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Otaviano Helene

Educação a distancia assim, não

Estender ensino online a mestrados e doutorados em nada vai contribuir melhorar produção científica do país

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A educação a distância e todos os demais recursos que possam favorecer os processos de ensino e aprendizagem devem ser e têm sido incorporados ao sistema educacional. Entretanto, a forma pela qual a educação a distância foi implantada no Brasil a distorceu de tal maneira que, com poucas exceções, tem se mostrado mais danosa do que benéfica.

O que ocorre no ensino superior de graduação dá uma ideia dessa distorção. A cada ano, são oferecidas perto de quatro milhões de vagas de ingresso nesse nível educacional, enquanto o número de concluintes do ensino médio é da ordem de dois milhões. A metade! Evidentemente, há algo muito errado e isso se deve à desproporcional privatização do ensino superior no Brasil, totalmente em desacordo com o que ocorre nos demais países. 
 

Eduardo Knapp/Folhapress

Por causa disso, o ensino superior, nas mãos de um empresariado ambicioso, virou uma mercadoria ofertada sem qualquer critério: são oferecidos cursos de baixíssimo retorno (ou sem qualquer retorno) e distribuídos sem nenhuma consideração quanto às necessidades regionais do país ou das diferentes profissões. Em muitos casos, apenas os critérios mercadológicos, que consideram a existência de clientela e de sua capacidade de pagar pela mercadoria oferecida, são levados em conta.

O ensino a distância no Brasil não surgiu como algo complementar ou adicional ao ensino presencial; ele surgiu como uma forma de substitui-lo, como uma possibilidade adicional de negócio. Evidência disso é a enorme quantidade de vagas de ingresso no ensino superior a distância, da mesma ordem de grandeza que o número de vagas para os cursos presenciais, totalizando, as duas modalidades, nada menos do que quatro vezes mais do que o número de concluintes do ensino médio.

Se há carências de mestres e doutores engajados na pesquisa científica e no ensino superior no país, não é por falta de pessoas formadas, mas, sim, por causa da desorganização do sistema. Estender o ensino a distância à pós-graduação em nada vai contribuir para a melhoria do sistema educacional e da produção cultural e científica do país. 

A educação, inclusive em nível de pós-graduação, depende, além das aulas, das atividades presenciais, tais como debates, seminários, discussões na frente de uma lousa ou em torno de uma mesa, presença em laboratórios, interação entre estudantes e a interação destes com pesquisadores e professores.

Repetindo, o ensino a distância pode ser um complemento ao ensino presencial e responder a demandas específicas. Entretanto, poucas são as pessoas que se adaptam a ele, muitas não conseguem organizar seu tempo de forma adequada, outras, ainda, não têm espaço e ambiente adequado para estudo. 

Esses fatores, bem como a impossibilidade de troca de experiências com colegas, têm sido apontados como responsáveis pelas enormes taxas de abandono na educação a distância.

Docentes, pesquisadores e instituições sérias de ensino superior sabem usar os recursos da educação a distancia de forma adequada. Deixar que essa modalidade seja ainda mais explorada por instituições privadas que já se mostraram incapazes de oferecer adequadamente o ensino presencial apenas piorará ainda mais a educação no país.

Otaviano Helene

Professor do Instituto de Física da USP, ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e autor de ‘Um Diagnóstico da Educação Brasileira e de seu Financiamento’ (Autores Associados)

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