Gestora da TV Escola pagou quadros a marceneiro de ex-diretor

Conjunto de 71 quadros custou R$ 355 mil, pagos pela Associação Roquette Pinto

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Brasília

Uma sindicância realizada pela Associação Roquette Pinto concluiu que um conjunto de 71 quadros comprados pela instituição no fim da gestão passada teve valores acima do praticado pelo mercado.

Os quadros pertenciam a um ex-diretor da associação, que autorizou a compra —o valor de R$ 355 mil foi pago a um marceneiro amigo dele.

O Conselho de Administração da organização avalia se vai encaminhar o resultado da investigação ao Ministério Público.

A associação é responsável pela TV Escola, canal oficial do MEC (Ministério da Educação), e pela TV Ines, canal na web voltado a surdos, além de realizar ações para o MEC, com dinheiro público. 

Luiz Dolino, ex-diretor adjunto diante de obra de seu acervo que foi comprado pela associação Roquette Pinto
Luiz Dolino, ex-diretor adjunto diante de obra de seu acervo pessoal que foi comprado pela associação Roquette Pinto - Reprodução/ redes sociais

A compra de quadros do acervo do ex-diretor Luiz Dolino foi revelada pela Folha em março e envolve a gestão que atuou durante o governo Michel Temer (MDB). 

O acervo, que inclui obras de Volpi, Iberê Camargo e do próprio Dolino, que também é artista, foi levado para a associação em 2015, quando a nova sede da entidade fora inaugurada no bairro de Botafogo, no Rio. 

Nessa época, Dolino dirigia a associação e os quadros ficaram na sede em acordo de comodato, com custos de seguro para a Roquette Pinto. Mas, em dezembro de 2018, quando Dolino era o diretor-adjunto, a associação comprou o acervo de quadros —cada obra foi adquirida por R$ 5.000.

A sindicância, iniciada após a publicação da reportagem da Folha, encomendou a leiloeiros três avaliações independentes dos quadros. Todo o acervo valeria, de acordo com essas projeções, entre R$ 60 mil e R$ 140 mil, valor inferior aos R$ 355 mil pagos.

O valor foi transferido no dia 17 de dezembro de 2018 a Marcos Roberto Furtado Costa, um marceneiro que vive em Petrópolis (RJ) e é amigo e fornecedor de Dolino. A Folha apurou que Costa prestava serviços a Dolino na cidade, onde o ex-diretor mantém seu ateliê.

À sindicância, Dolino argumentou que havia transferido a posse do acervo a Costa como pagamento de uma dívida. A reportagem procurou Dolino, mas não obteve resposta.

O valor do acervo representou 10% de todas as compras da instituição em 2018, que incluem equipamentos de tecnologia. Não há registros desde 2010 de que a entidade tenha comprado telas e gravuras.

A Roquette Pinto é uma organização social financiada por meio de um contrato de gestão com o MEC. No ano passado, recebeu R$ 73 milhões do ministério.

O modelo de gestão é similar ao que o governo Bolsonaro planeja para as universidades federais por meio do projeto Future-se. A prestação de contas da instituição é realizada anualmente por meio de relatórios.

No caso da compra de quadros, só havia no documento a relação de obras adquiridas. Nenhum detalhe foi divulgado sobre o motivo de uma organização que gere uma TV pública gastar R$ 355 mil em arte. 

A lista de funcionários e salários também não fica disponível na internet, como ocorre com o setor público no geral.

Segundo a associação, o processo de compra tem as assinaturas dos diretores da gestão anterior Isabella Gonçalves, Caio Leboutte e Dolino. Isabella (ex-diretora de Administração e Finanças) disse que não conheceu o resultado final da sindicância e, por isso, não iria se pronunciar.

Em contato com a reportagem, Leboutte (antigo diretor de Tecnologia, Operações e Inovação) disse que trabalhou por dez anos na associação e o processo para a compra dos quadros chegou a ele "como uma questão já sacramentada" pela direção. Apesar de ter assinado o documento de intenção de compra, Leboutte diz não ter participado do trâmite de ordenação da transferência bancária. 
 
"No pagamento não tem a minha autorização", diz. Leboutte afirma ter fornecido essas informações à sindicância mas não teve acesso ao resultado final.

Os quadros estavam até o início deste ano espalhados entre o térreo e o 4º andar da sede da Roquette Pinto. Atualmente as obras estão guardadas, mas ainda no prédio.

O jornalista Fernando Veloso comandava a associação até fevereiro, mesmo mês em que Dolino foi desligado. A sindicância não cita Veloso —o jornalista disse que não foi ouvido no processo e que não poderia se pronunciar.

Veloso chegou ao cargo na gestão do ex-ministro da Educação Mendonça Filho (DEM). Em março, Mendonça informou à Folha que não o indicou para o cargo e que o diretor fora eleito pelo Conselho de Administração da associação.

A Roquette Pinto informou que a nova gestão, liderada por Francisco Câmpera, contratou uma empresa de auditoria neste ano e implementou um programa de governança, além de instituir um código de ética. Também foram criadas, segundo a associação, uma ouvidoria externa e interna. 

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