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Simulado 2018

Mudança na Fuvest prejudica aluno de rede particular, mas faz sentido

Turmas heterogêneas, com pobres e ricos, tendem a ter melhor aproveitamento acadêmico

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São Paulo

Que dureza está a vida de quem enfrenta a reta final de preparação para o vestibular da Fuvest.

Não bastasse a grande competitividade histórica pelas vagas na USP (Universidade de São Paulo), neste ano nem é mais possível saber com precisão a nota a ser obtida para avançar à segunda fase.

Haverá aumento no número de estudantes a serem classificados para a etapa final. Antes passavam até três candidatos por vaga, agora são quatro.

Estudantes do cursinho Etapa acompanham divulgação da lista da Fuvest
Estudantes do cursinho Etapa acompanham divulgação da lista da Fuvest - Alberto Rocha/Folhapress

Isso pode diminuir as notas de corte. Mas, por outro lado, os candidatos foram separados em três grupos —cada um com nota mínima para chegar à segunda etapa.

Ou seja, nem a previsibilidade da nota para avançar de fase, um dos poucos reconfortos que os vestibulandos contavam, está mais presente.

Tendem a ser beneficiados agora os que estudaram em escola pública (um dos grupos). E os que, além de terem cursado esse sistema de ensino, são pretos, pardos e indígenas (outro grupo).

Historicamente, candidatos com esses perfis têm notas menores no vestibular. Eles passam a disputar apenas entre si, reduzindo a dificuldade para avançar na seleção.

No ambiente competitivo que é o vestibular, se alguém ganha, outro perde, já que as vagas são limitadas.
Então, certamente a vida ficou mais difícil para quem estudou em escola particular, o terceiro grupo.

Esses estudantes possuem desempenho mais alto do que os demais nas provas e vão concorrer entre si.
O caminho deles não ficará mais difícil apenas por causa da nota de corte. A USP decidiu destinar neste ano 40% das vagas para os outros dois grupos, em todos os cursos.

Esse percentual flutuava na casa dos 35% em anos anteriores. E poderia ser bem menor em cursos disputados, como medicina e engenharia.

Agora, na prática, haverá menos vagas disponíveis para quem se formou em escola particular para privilegiar alunos mais pobres, os cotistas.

As mudanças podem soar bem injustas. Parece um ataque frontal ao conceito de meritocracia, segundo o qual entra na universidade quem vai melhor numa seleção objetiva, que é a nota numa prova.

A alteração, entretanto, faz sentido à luz da experiência acadêmica nacional e internacional.

Turmas heterogêneas tendem a ter melhor aproveitamento acadêmico. E pesquisas mostram que os beneficiados por cotas podem, ao final do curso superior, ter notas até melhores que as dos demais.

Não à toa, as principais universidades americanas, como Harvard e Columbia, formam suas turmas de calouros com uma mistura de estudantes ricos, pobres, brancos, negros, asiáticos, latinos, locais, estrangeiros, atletas ou que participem de projetos sociais.

A troca de experiências entre os alunos é vista como fundamental para o desenvolvimento do estudante, tanto quanto o conteúdo a ser aprendido.

Para chegar a essa composição heterogênea de turmas, o processo seletivo não se baseia só em uma prova.

Como aqui, se o critério se baseasse apenas num exame, basicamente entrariam estudantes de classe alta, que frequentaram bons colégios.

Nos EUA, o calouro passa também por entrevistas e precisa de cartas de recomendação, o que dá mais subsídios para as universidades encontrarem os melhores estudantes —que não se resumem aos que têm nota mais alta.

Essa lógica funciona há décadas no sistema que possui as melhores universidades do mundo, segundo rankings internacionais. Mas vive sob contínua contestação.

Estudantes brancos reclamam na Justiça que perdem vagas injustamente para negros. Asiáticos também exigem, judicialmente, que tenham mais postos em Harvard, por possuírem melhor desempenho acadêmico.

A universidade segue com sua metodologia, alegando justamente a necessidade de manter a heterogeneidade das turmas.

As evidências científicas existentes até agora dão base para esse entendimento. Um dos marcos nessa discussão foi o livro americano “The Shape of the River” (A Forma do Rio), escrito por ex-presidentes (reitores) de Harvard e de Princeton.

Eles analisaram o desempenho de 45 mil estudantes, de 28 das universidades mais concorridas dos Estados Unidos. A conclusão foi que os alunos com notas mais baixas que entraram nos cursos, mas com potencial em outras habilidades, acabaram a graduação (college) iguais ou até à frente dos que ingressaram com notas altas.

Conclusão semelhante teve a Unicamp na década passada, quando analisou os ingressantes em seus vestibulares.

E a Folha publicou ano passado levantamento que avaliou a nota de 252 mil universitários. Os cotistas nas universidades federais tinham nota igual ou melhor ao se formar em quase todas as carreiras universitárias. A exceção era a área de exatas.

Uma explicação para esse bom desempenho dos cotistas é que o estudante do ensino médio público valoriza mais a vaga na elite do ensino superior. Imagina entrar numa universidade federal após ter feito um ensino médio com falta de professores?

Para ter esse resultado, o estudante, obviamente, não pode ter uma nota muito baixa no exame de entrada. Encontrar o ajuste é um desafio.

Mas se a USP mantivesse seleção uniforme a todos os estudantes com base numa prova, tenderia a seguir desclassificando os potenciais bons estudantes mais pobres. A política de bônus para alunos de colégios públicos, aplicada até então, foi insuficiente para colocar para dentro da universidade a quantidade desejada de talentos dessa rede.

Se por um lado as alterações na Fuvest prejudicam estudantes de colégios particulares com boas notas, elas fazem sentido do ponto de vista de política pública.

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