Brasil perdeu ímpeto na educação, diz diretor da OCDE

Prova da entidade avaliará criatividade, área na qual brasileiros não vão bem

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São Paulo

Há dois anos, Andreas Schleicher, uma das maiores autoridades em avaliação educacional do mundo, ainda via o copo meio cheio ao falar do desempenho do Brasil no setor. Mas, diante dos resultados mais recentes do Pisa, prova internacional da educação básica, até ele recolheu o olhar otimista.

“O Brasil perdeu um pouco do seu ‘momentum’”, diz à Folha o diretor de educação da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), empregando a palavra latina muito usada na língua inglesa para designar janelas de oportunidade.

E, se o país perdeu o ímpeto que parecia ter adquirido nas disciplinas tradicionais, ele também não está em patamar promissor em algo considerado fundamental para a era atual: a criatividade.
Segundo Schleicher, os estudantes brasileiros são melhores em tarefas que pedem respostas certas do que nas que exigem pensar além.

Na mais recente edição do Pisa, aplicada em 2018 e divulgada no ano passado, os alunos de quatro províncias chinesas (Pequim, Xangai, Jiangsu e Zhejiang) se destacaram, alcançando o primeiro lugar nas três disciplinas avaliadas.

O Brasil ficou em 42º em leitura, em 58º em matemática e em 53º em ciências. O relatório apontou que, desde 2009, o desempenho do país não tem melhora significativa em nenhuma das disciplinas.

No documento anterior, de 2016 (a avaliação é trienal), a performance também não foi boa, mas a OCDE havia ressaltado como positiva a inclusão de jovens na escola.

Schleicher vem ao Brasil nesta semana para participar de um seminário internacional sobre criatividade e pensamento crítico na escola promovido pelo Instituto Ayrton Senna. O evento acontece na quinta-feira (5).

Por que a OCDE decidiu avaliar pensamento criativo? As coisas que são fáceis de se ensinar e fáceis de se avaliar estão também prestes a se tornar fáceis de se automatizar. O advento da inteligência artificial nos leva a pensar muito sobre o que nos torna humanos, e isso certamente inclui nossa capacidade de imaginar, criar e desenvolver. No mundo em que vivemos, criatividade não é só um valor humano, é também um valor econômico muito importante.

Recentemente, países melhoraram no Pisa, como Portugal, e atribuíram isso a investir no básico, como português e matemática . Outros, como a Finlândia pioraram, ao mesmo tempo em que têm adotado práticas mais associadas à criatividade, como ensino por projetos. Pode-se associar a melhora ou piora desses países a esses fatores? É muito difícil associar o que fazemos hoje ao que alcançamos amanhã. Às vezes, os resultados de aprendizagem que medimos em Pisa são um acumulado do que aconteceu em um longo período de tempo. E a Finlândia sempre valorizou muito as competências criativas, não é algo novo. O currículo de lá tem poucas páginas se você comparar com o do Brasil, que tem muitas. E Portugal é um país que certamente agora está dando muito mais ênfase às habilidades de pensamento criativo do que no passado.

Desenvolver criatividade na escola significa negligenciar conteúdo? Criatividade e conhecimento não são polos opostos, são dois lados da mesma moeda.
O mundo moderno não te recompensa mais pelo que você sabe, o Google agora sabe tudo. Nem se você pode reproduzir o que você sabe, isso um smartphone faz.
O mundo moderno te recompensa pelo que você pode fazer com o que sabe, por como você usa seu conhecimento. Alguns sistemas educacionais se tornaram bons para criar robôs de segunda classe, as pessoas viraram boas em repetir o que é dito a elas. A criatividade é uma importante habilidade de mobilização de conhecimento. Desenvolvê-la significa construir habilidades criativas no conteúdo ensinado, não tirar algo dele.

Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE - Bruno Coutier - nov.2016/AFP

Pode-se fazer isso na sala de aula tradicional, com práticas como aulas expositivas, ou é preciso usar estratégias alternativas como ensino baseado em projetos? Não devemos associar criatividade a práticas didáticas específicas. O ensino baseado em projetos pode ser uma maneira de propor problemas que demandam criatividade, mas é possível promover habilidades criativas mesmo em uma aula expositiva.

