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Questões de ordem: Para ministros, Constituição não proíbe, mas também não autoriza a educação domiciliar

Supremo considerou ilegal opção pelo ensino fora da escola nesta quarta (12)

Marcelo Coelho
São Paulo

Pode uma família deixar de colocar os filhos na escola, encarregando-se sozinha de sua educação? O "homeschooling", ou ensino domiciliar, contava com a simpatia do ministro Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal.

Na semana passada, ele deu o primeiro voto num recurso apresentado por uma família de Canela (RS), que tentara educar as crianças em casa, e enfrentava as reações da secretaria da Educação do município.

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Estudante em escola no Maranhão - Avener Prado - 08.ago.2018/Folhapress

O desejo era dispensá-las de assistir às aulas, mas com o compromisso de que fizessem todas as provas e avaliações. Um dos argumentos da família era que, como na classe há alunos de idades diversas, temas como educação sexual acabavam sendo abordados antes da hora. O ensino de Darwin também seria prejudicial.

A questão era saber se a Constituição Federal proíbe o ensino domiciliar. Não proíbe, concordaram vários ministros, na sessão desta quarta-feira (12). Mas será que "não proibir" é a mesma coisa do que "autorizar"?

Aí começaram as divergências. Luís Roberto Barroso lembrou que o ensino domiciliar funciona em vários países. Certamente, disse Barroso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação afirma, no seu artigo 6,º que "é dever" dos pais ou responsáveis realizar a matrícula dos filhos na escola, a partir dos quatro anos de idade.

Sim. Mas é uma lei que explicitamente se volta para "disciplinar a educação escolar, que se desenvolve em instituições próprias" (artigo 1º). Ou seja, regulamenta aquilo que deve funcionar DENTRO das escolas —mas nem por isso se pode deduzir que exista proibição para o ensino FORA da escola.

Claro que o "homeschooling" teria de se submeter a regras —e, em seu voto, Barroso sugeriu algumas.

Só que isso seria invadir a área do Legislativo, discordou o ministro Alexandre de Moraes. Todo ensino, público ou privado, segue normas previstas em lei. Ninguém pode abrir uma escola privada para ensinar o que bem entende, do jeito que quiser.

Uma "escola privada individual", como seria o caso do "homeschooling", também precisaria de regras próprias. Como avaliar se a família está, de fato, cumprindo as exigências curriculares? E a educação não se limita a isso. Trata-se de educar para a diferença, para a cidadania, para o respeito às diversas culturas.

A fiscalização disso tem de ser regulada pelo Congresso, disse Alexandre de Moraes. Para ele, o "homeschooling" é uma possibilidade, que a Constituição não veta. Mas não se trata de um "direito líquido e certo", que possa ser garantido a uma família desde já. 

Luiz Roberto Fachin fortaleceu a tese. Não se trata de defender apenas o direito dos pais, mas também o direito das crianças. Elas também são "sujeitos", e não "objetos" da vontade dos pais.

Além disso, se a Lei de Diretrizes e Bases exige a matrícula nas escolas, deve ser cumprida. Só poderíamos desprezá-la se fosse uma lei abertamente inconstitucional —e esse não era o caso.
Fachin deu o prazo de um ano para que o Congresso regulamente a matéria.

A opinião de Luiz Fux era mais radical. O ensino domiciliar fere a própria Constituição, abrindo espaço para eventual tirania dos pais e contribuindo para "encastelar a elite" num ambiente avesso às diferenças. Até o "bullying" pode ter um lado positivo, exagerou o ministro.

Para Rosa Weber, a Constituição, disse a ministra, é literal. No artigo 208, estabelece que é dever do Estado "zelar, junto aos pais e responsáveis, pela frequência à escola". Como seria possível abolir essa obrigação? 

Para Ricardo Lewandowski, as deficiências do ensino público não justificariam um sistema como o "homeschooling", que segue uma postura individualista e "ultraliberal". 

Este incentivaria o isolamento em "bolhas" ideológicas e a fragmentação social. Uma família, por exemplo, não tem o "direito" de negar aos filhos o ensino do evolucionismo... ou sua oportunidade de conviver com as diferenças.

Habitualmente avesso às inovações de Barroso, tendentes ao "ativismo judiciário", Gilmar Mendes foi na mesma linha. O Estado não deve ser apenas um "avaliador do desempenho escolar". A escola é um espaço de sociabilidade, de inserção na esfera pública. 

A maioria já estava constituída, com nuances diversas: ensino domiciliar, ao menos por enquanto, não existirá.

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