Escolas-conceito para classe C em São Paulo têm mensalidade de até R$ 700

Colégios oferecem propostas semelhantes às de unidades que custam mais de R$ 3.000

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São Paulo

A mensalidade custa R$ 690, mas parece escola de rico: ensino integral, cada aluno com seu notebook, inglês todos os dias, laboratório “maker” para construir objetos utilizando na prática o que se aprende na teoria, aulas de Steam, o moderno sistema que integra ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática. E o prédio, na Penha, zona leste de São Paulo, foi reformado pelo renomado arquiteto Paulo Mendes da Rocha.

Inaugurada em 2018, a Escola Mais é exemplo de um segmento que o mercado de educação privada começa a explorar, o de “escolas-conceito” para a classe C. O projeto é abrir, em bairros da periferia, colégios que ofereçam ensino com métodos de vanguarda, normalmente restritos às escolas mais caras, que têm mensalidades que custam pelo menos cerca de R$ 3.000 para o integral e ficam em regiões de alto poder aquisitivo.

Um texto de divulgação enviado à Folha é ainda mais ambicioso e compara a proposta educacional da Escola Mais à da Concept e da Avenues, as novas escolas para a classe AAA que se vendem como inovadoras, com mensalidades, respectivamente, de R$ 6.000 e R$ 11 mil.

 

Com o país em crise econômica, a aposta tem se mostrado bem-sucedida. Após a primeira unidade da Mais, que está com 300 alunos e contou com um investimento inicial de R$ 5 milhões, outras três serão abertas em 2020 na zona sul de São Paulo (Vila das Mercês, Vila Mascote e um outro bairro a ser definido). Todas terão fundamental 2 (6º ao 9º ano) e médio. A partir de 2021, oferecerão também o fundamental 1 (1º ao 5º ano).

A meta é inaugurar dez escolas nos próximos quatro anos. O principal investidor é o Grupo Bahema, que, entre as aquisições que vem fazendo na educação básica, em 2017 comprou a Escola da Vila, umas das mais reconhecidas de São Paulo na linha construtivista e de educação de vanguarda, com unidades no Butantã (zona oeste), Morumbi (zona sul) e Granja Viana (Grande São Paulo). Esse e os outros colégios do grupo são voltados à classe A; a Escola Mais é primeiro investimento na classe C.

Outro grupo que voltou os olhos a esse segmento foi o SEB (Sistema Educacional Brasileiro), um dos maiores do país, que possui escolas em oito estados com cerca de 50 mil alunos. Depois de adquirir as redes Maple Bear e Pueri Domus e de criar a Concept, na faixa que eles chamam de “premium”, decidiu mirar o público BC e lançou a Luminova. A mensalidade é de R$ 500 para o horário regular, com a possibilidade de contratar atividades extracurriculares, que chegam a um custo máximo de R$ 385, para que o período de permanência na escola seja integral.

Diretor-geral da Luminova, Luizinho Magalhães diz que as metodologias utilizadas são semelhantes às da Concept, todas na moda, com nomes em inglês: “learning by doing” (aprender fazendo), “flipped classroom” (aula invertida, o aluno ensina), “learning for projects” (aprender com projetos), “game-based learning” (aprendizado baseado em jogos) etc.

Com investimento inicial de R$ 18 milhões e outros R$ 60 milhões previstos, foram inauguradas neste ano as primeiras quatro unidades, três em São Paulo (Barra Funda/zona oeste, Vila Prudente/leste, Bom Retiro/centro) e uma em Sorocaba, no interior. Com 89% das vagas preenchidas, têm 3.000 alunos (Bom Retiro e Sorocaba vão do infantil ao médio; Barra Funda e Vila Prudente, do fundamental ao médio). Nos próximos cinco anos, o grupo planeja abrir mais 25 unidades, com um investimento de R$ 200 milhões e o possível lançamento do sistema de franquias.

