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Daniel José

Precisamos levantar a bandeira do protagonista da educação

Quando defendemos grupos de interesse, colocamos de lado o aluno

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Recentemente li um artigo chamado “a vez dos professores”. O objetivo principal era falar sobre como melhorar a qualidade da educação no país. Para quem quer debater educação de qualidade, é evidente que os professores são uma parte primordial neste processo. Há muitas melhorias a se fazer para esta classe.

No entanto, me parece muito estranho alguém falar em melhorar a educação, quando o protagonista desta história – o aluno – é considerado apenas uma vez no texto. No artigo, ao longo de 537 palavras, o termo “aluno” foi mencionado apenas uma vez.

Cartazes espalhados por alunos da Unifesp em Osasco contra cortes na educação
Cartazes espalhados por alunos da Unifesp em Osasco contra cortes na educação - Marcelo Justo - 10.mai.19/UOL

Na falta de um diagnóstico mais profundo, em um debate superficial que vejo nas redes sociais e no excesso de politização sobre o tema educação, resolvi trazer alguns dados e colocar o aluno no centro deste debate. Vamos aos números.

No principal ranking que compara nossos alunos com os de outros países, estamos na lanterna! Na última edição do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) em 2015, ficamos em 63º de um total de 70 países. No quesito ciências e matemática, estamos entre os dez últimos do ranking, em 63º e 65º, respectivamente.

Tendo que decidir por uma escola que vai trazer pouco valor ou trabalhar para ajudar na renda familiar, a escolha chega a ser injusta. O resultado é um alto índice de evasão: 52% dos jovens brasileiros entre 19 e 25 anos deixaram de estudar, não se dedicam à escola como deveriam ou estão atrasados na escola.

Dentre diversas causas, uma chama a atenção. Historicamente, o Brasil é o país que mais “prioriza” o ensino superior. É o que diz a OCDE. Gastamos 3,7 vezes mais em um aluno do curso superior do que em um estudante do ensino básico. Nenhum outro país tem uma desproporção tão grande. É verdade que este número já melhorou, mas ainda gastamos no ensino superior como país europeu e em ensino básico como país latino.

Escolhemos beneficiar 1,2 milhão de alunos do ensino superior em detrimento de 48 milhões de crianças do ensino básico e fundamental. As consequências são desastrosas. Apenas 17% dos jovens conseguem chegar ao ensino superior (majoritariamente privado) e os poucos que chegam carregam consigo uma base muito frágil.

Dos alunos de 14 anos, 47% não sabem ler e escrever e 70% dos alunos do ensino médio apresentam conhecimento insuficiente em matemática. Como suprir nosso déficit de engenheiros, se nossos pouquíssimos alunos chegam à universidade com dificuldades de somar e dividir?

Por isso a minha proposta. Devemos migrar cada vez mais para um sistema que prioriza o ensino básico. E não falo por demagogia. Há embasamento técnico para isso. O vencedor do Prêmio Nobel de economia de 2000, James Heckman, afirma: cada real gasto com uma criança pequena traz retornos muito superiores para a sociedade que se estendem durante toda a sua vida e quanto mais cedo investirmos nas crianças pobres, maior esse retorno.

Países que não investem na primeira infância apresentam índices de criminalidade mais elevados, maiores taxas de gravidez na adolescência, maior evasão escolar e menor nível de produtividade no mercado de trabalho.

Se devemos priorizar a educação básica, o que fazer então com o ensino superior? Seria mais fácil para um parlamentar ser populista e apenas pedir mais recursos. Mas é necessário lembrar que, assim como em qualquer família, o governo possui uma restrição orçamentária. Não falta dinheiro apenas para educação, falta dinheiro para saúde, para construir estradas, para segurança.

E a culpa disso tudo são dos grupos organizados que há décadas vêm bloqueando as discussões e as reformas essenciais para reestabelecer a capacidade setor público em oferecer serviços fundamentais para sociedade.

Por isso, defendo um modelo diferente de ensino superior no qual as universidades públicas possam ter outras fontes de receita e dependam menos do governo. Uma alternativa é um fundo de doação de ex-alunos (endowment).

Além disso, devemos incentivar a cobrança de mensalidade daqueles que possam pagar. Podemos pensar também em concessão de espaços do campus para empresas, exploração dos direitos de nomes de salas de aula (naming rights) e uma série de outras medidas. Dessa maneira, o governo federal poderá deslocar os seus recursos gradualmente do ensino superior para o ensino básico.

Espero que o nível do debate possa melhorar através de diagnósticos corretos, evidências empíricas e propostas factíveis. Quando defendemos apenas grupos de interesse e corporações, colocamos de lado o principal interessado do ensino: o aluno.

Do contrário, continuaremos na lanterna da educação e daqui a 40, 50 ou 60 anos, outro jovem deputado que terá o sonho de transformar a educação fará mais um texto como esse repetindo os mesmos problemas que temos hoje.

Daniel José é deputado estadual em São Paulo pelo partido Novo e co-fundador do RenovaBR

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