Escolas mudam currículos para se adaptar à reforma do ensino médio

Colégios devem se adequar até 2022; ampliar a jornada e tornar obrigatórias disciplinas optativas são tendências

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São Paulo

As dúvidas ainda são muitas, as polêmicas parecem não ter fim, mas o prazo está acabando para que todas as escolas implementem o novo ensino médio. A mudança é obrigatória por lei e envolve mais horas de aulas e currículos em que os alunos, além das disciplinas regulares, devem escolher outras de acordo com seus interesses.

Como os ajustes precisam ser feitos nos próximos dois anos para que em 2022 o novo sistema tenha início, em 2020 muitas escolas começarão projetos pilotos em algumas turmas e outras vão operar inteiramente reformuladas.

A lei prevê que o ensino médio seja integral e que a carga horária mínima suba das atuais 800 horas, ou seja, média de quatro horas por dia, para 1.400, ou sete horas diárias. Não menciona prazo, mas estipula que a partir de 2022 devem ser ao menos 1.000 horas por ano, cinco diárias. Cada escola distribui as horas como for mais conveniente.

Aula de química no Colégio Santa Maria, em SP; escola vai adotar novo modelo em 2020
Aula de química no Colégio Santa Maria, em SP; escola vai adotar novo modelo em 2020 - Marlene Bargamo/Folhapress

O tempo maior visa dar conta de formar o que se convencionou chamar de “cidadão do século 21”. Não basta ter aulas das matérias clássicas, mas estar preparado para a complexidade do mundo contemporâneo, com o desenvolvimento das chamadas habilidades socioemocionais, como criatividade, empatia etc.

No ensino médio, considera-se necessário também um aprofundamento pedagógico para capacitar o aluno para o seu projeto de vida, termo hoje em evidência na educação, que entrou no lugar de carreira ou “mercado de trabalho”.

Essa nova concepção, que idealmente tornará a escola mais interessante para os jovens, foi incorporada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que prevê conteúdos e aptidões a serem desenvolvidos por todas as escolas.

A BNCC do ensino médio estabelece que o currículo ofereça, além das matérias regulares, os chamados itinerários, nos quais o aluno escolhe em qual área deseja se aprofundar. São cinco: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas e sociais aplicadas; e formação técnica e profissional.

Em cada um deles, poderá haver um reforço nas disciplinas clássicas que sejam importantes para a área, além de outras eletivas, já adotadas por muitas escolas, mas até então consideradas optativas. Essas podem variar bastante, por exemplo, robótica, audiovisual, educação financeira, oficina de texto etc.

A ampliação da carga horária faz-se, portanto, indispensável, e um impasse no ensino público é o custo —ainda que o governo federal tenha um programa de repasses para o novo ensino médio, no valor fixo de R$ 20 mil por escola somados a R$ 170 por aluno.

Na semana passada, governadores e secretários estaduais de educação se reuniram em São Paulo para debater o novo ensino médio em evento do Consed (Conselho Nacional de Secretarias de Educação). Um dos destaques foi o estado de Pernambuco, que começou em 2007 a implantar o médio integral, hoje presente em 57% da rede e com a meta de 70% para 2022. Outros, como Minas, Goiás e Amapá, têm médias menores, entre 10% e 30%, mas anunciaram planos de expansão.

O secretário de educação básica do Ministério da Educação, Janio Endo Macedo, anunciou verba para 500 escolas na conversão para o integral e declarou apoio ao novo ensino médio.

Em São Paulo, dos 3.800 colégios de ensino médio, 417 têm horário integral, com 9,5 horas diárias. Outros 400 demonstraram interesse em aderir, o que será feito progressivamente, segundo Caetano Siqueira, coordenador pedagógico da Secretaria da Educação. A meta, diz, é que 50% operem assim até 2026.

O que se discute agora é o currículo com os itinerários. A lei determina quais são os cinco, mas não como devem ser formatados. Segundo Siqueira, a secretaria irá elaborar uma minuta do currículo com os itinerários e abrir uma consulta pública no próximo ano.

Já está definido que, a partir de 2020, haverá aulas de projeto de vida desde o sexto ano, além de uma eletiva por semestre, com o objetivo de preparar o aluno para escolher o itinerário no médio.

Na rede privada, o tempo integral, inclusive no infantil e no fundamental, tornou-se tendência por aliar as questões pedagógicas à praticidade para as famílias.

Há instituições tradicionais sendo totalmente convertidas à modalidade, como o São Luís, que trocará o prédio próximo à avenida Paulista por uma sede maior ao lado do parque Ibirapuera (zona sul), planejada para que as crianças e os jovens lá permaneçam manhã e tarde, com mensalidades entre R$ 3.300 e R$ 5.900.

Projeto da nova sede do Colégio São Luís, com áreas verdes, que ficará em área próxima ao parque Ibirapuera, em SP
Projeto da nova sede do Colégio São Luís, que ficará em área próxima ao parque Ibirapuera, em SP - Divulgação

“O tempo regular é apertado, precisamos recuperar a tranquilidade no processo de desenvolvimento dos alunos para que não haja sobrecarga de conteúdo e o ritmo permita retomada pelo gosto de aprender”, diz a diretora Sônia Magalhães.

O Castanheiras, em Alphaville (Grande SP), decidiu reformular toda a escola para o período integral a partir do ano que vem. A fim de facilitar o engajamento, a direção decidiu não repassar por ora o custo aos pais, que pagam mensalidades em torno de R$ 4.000. O colégio já tinha matérias eletivas, que serão reorganizadas nos itinerários e se tornarão obrigatórias.

A conversão do optativo em conteúdo curricular é tendência na adequação à lei. No Santa Maria, de Interlagos (zona sul), que também iniciará o novo ensino médio em 2020, o pré-vestibular antes opcional no 3º ano será a obrigatório. Segundo o diretor do médio, Silvio Freire, a concentração ao fim do curso no preparo para as provas será mantida “enquanto os processos seletivos seguirem o padrão atual”.

Atividades em laboratórios serão reforçadas no colégio, cujas mensalidades foram reajustadas para o integral e giram entre R$ 3.000 e R$ 3.500, e as eletivas, oferecidas já há dez anos, serão ampliadas a fim de compor todos os itinerários, que desde setembro passaram a ser escolhidos pelos alunos do 9º ano.

Tanta mudança exige investimento na formação educadores, e esse é outro impasse principalmente na rede pública. O ensino à distância (EAD) deve ser um caminho, a exemplo do que começa a ser feito em São Paulo para preparar os professores para as aulas de projeto de vida e as eletivas (a carga horária, porém, ainda é curta, apenas 30 horas, com plano de subir para 60).

No mês passado, o Sesi firmou parceria com o Instituto Singularidades para preparar para o novo ensino médio 800 profissionais. Serão 140 horas para coordenadores e 300 horas para docentes. “Entendemos que a transição será difícil, mas a mudança é necessária. A BNCC prevê um aluno mais engajado, e isso é melhor também para o professor”, diz Sofia Magalhães, supervisora pedagógica do instituto. É preciso sair da zona de conforto, ela diz, e depois corrige: da zona de desconforto.

 
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