EUA investigam gráfica que imprimiu Enem

Comissão que regula mercado americano, pede à matriz da R.R. Donnelley documentos que envolvem o MEC

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Brasília e Washington

A SEC, órgão que fiscaliza o mercado de capitais norte-americano, abriu investigação por supostas práticas ilícitas de representantes da gráfica que imprimia o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que envolvem o MEC (Ministério da Educação).

A divisão da SEC encarregada das apurações, Unidade da Lei contra Práticas Corruptas Estrangeiras, enviou em abril deste ano intimação à R.R. Donnelley & Sons Company, responsável pela produção das provas de 2009 a 2018.

Na ordem, requisita documentos e informações sobre os contratos firmados com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), ligado ao MEC.

O Enem foi impresso pela subsidiária da empresa no Brasil, que venceu concorrências para isso em 2010 e 2016, de 2009 a 2018. Em março deste ano, ela declarou falência. 

A contratação em 2009 ocorreu com dispensa de licitação após o roubo da prova dentro da gráfica que imprimia o exame, a Plural —uma parceria do Grupo Folha com a Quad Graphics. Nos outros anos, o contrato foi renovado sem disputa.

Fachada da gráfica RR Donnelley, em Osasco (SP)
Fachada da gráfica RR Donnelley, em Osasco (SP) - 03.04.2019 - Júlio Zerbatto/Futura Press/Folhapress

Com a falência da R.R. Donnelley, a Valid, segunda colocada na licitação de 2016, foi contratada para prestar o serviço.

Pela legislação americana, a SEC pode investigar empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores dos EUA, como a Donnelley, mesmo se as supostas irregularidades forem cometidas no exterior.

Consultado, o órgão não deu detalhes da apuração. Não respondeu qual suspeita está sob averiguação nem quem provocou as apurações.

“Não há nada que eu possa comentar. Nossas investigações não são públicas”, disse à Folha o procurador David Kagan-Kans.

Na intimação, obtida pela reportagem, o procurador informa o advogado da Donnelley, Matthew Kipp, que tenta “determinar se houve violações às leis de valores mobiliários federais” e avisa que, se a empresa não entregar os papéis pedidos voluntariamente, está sujeita a ação judicial.

A SEC requer informações produzidas a partir de 2009, primeiro ano em que Donnelley prestou serviços ao Inep.

A intimação lista 19 blocos de dados e documentos a serem entregues, incluindo a descrição de políticas e de treinamento anticorrupção dados aos funcionários e às empresas subcontratadas para prestar os serviços ao Inep.

O órgão americano pediu todos os contratos, propostas e negociações relativas às provas do Enem, além de todas as comunicações com agentes do MEC e do Inep sobre as contratações e seus aditivos.

Também mira subcontratações feitas pela Donnelley, inclusive ordens de compra, análises de preços praticados e registros de pagamentos e despesas —incluindo aquelas que possam caracterizar suborno de agentes públicos, como pagamentos de serviços de entretenimento.

A R. R. Donnelley vem sendo alvo de denúncias por parte de representantes de seus funcionários e de concorrentes.

A Gráfica Plural enviou documento à Polícia Federal e ao MPF (Ministério Público Federal) indicando que o Inep direcionou a subcontratação, pela Donnelley, de uma empresa, a Genneral Suport, para representá-la perante o instituto.

Outra suposta irregularidade apontada foi a contratação, pelo Inep, de um ex-funcionário da Donnelley para fazer auditorias na prestação de serviços da própria empresa.

A Plural também denunciou ao TCU (Tribunal de Contas da União) indícios de direcionamento das licitações vencidas pela Donnelley.

A corte concluiu que alguns itens do edital de 2016 restringiam a concorrência. Também viu indícios de conluio da empresa americana com a Valid, que assumiu a impressão do Enem, nos lances apresentados no pregão daquele ano.

Em abril, o tribunal proibiu prorrogar contratos do Enem e determinou a abertura de licitação para escolher a gráfica das provas. A Valid poderá prestar o serviço neste ano em caráter excepcional.

Pedidos de providências vieram também da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria Gráfica, que solicitou ao Ministério da Justiça investigação de eventuais fraudes em licitações vencidas pela Donnelley para o Enem.

Outro lado

Procurada pela Folha, a R. R. Donnelley não comentou a abertura da investigação.

O Inep, por sua vez, informou que não foi notificado pela SEC até a conclusão desta edição. 

“Quando acionado[o Inep], todos os esclarecimentos sobre o contrato com a R.R. Donnelley & Sons Company’s serão prestados prontamente, bem como rotineiramente qualquer outro questionamento”, diz nota do instituto.

O instituto sustenta que “qualquer irregularidade detectada internamente sempre é apurada para aplicação de medidas cabíveis” e destaca que cumpriu todas as determinações feitas pelo Tribunal de Contas.

“A equipe técnica e jurídica do Inep mantém contato frequente com órgãos de controle do governo federal para garantir transparência aos contratos e iniciativas da autarquia”, diz a nota.

“Os esclarecimentos solicitados, recomendações e sugestões são acatados conforme a pertinência. O processo de contratação da gráfica para os exames educacionais segue essa diretriz.”

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