O que os professores precisam fazer nesse caso? Se você quer que seus alunos sejam criativos, é necessário permitir que eles experimentem; se experimentarem, eles cometerão erros; se cometerem erros, será preciso ajudá-los a aprender com eles. Se penalizamos os erros, se só pedimos a resposta certa, eles não serão criativos. Professores precisam dar espaço para os alunos desenvolverem seu próprio raciocínio e isso não é algo em que os estudantes brasileiros sejam muito bons hoje.

Países que vão bem no Pisa em ciências, leitura e matemática tendem também a ir melhor em pensamento criativo? É muito uma questão de como ensinamos. Por exemplo, matemática. Se a ensinarmos simplesmente passando equações e fórmulas, orientando a decorar respostas, provavelmente os alunos não serão muito criativos.

Se focarmos mais na capacidade de pensar como um matemático, ou de usar a matemática para resolver problemas do mundo real, provavelmente veremos estudantes que são bons tanto na parte cognitiva como na criatividade. Mas não acho que exista uma correlação automática entre as duas habilidades.

Com base no que já sabemos do Pisa, acha que países asiáticos terão bom desempenho também em pensamento criativo? Alguns países enfatizam muito o pensamento criativo. Singapura, por exemplo, vai muito bem no conteúdo, mas também promove criatividade. Não tenho certeza, talvez a Coréia do Sul vá bem no conteúdo e não tão bem em habilidade criativa. Mas não devemos pensar que, se ensinarmos mais conhecimento, os alunos serão menos criativos. Isso também está errado.

O tempo que os estudantes passam usando smartphone é algo preocupante ou algo que pode ajudar no desenvolvimento da criatividade? A tecnologia pode melhorar o ambiente de aprendizagem, torná-la mais interativa e dinâmica, potencializar o pensamento criativo. Mas também pode distrair e tornar o aprendizado superficial se os alunos apenas respondem às perguntas do computador.
Se você quer tecnologia, é preciso ter professores incríveis. Acho que é um complemento.

Há dois anos, em entrevista à Folha, o senhor classificou o Brasil como um dos poucos casos de sucesso na América Latina. Mantém a avaliação após o Pisa 2018? Eu estava falando do início dos anos 2000. Se você olhar para o período do primeiro ciclo da Pisa até 2009, você pode ver melhoria de qualidade, mais crianças na escola. Mas isso não está mais muito claro. Eu acho que o Brasil perdeu um pouco do seu ‘momentum’ [janela de oportunidade]. Há coisas promissoras, como o currículo nacional, que promete deixar claro o que se espera de uma boa educação. Mas, para ser franco, nos últimos cinco anos vejo uma perda no ‘momentum’ em relação ao começo dos anos 2000.

O relatório do Pisa apontou que o clima escolar no Brasil tem alguns problemas. Alunos são menos confiantes do que a média da OCDE, e professores perdem mais tempo de aula para controlar e disciplina. Esses podem ser obstáculos ao desenvolvimento do pensamento criativo? É preciso um clima de aprendizagem muito positivo para aprimorar a criatividade. Estudantes precisam se concentrar para trabalhar juntos.

Quais as suas outras impressões sobre o desempenho do Brasil? O desafio da criatividade no Brasil é real, porque o sistema é muito melhor para ensinar algo aos alunos do que para lhes dar suas próprias ferramentas. Criatividade não diz respeito só ao que se aprende. Trata-se também de encontrar maneiras de mobilizar seus recursos cognitivos, sociais e emocionais, e eu não acho que essa seja uma força na educação brasileira hoje.

E por que digo isso? Porque hoje os estudantes brasileiros são muito melhores em tarefas que exigem uma resposta certa do que naquelas em que é preciso pensar de forma criativa, ou crítica, ou onde a resposta não é tão clara e depende do contexto. É algo para se trabalhar.

Destaques do Pisa 2018

China
Pequim, Xangai, Jiangsu e Zhejiang ficaram em primeiro lugar em ciências, matemática e leitura. Outras províncias, como Macau, também se destacaram.

Brasil
Ficou em 42º em leitura, em 58º em matemática e em 53º em ciências

estados unidos
11º lugar em leitura, 30º em matemática e 16º em ciências.

Europa
Estônia foi destaque, com 5º lugar em leitura, 8º em matemática e 4º em ciência.

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