Relator no Supremo vota pela legalidade do ensino domiciliar, fora da escola

Ministros começam a julgar recurso que terá impacto em casos de todo o país

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Família optou pela educação domiciliar no lugar da educação escolar convencional
Família optou pela educação domiciliar no lugar da educação escolar convencional - Carlos Cecconello - 4.jul.12/Folhapress
Brasília

O STF (Supremo Tribunal Federal) começou a julgar nesta quinta-feira (6) se a opção pelo ensino domiciliar, dado em casa, pode ser considerada um meio lícito para que pais garantam aos filhos o acesso à educação.

O relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela constitucionalidade do ensino domiciliar, conhecido como “homeschooling”, desde que submetido a regulamentação, com acompanhamento por órgãos oficiais e avaliações periódicas da criança.

A sessão foi interrompida por volta das 17h50 devido ao horário e deverá ser retomada na próxima quarta-feira (12) para os votos dos dez ministros restantes.

“Não há, a meu ver, norma constitucional específica sobre o tema. A Constituição só trata do ensino oficial, o que dá margem a duas leituras diversas”, considerou Barroso em seu voto. A primeira leitura, segundo ele, é que, ao não tratar do assunto, a Constituição o proíbe. A segunda, no sentido contrário, é que, por não o proibir, a Constituição o autoriza.

Barroso adotou a segunda leitura e afirmou que deve haver espaço para os pais decidirem. “Nenhum pai faz essa opção por preguiça, pois ela é muito mais trabalhosa. E o ‘homeschooling’ não se confunde com o ‘unschooling’, que é a não educação formal”, observou.

O ministro fixou condições para que o ensino em casa seja considerado legal, até que o Congresso eventualmente aprove um projeto de lei com regulamentação própria.

Conforme sua proposta, 1) os pais devem notificar as secretarias municipais de Educação, que manterão um cadastro das crianças que estudam em casa; 2) elas devem ser submetidas às mesmas avaliações a que se submetem os alunos de escolas públicas ou privadas; 3) as secretarias de Educação devem compartilhar as informações do cadastro com órgãos como Ministério Público e Conselho Tutelar; e 4) em caso de comprovada deficiência na formação, os órgãos devem notificar os pais, para, se não houver melhora, determinar a matrícula na rede regular de ensino.

A discussão no STF teve origem em uma ação que opôs o município de Canela, no Rio Grande do Sul, a pais que queriam educar a filha em casa.

A família acionou a Justiça após a Secretaria de Educação do município negar um pedido para que a menina, com 11 anos à época, tivesse aulas em casa. A recomendação foi que ela estivesse matriculada na rede regular de ensino.

Decisões da comarca de Canela e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foram contrárias ao ensino domiciliar, o que levou os pais a recorrerem ao Supremo em 2015. A corte reconheceu a repercussão geral do caso, o que significa que o resultado do julgamento valerá para processos semelhantes em todo o país.

Desde novembro de 2016, todas as ações judiciais sobre educação domiciliar no país estão suspensas por determinação de Barroso aguardando o desfecho desse recurso.

Favorável ao modelo, a Aned (Associação Nacional de Ensino Domiciliar) calcula que existam cerca de 60 processos sobre o tema em tribunais do país.

Uma estimativa da entidade feita com base em associados e processos aponta que cerca de 7.500 famílias adotam atualmente o modelo de ensino em casa. Em 2011, esse número era de 360, informou. O tema, porém, gera polêmica e divide educadores.

O artigo 6º da lei de diretrizes e bases, que regula a educação, afirma que “é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos quatro anos de idade”.
Já o artigo 205 da Constituição aponta que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”.

Na outra ponta, os pais da menina sustentaram no recurso que restringir a educação à instrução formal nas escolas equivale a ignorar as formas variadas de aprendizado, “além de significar uma afronta a um considerável número de garantias constitucionais”.

“Não somos anti-escola nem queremos o fim da escola. Queremos o direito da família”, diz Ricardo Dias, presidente da Aned, adepto do chamado “homeschooling” junto aos dois filhos há oito anos.

Segundo ele, entre os motivos que levam pais a aderirem ao ensino domiciliar estão a insatisfação com o ambiente escolar, devido a casos de bullying e a pressões sociais "inadequadas", e a busca por educação personalizada e adaptada ao ritmo de aprendizado da criança.

Muitas queixas de famílias que nos procuram é que muitas vezes seus filhos são obrigados a transgredir por outros colegas. E quando buscam ajuda a primeira coisa que os diretores defendem é a reputação da escola, depois a integridade física e moral das crianças", disse.

Uma série de estados ingressou no processo como amici curiae (amigos da corte, em latim), e opinaram pela ilegalidade do ensino em casa. Em manifestação à corte, a PGR (Procuradoria-Geral da República) também pediu que o recurso da família de Canela seja negado.

O vice-procurador-geral, Luciano Mariz Maia, afirmou que em nossa sociedade a educação deve ser compartilhada entre a família e a escola.

“O processo de educação é um processo de partilha de valores, mas, especialmente, de fazer com que nós desenvolvamos a nossa própria personalidade, nos reconheçamos como pessoa, e precisamos desse processo de socialização. Ninguém se reconhece pessoa sozinho”, disse Maia.

Barroso disse reconhecer a importância da escola na socialização, mas sustentou que crianças que estudam em casa não vivem apartadas do mundo —podem socializar no clube ou na igreja, por exemplo.

Além disso, segundo ele, pesquisas empíricas feitas em países onde a prática é comum não detectaram deficiência na formação delas.

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