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Como discutir polarização política na escola?

Se a sala de aula não for berço de diálogo, estaremos falhando como sociedade e país

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Desde os grandes protestos de 2013, conhecidos como “jornadas de junho”, que tomaram diversas cidades brasileiras, poucas palavras tornaram-se tão populares no debate público quanto “polarização”.

Das eleições presidenciais do ano seguinte ao pleito do ano passado, praticamente toda análise do nosso cenário político afirma que estamos vivendo em um país polarizado, onde parece haver pouco diálogo, mas muitos embates, nas mais diversas esferas, entre dois lados que são, em tese, opostos – ou seja, dois polos.

Basta lembrar das inúmeras reportagens publicadas no decorrer de 2018 que mostravam como famílias e grupos de amigos lidavam com isso dentro e fora das redes sociais, uma vez que os ânimos se acirraram a ponto de romper laços e relações de décadas, gerando inclusive situações de violência física.

A radicalização dos discursos políticos e partidários, bem como os riscos que ela oferece, não é exclusividade do Brasil. Nos Estados Unidos, o contexto não é muito diferente. Talvez o acontecimento que mais ilustre os rumos que a polarização tomou por lá é o famoso caso do “Pizzagate”, de 2016.

Durante a campanha eleitoral daquele ano, foi disseminado um boato que afirmava que a pizzaria Comet Ping Pong, em Washington, era a sede de um grande esquema de abuso infantil comandado por Hillary Clinton, ex-secretária de Estado e candidata à Presidência –concorrente do republicano Donald Trump.

A pizzaria passou a receber ameaças em forma de ligações e mensagens nas redes sociais, e seus funcionários foram perseguidos. A situação saiu completamente de controle quando um homem entrou armado com um rifle no estabelecimento. Ele chegou a atirar, mas felizmente não feriu ninguém.

O Instituto Palavra Aberta, que lidera o programa de educação midiática EducaMídia, esteve nos Estados Unidos em novembro passado, e visitou a escola cujos estudantes frequentavam a pizzaria em questão.

Conversando com os alunos e a equipe pedagógica, pudemos perceber como aquele episódio quase trágico de motivação política impactou a comunidade –e também como a unidade de ensino não poderia ignorá-lo e precisava, sim, discuti-lo e problematizá-lo com os alunos. Afinal, aquilo estava intimamente ligado à vida deles.

O “Pizzagate” é um bom exemplo porque nos mostra como não há como desvincular polarização política de desinformação – e como isso, cedo ou tarde, chega até a escola. O furor de opiniões que observamos nas redes sociais é, de fato, impulsionado pelas campanhas das chamadas “fake news”, termo impreciso e que tem o objetivo de atacar a imprensa, mas que resume o mar de boatos, mentiras e informações imprecisas em que estamos imersos diariamente.

Por sua vez, a discussão em torno da desinformação não pode ser descolada de outro conceito bastante repercutido por analistas e pesquisadores: a bolha informacional, situação que ocorre principalmente no mundo online, onde os usuários das redes consomem e interagem apenas com conteúdos que combinem com aquilo em que acreditam. Ou seja, se você se considera uma pessoa “de direita”, vai seguir apenas páginas direitistas; se você tem uma orientação política “de esquerda”, tende a interagir somente com usuários de crenças e valores alinhados aos seus.

Desse modo, você passa a ficar preso dentro de uma bolha de informações hiperpartidárias, que lhe “protege” de quem pensa diferente e permite pouco contato com a diversidade de opiniões. O outro passa a ser, portanto, antagonista e inimigo, e qualquer possibilidade de debate não só desidrata como simplesmente desaparece.

Tudo isso ainda é agravado por outros dois elementos. O primeiro é o chamado viés de confirmação, nossa tendência a buscar e interpretar conteúdos que apenas confirmem aquilo que já pensamos, fazendo com que nossas elaborações e hipóteses façam sempre sentido, mesmo que sejam mentirosas. Quando uma informação confirma algo em que já acreditamos, nossa tendência é passar adiante sem nem terminar de ler. Uma pesquisa da prestigiada Universidade de Columbia mostrou que 59% dos links de reportagens de grandes veículos de imprensa (como CNN e Fox News, por exemplo) compartilhados no Twitter nunca foram abertos. O monitoramento, que durou um mês e aconteceu somente naquela rede social, nos dá a dimensão da quantidade de informações que disseminamos sem ao menos clicar na URL.

O segundo é o famoso algoritmo, responsável por identificar e mapear nossos hábitos de navegação. Usando um exemplo tolo, isso quer dizer que se você visita muitos sites de sapato, você provavelmente verá propagandas de sapato em quase todas as outras páginas em que clicar. Substitua “sapato” por posição política e fica fácil entender como o algoritmo ajuda a cristalizar opiniões, contribuindo para polarizar ainda mais o debate público.

É claro que essa divisão de posicionamentos e intolerância de crenças acaba se refletindo na escola, atingindo crianças e jovens que não estão alheios a tudo o que ocorre no País, seja ele o Brasil ou os Estados Unidos, como no caso do “Pizzagate”.  Por aqui, para além da cultura de paz e da comunicação não-violenta, que devem ser sempre reforçadas pelo sistema educacional, é preciso lembrar que a cultura digital é parte importantíssima da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que significa que os estudantes do ensino fundamental e médio devem desenvolver habilidades como interpretação crítica das informações, participação responsável na sociedade e produção ativa de conteúdos no mundo conectado.

Portanto, o ambiente escolar deve considerar todos esses elementos novos – bolha informacional, polarização e outros – na hora de construir, no projeto pedagógico da unidade de ensino, ações e projetos que prezem pela diversidade e pluralidade de ideias.

Atividades que simulem debates democráticos, seminários e exposições sobre diferentes correntes filosóficas e políticas (contemporâneas ou não) e análises de textos de mídia são alguns dos exemplos do que pode ser desenvolvido dentro dos muros escolares, pois permitem que os alunos ouçam os colegas e se coloquem no lugar deles, criando empatia e minando radicalizações e extremismos. A discussão sobre o discurso de ódio também não pode faltar, uma vez que a polarização muitas vezes chega a esse nível.

Nesse sentido, cabe ao professor (mais) uma difícil função: a condução das divergências de modo neutro, incentivando a elaboração de argumentos e posicionamentos rumo a um ambiente de respeito, mediando divergências e construindo conhecimento na diferença.

Crianças e jovens são cidadãos e não podem – nem devem – ser excluídos do debate público. Cidadania pressupõe consciência crítica e autonomia, e a escola precisa apoiar seus alunos e alunas nesse processo de desenvolvimento.

Assim, política não pode ser tabu; política não é um mundo à parte, não é um assunto separado dos demais. A pluralidade de ideias é inerente à democracia, e se a educação básica não for um berço de diálogo, estaremos falhando como sociedade e País. 

 

Mariana Mandelli

Coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

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