Tanto os administradores da Luminova quanto os da Escola Mais explicam que cada detalhe do funcionamento das escolas deve ser planejado para reduzir custos, de maneira que possam ser lucrativas com as mensalidades mais baixas. “Os prédios são menores. As outras escolas do SEB costumam ter 12 mil m2, na Luminova são perto de 5.000 m2, o que facilita a manutenção. Equipe administrativa, coordenadores e diretores trabalham em um espaço comum, um coworking, ninguém tem sala individual”, explica o diretor. “As salas de aula têm paredes flexíveis e se adaptam a diferentes usos. No mesmo lugar é possível ensinar matemática em um horário e dança em outro. Também redimensionamos as funções de cada profissional. O técnico de manutenção pode ser o responsável pela entrada e saída dos alunos, por exemplo”, afirma Magalhães.

Na Escola Mais, apesar de soar paradoxal, o horário integral também é utilizado para reduzir os custos, segundo um dos sócios-fundadores, o administrador José Aliperti. “Com as crianças o dia todo na escola, conseguimos organizar as atividades com o rodízio dos nossos espaços. Quando um grupo está na quadra, por exemplo, outros estão no laboratório, na biblioteca, na sala de aula ou no refeitório. Assim, conseguimos ter apenas três salas de aula para dez turmas”, explica.

O horário integral, diz, ajuda ainda a manter o corpo docente exclusivamente dedicado à escola, o que é raro hoje em dia. “Professores costumam trabalhar por volta de 30 horas por semana em duas, três escolas. Aqui pagamos menos do que outros colégios da região por hora-aula, mas os contratamos por 45 horas, então acabam ganhando a mesma coisa, economizam com deslocamento e podem dedicar mais tempo aos alunos.” A média salarial do professor na Escola Mais é de R$ 4.500.

Diretor de educação da Associação Brasileira de Startups, Aliperti atuou por seis anos no Porto Seguro, tradicional colégio do Morumbi (zona sul) para a classe A, antes decidir investir na C, em sociedade com o cineasta e engenheiro Günther Mittermayer e com a pedagoga Marina Castellani, que trabalhou na Lumiar, escola de linha inovadora voltada à classe A.

O grupo vislumbra futuramente atender estudantes da rede pública, com parcerias com estados e municípios. “O governo gasta cerca de R$ 700 por aluno em média na educação básica, sendo que, em São Paulo, chega a R$ 1.200, valor mais alto do que a nossa mensalidade”, compara Aliperti.

Segundo ele, 20% dos alunos da Escola Mais vieram de colégios públicos e 80%, de particulares com mensalidades até por volta de R$ 1.000, mas para o horário regular, não integral. Além de potencialmente proporcionar um ensino de mais qualidade, a maior permanência na escola é encarada pelos pais da região também como uma forma de manter o filho em segurança enquanto trabalham, além de economizar, já que não há custos com atividades extras, como curso de inglês e esportes, e deslocamentos.

Em tempos de perda do poder aquisitivo, algo intrigante se deu nas matrículas da Luminova: o alto número de alunos da classe AB. Nas quatro unidades, a média gira em torno 50%, sendo que, na Barra Funda, região que teve um recente boom de condomínios de alto padrão, entre eles o Jardim das Perdizes, o número chega a 70%. “Quando fizemos reuniões com famílias interessadas, uma mãe perguntou se faríamos excursões para a Disney, o que é totalmente fora da nossa proposta. Queremos levar as crianças para o Wet’n Wild”, diz Luizinho Magalhães, referindo-se ao parque aquático na rodovia dos Bandeirantes, a uma hora de São Paulo.

Essa mãe, da classe AB, matriculou o filho na Luminova, e o diretor-geral, como uma forma de compreender melhor seu público-alvo, foi perguntar a ela o porque da escolha. “Ela me disse que, economizando com a escola, a família poderia conseguir guardar dinheiro para viajar para a Disney.”

Diante da crise, essa escola para classe C não só parece de rico como é.

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