MEC pede a escolas que cantem o hino nacional e filmem as crianças

Pedido foi feito pelo ministro Vélez Rodríguez por email a diretores

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Brasília e São Paulo

O Ministério da Educação enviou a escolas do país uma carta em que pede para que alunos, professores e funcionários sejam colocados em fila para cantar o hino nacional em frente à bandeira do Brasil. O documento também pede que o momento seja filmado e enviado ao novo governo.
 
A mensagem é assinada pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, para quem a medida visa saudar “o Brasil dos novos tempos”. 

“Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”, afirma a mensagem.

A carta, enviada por email a diretores de escolas públicas e particulares do país, gerou reação de educadores. No ​email, Vélez Rodríguez pede que a mensagem seja lida antes da execução do hino —o que faria com que diretores citassem também o slogan de campanha de Bolsonaro.

O pedido foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmado pelo ministério em seguida.

Em nota, o ministério informa que a carta traz um pedido de “cumprimento voluntário” para o primeiro dia do ano letivo, o qual “faz parte da política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais”.

“Para os diretores que desejarem atender voluntariamente o pedido do ministro, a mensagem também solicita que um representante da escola filme (com aparelho celular) trechos curtos da leitura da carta e da execução do hino”, informa a pasta, em nota.  O material deveria ser enviado para os setores de comunicação do MEC e da Presidência com "nome da escola, número de alunos, de professores e de funcionários". ​

SEM PARTIDO

O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) informou via Twitter que deve denunciar Vélez Rodríguez por crime de responsabilidade. "Isso é inadmissível", disse.

O diretor da Abepar (Associação Brasileira das Escolas Particulares), Arthur Fonseca Filho, diz que o e-mail pegou diretores de surpresa e trouxe preocupação em relação às medidas. Ele classifica o pedido como "inconveniente na forma e no conteúdo". "O mais complicado é sugerir que as escolas filmem. É ilegal fazer isso sem autorização expressa dos pais", afirma. 

Outro problema, diz, é que o e-mail também não deixava clara a obrigatoriedade da medida. "Da forma em que foi proposta, ele sugere o cumprimento de uma ordem."

"A escola é um lugar plural. Para um governo que defende tanto uma escola sem partido, parece que está querendo partidarizar", diz Carlos Frederico Ghidini, coordenador-geral da Adires (associação dos diretores da rede pública do Espírito Santo).

Ghidini critica o atrelamento do hino ao slogan de campanha de Bolsonaro. "O aluno não pode fazer propaganda para o governo federal. É a mesma coisa de no governo militar [1964-85] os alunos cantarem o hino e dizerem 'Brasil, ame-o ou deixe-o'", afirma, em referência a ​slogan da ditadura no período Médici (1969-74).

Para o diretor do Sinpeem (sindicato dos professores municipais de São Paulo), Claudio Fonseca, o pedido do ministro "parece que quer criar notícia para desviar do caos da educação". Segundo Fonseca, a gestão de Vélez Rodríguez vem se pautando "só por políticas de comportamento". "Parece que a educação nacional não tem problema algum", afirma.

Fonseca, vereador pelo PPS, afirma acreditar que a medida teria efeito oposto ao desejado pelo ministro. "Obrigar os alunos a prestar reverência na situação em que nós estamos...​ ​Isso só vai despertar o ódio ao hino nacional, que é tão belo."

Já o diretor de políticas educacionais do Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho, diz que mesmo que o pedido tenha sido por uma iniciativa voluntária, há dúvidas sobre sua legalidade. O pedido, diz, também vai em direção contrária às principais preocupações da área, em especial os problemas de aprendizagem.

"Preocupa o MEC se concentrar em fazer esse pedido ao mesmo tempo em que silencia sobre questões urgentes que precisam ser enfrentadas na educação brasileira."

A medida também gerou reação de outras entidades. O Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) informou ter sido surpreendido com o envio da carta às escolas e que avalia o alcance das medidas. Para o conselho, no entanto, o pedido fere "não apenas a autonomia dos gestores escolares, mas dos entes da federação." 

"O ambiente escolar deve estar imune a qualquer tipo de ingerência político-partidária. O que o Brasil precisa, ao contrário de estimular pequenas disputas ideológicas na educação, é que a União, os estados e os municípios priorizem um verdadeiro pacto pela aprendizagem", informa.

Após as críticas sobre a iniciativa, o MEC divulgou uma nova nota no início da noite em que afirma que após receber as gravações, será feita uma seleção das imagens com trechos da leitura da carta. Informa ainda que, "antes de qualquer divulgação, será solicitada autorização legal da pessoa filmada ou de seu responsável".

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