a Odebrecht", diz.

Segundo a prefeitura, a informação de que haveria 15 mil pessoas nas ruas é de 2017 e foi baseada numa média mensal de atendimentos feitos pela Secretaria de Assistência Social.

"A questão é que a mesma pessoa em situação de rua é atendida mais de uma vez durante o ano. Sem a metodologia do Censo de 2020, então, a mesma pessoa pode ser contada mais do que uma vez", diz a pasta. O primeiro censo sobre essa população foi feito no ano passado. O próximo será realizado em 2022.

Moradores em situação de rua no Arcos da Lapa, região central do Rio
Moradores em situação de rua no Arcos da Lapa, região central do Rio
Tércio Teixeira/ Folhapress
Pessoas em situação de rua estão reunidas debaixo do Arco da Lapa, no Rio de Janeiro

Thaiane conta que nunca tinha ficado desempregada antes. Diz ter entrado na cozinha com 16 anos e não saiu mais. "Trabalhava no meu emprego e ainda tinha outro no final de semana", diz.

Ela afirma que um dos aspectos mais difíceis de estar na rua é a indiferença de quem passa. "As pessoas te olham como se você fosse um bicho. Dão mais atenção a um animal do que a um ser humano", diz. "Saem de perto como se você não fosse gente. Só que ele vive mais isso do que eu."

Thaine se refere ao marido, André Luiz, 34, com quem vive nas ruas. Homem negro, ele lembra que pedestres chegaram a se assustar com sua presença por acharem que era um ladrão. Dados da prefeitura mostram que quase 80% da população em situação de rua é formada por pessoas pretas.

Diante do preconceito, ele diz ter dificuldade para receber ajuda. "Tem dia que tem que beber água para matar a fome, mas tem lugar que nem água dá."

Com o fim do auxílio emergencial, afirma que a situação ficou ainda mais difícil. "Cato latinha, garrafa pet, papelão. O que dá pra fazer a gente está fazendo. A minha fonte de renda vem da reciclagem e da mangueação", diz ele, referindo-se ao ato de pedir dinheiro ou comida.

Secretária de Assistência Social, Laura Carneiro diz que a vulnerabilidade dessas pessoas pode aumentar com o fim do auxílio emergencial, cuja última parcela foi depositada no final de outubro.

Ela diz que a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil também gera apreensão. "A gente tem percebido nos nossos equipamentos centenas e milhares de pessoas desesperadas porque ainda não sabem o que é", afirma.

"Toda vez que a economia vai mal, a área social se ressente, porque faltam empregos, as pessoas não conseguem mais comprar comida e aumenta a fome. A situação econômica é muito grave. A consequência a gente vê nas ruas."

Jovem em situação de rua está deitado debaixo de uma marquise enquanto pedestres passam e olham para ele
Rubéns,25, se encontra em situação de rua, na Av Nossa Senhora de Copacabana - Tércio Teixeira/ Folhapress

Rubens, 25, nasceu em Vila Velha, no Espírito Santo, e decidiu se mudar para o Rio em busca de trabalho. Mesmo com o ensino médio completo, não conseguiu a oportunidade profissional que esperava. Quando o dinheiro acabou, foi despejado e precisou morar nas ruas de Copacabana, onde está há cinco meses.

Para sair das calçadas, diz que precisa de um emprego. "Um trabalho poderia me tirar dessa situação. Eu sei do meu potencial. Eu sou muito esforçado, mas falta oportunidade."

No Espírito Santo, os familiares não sabem que ele está em situação de rua. "Não quero que a minha família saiba. Para mim, passar por isso é vergonhoso. Já tive uma situação muito melhor. Já ajudei várias pessoas", diz ele.

Para se alimentar, Rubens costuma pedir ajuda, algo que nem sempre traz resultados. Por isso, diz que já dormiu diversas vezes com o estômago vazio. "A fome traz dor. Para todo lugar que você olha, você vê escuridão. Você nem mesmo se enxerga. A fome é o escuro. Não tem nada. Só ela."

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