Descrição de chapéu Palavra Aberta

O poder dos influenciadores digitais

Crianças e jovens precisam entender que o incentivo ao consumo e a disseminação de discursos questionáveis nem sempre estão explícitos nas redes

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Em 2017, o anúncio de um festival de música para milionários, programado para acontecer em uma ilha particular nas Bahamas, movimentou as redes sociais. Vendido como o “maior evento de todos os tempos”, o Fyre Festival foi pensado para ter um público exclusivo e os pacotes à venda incluíam mordomias e promessas de uma infraestrutura luxuosa. Com uma campanha massiva no mundo digital, da qual influenciadores com milhões de seguidores e as modelos mais bem pagas do mundo participaram, o evento rapidamente virou assunto e seus ingressos, que custavam dezenas de milhares de reais, esgotaram-se em horas. 

O que tinha tudo para ser um grande acontecimento musical em um cenário paradisíaco foi, na realidade, um tremendo fiasco. Os organizadores tiveram inúmeros problemas estruturais, de falta de alimentação a cancelamento de atrações em cima da hora. Com grande parte dos espectadores já na ilha, o festival não aconteceu, causando um baita prejuízo para os consumidores, que acabaram entrando na Justiça. O mal-estar de escala mundial ficou visível especialmente nos memes espalhados pelas redes sociais – justamente onde tinha começado. 

O que tornou o Fyre Festival tão famoso, como promessa e como fracasso, foi exatamente a participação dos chamados influenciadores digitais na sua promoção, o que gerou muita curiosidade e engajou o público a conhecer – e consumir – o evento. Para se ter uma ideia, um vídeo sobre o festival foi disseminado pelas modelos internacionais Kendall Jenner e Hailey Baldwin que têm, respectivamente, 118 milhões e 23,5 milhões de seguidores só no Instagram. O alcance do caso foi tão grande que aprofundou o debate sobre postagens publicitárias nos Estados Unidos, exigindo que o teor propagandístico das mensagens fique sempre explícito.

Por aqui, a situação não é assim tão diferente. Se você tem uma conta ativa em uma rede social, provavelmente já notou como a quantidade de anúncios publicitários aumentou consideravelmente nos últimos anos. É comum nos depararmos com “posts patrocinados” ou “parcerias pagas” na timeline do Instagram e do Facebook, por exemplo, assim como é recorrente que os vídeos no YouTube sejam interrompidos por comerciais. 

Com a expansão do acesso à tecnologia e à internet, a forma como nos comunicamos mudou imensamente – e a de fazer publicidade também. Se com a televisão, o rádio e os meios impressos era mais fácil visualizar os espaços reservados a anúncios, agora a tecnologia digital borrou a fronteira entre informação e propaganda. E se isso confunde adultos, quem dirá crianças e jovens, que consomem cada vez mais conteúdo online.

De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2018, 82% dos usuários de internet de 9 a 17 anos têm perfil em redes sociais, sendo o Instagram a rede que registrou o maior aumento desse público nos últimos dois anos: de 36% para 45%. Ademais, os dados mostram que 55% das crianças e adolescentes presentes nas redes tiveram contato com conteúdos que ensinavam a usar um produto; 49% viram postagens em que produtos eram abertos e mostrados para o público e 46% visualizaram vídeos ou imagens em que eram realizados desafios e brincadeiras com algum produto de marca.

Vale ressaltar que a prática publicitária não é proibida, mas precisa seguir padrões éticos e estar em consonância com o que prega o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Ou seja: precisa ser honesta, verdadeira e claramente identificada. Ela se torna um problema quando fere qualquer um desses princípios. 

Mas afinal: o que são influenciadores digitais, também conhecido como influencers? Os influenciadores digitais são pessoas com muitos seguidores nas redes sociais e, portanto, com capacidade de influenciar comportamentos ou potenciais compradores de um produto ou serviço, promovendo ou recomendando os itens – como um evento tal qual o Fyre Festival. Ser influenciador virou profissão para muitos e uma trajetória almejada por tantos outros, já que a exibição de produtos e de um estilo de vida desejável acaba instigando a audiência a consumir. Muitos desses influenciadores tornaram-se celebridades nacionais e internacionais, aumentando ainda mais a fama, a renda e, claro, a projeção no mundo online e offline.

Entretanto, apesar da discussão sobre influenciadores ser pautada principalmente pela questão do consumo, uma vez que muitos dos vídeos e fotos postados aparecem como “dicas” (e na verdade são publicidades não sinalizadas), é importante destacar que não se trata apenas de uma questão comercial.

Além de marcas e serviços, influenciadores podem vender ideias e discursos diversos – políticos, por exemplo. Existem centenas de canais de vídeos com conteúdo desse tipo, financiados por diferentes correntes e movimentos, dedicados a influenciar a opinião dos eleitores inclusive por meio da disseminação de mentiras.

Outros tipos de canais, com youtubers dedicados a pregar peças em desconhecidos e a “trolar” (termo que pode ser traduzido como “zoar” ou tirar sarro) familiares, também podem influenciar crianças e jovens a terem comportamentos totalmente condenáveis, como foi o caso do influencer Kanghua Ren, mais conhecido como ReSet, que deu pasta de dente com bolacha para um morador de rua e, além de filmar a atrocidade, publicou um vídeo mostrando o absurdo. 

Esse cenário confuso, em que é cada vez mais complicado distinguir o que é espontâneo, patrocinado, seguro ou apenas “brincadeira”, reforça a necessidade de se educar crianças e jovens para que eles entendam que tipo de mensagem está em jogo. É preciso que eles saibam discernir gêneros textuais e midiáticos, identificando autores, contextos e intenções de um post no Facebook, um vídeo no YouTube ou uma imagem no Instagram. 

É fundamental que a escola considere esses “novos” conteúdos no desenvolvimento da competência de cultura digital, como demanda a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino fundamental. Um meme pode ser usado em uma aula de língua portuguesa que explore o humor ou sátira, assim como uma atividade sobre textos publicitários pode debater um vídeo de “unboxing” (gênero bastante comum no YouTube em que influenciadores abrem presentes que recebem de empresas). 

Aproximar o universo escolar do que as crianças e jovens veem na internet não é só importante como indispensável na construção da cidadania e da consciência crítica deles. A interpretação de texto tal qual conhecíamos ganhou novas camadas, e a educação midiática é chave para não se perder nesse processo tão complexo. Leitores mais críticos serão consumidores mais conscientes e, consequentemente, cidadãos mais engajados. 

Mariana Mandelli

Coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

Isabella Galante

Jornalista do Instituto Palavra Aberta

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