Quase pai de santo, professor desafia fórmulas antigas para ensinar redação a estudantes

Método de Adriano Chan, 40, virou referência depois que alunos tiveram nota máxima na Fuvest

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São Paulo

Logo na primeira aula, ele se vira para os alunos e dispara: “Nasci cagado: ‘viado’, judeu e vou virar pai de santo no candomblé”. Ao longo do curso, usa um pé de chinelo Havaianas vermelho e um chicote para “punir”, brincando, quem se distrai ou deixa de fazer as tarefas. Diante de respostas sem noção da turma, vai até a porta da sala e faz piada com a secretária: “Edna, por favor, traz meu pote de maconha!”

Ator e diretor de teatro, Adriano Chan, 40, está se tornando uma referência no ensino de redação para vestibulandos. Em 2017, 82% de seus alunos foram aprovados no Enem e em vestibulares como Unicamp, Vunesp e Fuvest, sendo que, neste último, das 13 notas máximas da redação, 8 eram de seu curso.

Com o resultado, o número de matriculados passou de 400, em 2017, para 900, em 2018. Com mensalidade de R$ 395, sua escola, chamada Laboratório de Redação, na avenida Paulista, ganhou unidades parceiras em cidades do interior paulista, como Campinas e São José dos Campos.

O jeito performático de Chan ajuda, mas não é exatamente uma novidade nesse mercado. Professores de cursinho costumam usar técnicas assim para prender a atenção dos jovens. Já o método de ensino, de acordo com ele, é completamente diferente. 

A maior parte dos cursos preparatórios para vestibular, além dos colégios de ensino médio, segundo Chan, leciona de maneira ultrapassada. O problema, diz ele, é que orientam os alunos a desenvolver as dissertações a partir de uma fórmula que só continua funcionando para o Enem, mas não é mais tão bem aceita em outros concursos igualmente concorridos como Fuvest, Vunesp, Unicamp e nas provas das principais universidades particulares do país. 

“É a velha técnica de escrever uma tese no primeiro parágrafo, argumentos favoráveis e contrários a ela nos parágrafos seguintes e fechar o texto com uma conclusão.”

No Enem, utilizado para o ingresso na maioria das universidades federais e em algumas particulares, existe ainda a expectativa de que esse encerramento da dissertação aponte uma proposta de solução para a questão discutida, levando em consideração os direitos humanos. 

A exigência da fórmula sobrevive, na opinião de Chan, porque, como a prova é nacional, os corretores, distribuídos por todo o país, têm formação heterogênea e seria difícil capacitá-los para corrigir textos mais livres e com uma estrutura menos engessada. 

Já a Fuvest, diz o professor, que seleciona os ingressantes para a USP, deixou de valorizar essa estrutura para a redação no final dos anos 1990 e foi seguida pelos outros vestibulares mais concorridos.

A exigência desde então é que o autor mostre uma capacidade de concatenar as ideias de uma maneira mais criativa e complexa, não apenas as separando por blocos, cada uma em um parágrafo.

Neste domingo (6), começa a segunda fase da Fuvest, com redação e prova de português. No dia seguinte, a prova será com disciplinas específicas.

“O aluno deve deixar que o pensamento se construa ao longo do texto, que seja original e tenha senso crítico, sem se preocupar com uma estrutura predeterminada. Os fatos que apresenta e a forma como os narra fazem com que a tese surja naturalmente”, explica.

Para levar os vestibulandos a desenvolver essa habilidade, ele adota em sala de aula obras de filósofos como Nietzsche, Kant e Simone de Beauvoir. Diz que os treina para uma leitura que, ao mesmo tempo, interprete os textos e perceba como são construídos pelos autores. Inspirados pela filosofia, são provocados a desenvolver suas próprias ideias a respeito de temas da atualidade. 

O professor também os leva a passeios em teatros e museus para que ampliem o repertório cultural e entendam a necessidade de conectar a técnica da escrita a uma reflexão sobre o mundo.

Seu plano é usar seu método de ensino para formar professores que consigam “desconstruir as aulas tradicionais de redação”. As exigências dos vestibulares para a dissertação, explica, estão nos manuais e também ficam claras com as correções. Por isso, ele é contundente na crítica a quem martela a chamada fórmula estruturalista e admite gerar “desconforto” em relação a colegas também dedicados aos cursos preparatórios.

Se o gênero de texto e o tema fossem livres no vestibular, a vida de Chan daria uma bela redação. Com pai taiwanês budista (a família é uma das fundadoras do templo Zu Lai, em Cotia, na Grande São Paulo) e mãe italiana judia, ele optou pelo candomblé, como relata aos alunos com humor logo na primeira aula. Conta que, desde pequeno, tinha visões, o que o deixava angustiado e o levou a antidepressivos e antipsicóticos. 

 

Adolescente, falou para os pais e para o psiquiatra ter pressentido que a avó iria se suicidar, o que ocorreu uma semana depois. Certo dia, em uma festa, a empregada da casa lhe disse: “Você sabe que é do santo, né?” Levado por ela ao candomblé, livrou-se da angústia e dos remédios e agora se prepara para se tornar pai de santo e abrir um terreiro.

Se no candomblé recebe Iemanjá, fora encarna duas personalidades. Enquanto Adriano Chan dá aulas de redação, Adrian Steinway, seu nome artístico, produz e dirige espetáculos teatrais. Em 2019, comandará um musical na Itália sobre os 500 anos da morte de Leonardo da Vinci, que depois trará ao Brasil, com Pedro Camargo Mariano no papel principal. 

Essa mistura vem da formação acadêmica. Na graduação, na Unesp, fez letras com ênfase em latim e português e especialização em linguística. No mestrado e no doutorado, na Universidade de Nova York (EUA), estudou teatro.

De volta ao Brasil, sem emprego, teve a ideia de dar aulas de redação e distribuiu folhetos na porta de um cursinho. Conseguiu quatro alunos e, no final daquele ano de 2003, estava com 64. 

“Vi que era um nicho de mercado mais forte do que a arte e tirei dele a capacidade de autogestão para os espetáculos. Adriano Chan virou patrocinador de Adrian Steinway. E Adrian Steinway é o mestre de Adriano Chan”, tenta explicar.

Ele divide essas histórias com os alunos, que o chamam de Adri, e diz ser aberto sobre tudo, inclusive para falar sobre sua sexualidade em sala de aula —ele e o parceiro pretendem ter um filho com uma barriga de aluguel nos Estados Unidos. 

“A transparência traz confiança para a relação e uma sensação de liberdade. Eles precisam se sentir livres para pensar e questionar. Não podem se prender, não podem prender a criatividade”, diz Chan, com uma frase que parece boa para encerrar uma redação. Mas será que o corretor aprovaria?

 

Dicas de Adriano Chan para a redação da Fuvest

Não se prender à fórmula estrutural com tese necessariamente no primeiro parágrafo, argumentos nos seguintes e conclusão no final; a Fuvest espera que o raciocínio se construa ao longo do texto, e a tese, ao fim

Contemplar os aspectos dos textos fornecidos pela prova

Mostrar capacidade de articular ideias, conectando conhecimentos a um livro, um filme, um meme da internet

Demonstrar coesão, resgatando termos e ideias de um período anterior para construir os próximos

Ter cuidados com aspectos gramaticais

Reler mentalmente o texto para corrigir erros

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