Lumiar vende pacote de inovação para outras escolas

Colégios podem mudar nome e se tornar franquias ou comprar só metodologia

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São Paulo

O que antes era visto como “alternativo” na educação agora virou moda e criou espaço para um nicho no mercado das escolas: o do “pacote inovação”. 

Um produto assim foi desenvolvido pela Lumiar, inaugurada em 2003, em São Paulo, com a proposta de ensinar conteúdos através de projetos, ter turmas com diferentes idades, colocar o interesse dos alunos no centro do aprendizado e avaliá-los com relatórios —as provas tradicionais, quando ministradas, têm pouco peso na avaliação.

São métodos experimentados em diferentes países por volta das décadas de 1960 e 1970, muitas vezes baseados em educadores de esquerda, que foram se disseminando internacionalmente ao longo dos anos e que hoje configuram como estrelas de apostas capitalistas na educação.

No centro do projeto Lumiar está a divisão do papel do professor nos de tutor e de mestre. Os tutores acompanham o cotidiano dos alunos e os auxiliam no desenvolvimento de suas habilidades. 

Já os mestres são especialistas em temas variados, não têm de ser professores —um médico pode dar aula sobre o sistema respiratório; um escritor, a respeito de gêneros literários; um refugiado, sobre a crise migratória.

A Lumiar foi criada por Ricardo Semler, 60, conhecido pela reestruturação que implementou nos anos 1980 na empresa da família, a Semco, e pelos livros que lançou com essa história e com dicas de administração, que superaram 2 milhões de exemplares vendidos em mais de 30 línguas.

O empresário acaba de fechar uma parceria entre a Lumiar e o Atmo Educação, grupo de investimentos com mais de 20 escolas em Santos, Campinas e São Paulo, sendo uma delas adquirida neste ano, a Lourenço Castanho, fundada em 1964 na capital paulista e voltada à classe A.

A negociação revela como se diversificou no Brasil o mercado privado de educação, especialmente o da chamada nova pedagogia —apesar de críticas por parte de educadores mais conservadores, como a de que o aprendizado do conteúdo é prejudicado ou a de que há excesso de protagonismo dos alunos, o que enfraqueceria o papel do professor.

A parceria prevê o início de uma rede de franquias, e a Lumiar também pretende lançar escolas próprias —considerando os dois modelos de negócio, a projeção é a abertura de 50 unidades nos próximos cinco anos.

A Lumiar também criou uma espécie de cardápio de produtos para instituições de ensino. Escolas já existentes podem se tornar “Full Lumiar” (Lumiar completa), adaptando integralmente sua metodologia e trocando seu nome para Lumiar, tanto na rede privada quanto na pública.

A parceria público-privada, aliás, como a que deu origem à escola comunitária Aldeia Lumiar, inaugurada neste ano em Porto Alegre, é uma bandeira de Semler para a disseminação da metodologia na rede gratuita.

A primeira unidade pública foi a de Santo Antônio do Pinhal (SP), de 2006. Quatro municipais de Porto Alegre estão em fase de implementação da metodologia e começarão a funcionar em 2020. Essas unidades, segundo Semler, fazem parte do braço sem fins lucrativos do grupo.

Na capital do Rio Grande do Sul existe também uma Lumiar privada, pertencente a outros proprietários que licenciaram a marca, assim como a Lumiar Poços de Calda, em Minas Gerais, e a de Stowford, na Inglaterra.

Como modelo da concepção “Full Lumiar”, será inaugurada no próximo ano a nova unidade em Pinheiros (zona oeste de São Paulo), na qual o Atmo investiu R$ 5 milhões, e que substituirá a sede da rua Bela Vista, a primeira do grupo. 

Chamada internamente de “flagship” (algo como “loja conceito”), atenderá 500 alunos em sistema integral bilíngue, com mensalidades em torno de R$ 4.500. Entre os diferenciais, digamos, moderninhos, terá salas com paredes móveis, que se adaptam a diferentes atividades, e oferecerá coworking para os pais.

As escolas interessadas também podem manter seu nome e adotar a metodologia Lumiar (o que o cardápio chama de “Powered by Lumiar”, ou alimentada pela Lumiar), como a Key Academy, de Lagos, na Nigéria.

Para aproveitar a tendência das escolas privadas de ampliar a carga horário para integral, o grupo colocou na prateleira o “contraturno Lumiar”. O colégio pode seguir sua metodologia no horário das aulas, mesmo que ela seja mais conservadora, e depois oferecer atividades desenvolvidas pela Lumiar dentro desse conceito de inovação.

A menina dos olhos do grupo, contudo, é uma plataforma online que traz todo o processo de aprendizagem e avaliação. Batizada de mosaico digital, é alimentada pelos tutores com conceitos dos alunos ao longo dos anos, no conteúdo (como o aluno está na multiplicação, por exemplo) ou nas habilidades (trabalho em grupo, empatia etc.).

Recém-lançado, o mosaico digital foi desenvolvido nos últimos cinco anos e impulsionou a parceria com o Atmo. Foi adquirido fora do Brasil pela Real School, de Budapeste (Hungria), e pela Vail Mountain School, do Colorado (EUA).

Semler disse à Folha que o mosaico traz 1.400 projetos para conteúdos variados, todos conectados com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que determina o que deve ser ensinado em cada nível escolar. 

Ou seja, o professor pode procurar, por exemplo, quais projetos trabalham equações matemáticas ou história da escravidão no Brasil, de acordo com o que define a BNCC. 

Aí estaria a chave para a disseminação comercial da Lumiar: “Quando as escolas utilizam projetos para ensinar, não há como garantir que vão dar conta de todo o conteúdo obrigatório. Além disso, nas escolas mais alternativas, a metodologia costuma estar na cabeça dos donos, e essa é a dificuldade para a expansão do negócio”, afirma Semler. Segundo ele, o mosaico torna a metodologia escalável no mercado, ou seja, capaz de se propagar.

Sócio do Atmo, Gustavo Rabelo Frayha reforça a ideia de que há um risco para as instituições “quando toda a proposta está na cabeça dos donos”. “Estamos vendo no mercado que os colégios assim, muito dependentes de seus proprietários, passam por problemas de sucessão.”

O Atmo tornou-se 100% proprietário da unidade de Pinheiros —há no grupo uma segunda particular, bilíngue, em Santo Antônio do Pinhal. 

Do grupo Lumiar, que envolve o licenciamento da marca e a metodologia, o Atmo tem 2% e o restante é dividido em 49% dos fundadores, o casal Ricardo e Fernanda Semler, e 49% de Daniel Castanho, sócio do grupo Ânima, um dos maiores do país em educação, com 115 mil alunos em instituições como a Universidade São Judas e a Le Cordon Bleu São Paulo.

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