ProUni tem menor oferta de bolsas integrais e para cursos presenciais

Entre subsídios oferecidos para alunos de baixa renda, vagas para cursos a distância são maioria

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

A proporção de bolsas integrais do ProUni (Programa Universidade Para Todos) —direcionadas aos alunos mais pobres— vem caindo desde 2015, enquanto avança a oferta de subsídios para cursos de EAD (educação a distância), em geral de menor qualidade.

​Além disso, as vagas EAD passaram a dominar a modalidade de bolsas integrais.

Alterações no perfil de bolsas têm ocorrido pelo menos desde 2016 e se intensificaram neste ano, sob o governo Jair Bolsonaro (PSL).

Na prática, estudantes de baixa renda têm tido menos opções. Para especialistas, o ProUni passa por um esvaziamento de qualidade que compromete o alcance da política.

 

Criado em 2005, o ProUni teve, até 2015, em média 69% das bolsas na modalidade integral. Esses benefícios são voltados para estudantes com renda per capita de até 1,5 salário mínimo. 

O restante é parcial (o aluno precisa pagar metade das mensalidades) e o limite de renda por pessoa sobe para até 3,5 salários mínimos.

Em 2015, por exemplo, 62% das bolsas eram integrais. Neste ano, esse percentual caiu para 45% do total.
Dentro do universo dos subsídios integrais, 25% foram de EAD em 2015. Já neste ano, esse índice subiu para 45%. Se consideradas apenas as bolsas do segundo semestre, o percentual foi de 51%.

O EAD correspondia, no total, a 20% das vagas em 2015 e passou a representar 26% neste ano. O setor superior privado registrou 25% das matrículas no ensino a distância em 2017 (dado mais recente), o que segue a tendência geral das bolsas.

Mesmo com um volume maior de bolsas em 2019 do que em 2015 (413.114 e 329.117, respectivamente), há, agora, menos bolsas integrais e para cursos presenciais.

Os candidatos tinham 153.810 vagas com essa configuração em 2015. Neste ano, foram 101.643.
Moradora de Cariacica (ES), região metropolitana de Vitória, Andressa Prattis, 24, foi selecionada para uma bolsa em pedagogia, mas não conseguiu a desejada vaga presencial.

Ela vive com o marido, que está desempregado, e os dois filhos e se sustenta com a ajuda da família. 
"Só tinha EAD por aqui, foi massacrante. Acho que o presencial é melhor, tem o contato com os professores, com os colegas", diz. 

O ProUni prevê isenção tributária para as instituições de ensino superior como contrapartida das bolsas. A projeção da Receita Federal é que o programa custe R$ 2,2 bilhões aos cofres públicos em 2019.

Para participar, as instituições devem reservar uma vaga integral a cada dez alunos pagantes em cada curso. 

Há abertura, no entanto, para que bolsas parciais componham o mínimo exigido pelo programa para garantir a isenção tributária.

A escolha de oferecer mais bolsas integrais em cursos na modalidade EAD é das instituições. Os cursos a distância são mais baratos e a inclusão de mais alunos praticamente não altera a planilha de custos das instituições. Em 2019, apenas 10% das bolsas parciais foram em EAD. 

O diretor-executivo do Semesp (entidade que representa mantenedoras do ensino superior privado), Rodrigo Capelato, diz que a alta do EAD reflete a expansão da modalidade e a predominância de bolsas parciais tem sido uma estratégia para ocupar as vagas e manter o programa.

"As instituições passaram a ter dificuldades para preencher todas as vagas porque, para bolsa integral, precisa ter baixa renda. E como há a exigência de nota mínima no Enem para participar [de 450 pontos], o universo potencial de alunos fica reduzido", diz. "Quando vai para um limite maior de renda [no caso das parciais], as escolas conseguem."

Caso não haja ocupação de vagas, a instituição perde a isenção proporcionalmente.

Capelato diz que o EAD na modalidade integral colabora com a permanência do aluno mais pobre. "Não é só a questão da gratuidade da mensalidade. Mas muitas vezes o aluno não consegue cursar porque não tem renda para deslocamento, alimentação."

O ensino a distância é a aposta das empresas para a expansão de matrículas, mas os indicadores de qualidade são piores. 

Na última avaliação federal, o Enade de 2017, 6,1% dos cursos presenciais tiveram conceito máximo; no EAD, o percentual foi de 2,4%.

Apesar do avanço da modalidade no ProUni, o programa reduziu sua abrangência nacional. No 2º semestre de 2010, por exemplo, havia vagas em 982 municípios, contra 926 neste segundo semestre.

Para Wilson Mesquita, professor da UFABC e estudioso do setor privado, essas mudanças surpreendem por ocorrer justamente no cenário de crise econômica e redução do Fies [Financiamento Estudantil], que garantia recursos às instituições privadas. "E o problema é que o suporte do EAD [para aulas] ainda é alvo de reclamação frequente entre os alunos."

O ProUni foi uma das marcas dos governos do PT por possibilitar o ingresso de alunos de baixa renda no ensino superior. Para Luiz Cláudio Costa, ex-secretário-executivo do MEC no governo Dilma Rousseff (PT), é natural que o EAD avance, mas é importante que o governo reflita sobre o objetivo da política pública. 

"É necessário que haja revisão para verificar como deve ficar a proporção de modalidades e se o estudante de baixa renda tem condição de escolha", diz. "Como as pessoas não podem pagar, é importante aumento da integralidade".

Em nota, o MEC informou que a lei determina a oferta de bolsas em cada curso efetivamente instalado na instituição, o que inclui EAD e presencial. "Os programas do MEC são sempre avaliados com vistas ao aprimoramento", diz a nota.

A equipe de Mendonça Filho, ministro da Educação no governo Temer (MDB), não quis comentar.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmou que o volume de bolsas integrais está em queda contínua, mas o que está em queda é a proporção de bolsas integrais. O texto foi corrigido.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.