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Coronavírus também gera uma perigosa pandemia de desinformação

Em situações críticas como a que vivemos, torna-se ainda mais urgente garimpar informações apuradas com cuidado

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São Paulo

Se você vive no planeta Terra, não deve ter escapado da enxurrada de vídeos, áudios, memes e toda sorte de mensagens sobre o novo coronavírus.

Não só na TV, no rádio ou nos jornais, mas principalmente em grupos de WhatsApp, no Twitter e nas demais redes sociais a pandemia virou o assunto mais comentado e debatido das últimas semanas.

Neste cenário de pulverização da autoria (muito positivo por dar voz a mais pessoas), cresce a nossa responsabilidade no trato com a informação — e isso vale ao consumir, compartilhar ou produzir novos conteúdos.

Sem reflexão e responsabilidade, a pandemia vem acompanhada de outro fenômeno: a “infodemia”. E, infelizmente, já há vários sinais de que vivemos uma.

A própria Organização Mundial da Saúde (OMS), em meio aos esforços de combater a proliferação do vírus, teve também de se preparar para combater outro surto, o da desinformação.

“A eclosão do Covid-19 e as reações geradas têm sido acompanhadas de uma massiva ‘infodemia’ — uma superabundância de informação, algumas precisas e outras não — que torna difícil para as pessoas encontrarem fontes e orientações confiáveis quando precisam”, destacou a OMS em um importante relatório sobre o novo coronavírus, divulgado ainda no início de fevereiro.

“Devido à alta demanda por informação precisa e atualizada sobre o Covid-19, as equipes de comunicação de risco e de mídias sociais da OMS estão trabalhando conjuntamente para rastrear e responder os mitos e rumores.”

Por que a OMS “perde tempo” em monitorar as informações sobre o vírus, além de fazer o trabalho central de orientar as políticas públicas na área de saúde? Porque informação — ou melhor, desinformação — pode prejudicar tanto quanto a doença. E até matar.

Na Irã, dezenas de pessoas morreram após beber álcool adulterado, acreditando em um boato que dizia que a bebida ajudaria na cura do novo coronavírus.

Exemplos menos dramáticos, mas ainda assim prejudiciais, têm aparecido quase diariamente no Brasil. Em geral, surgem como mensagens anônimas compartilhadas à exaustão em grupos de WhatsApp (atribuindo a cura da doença a ingredientes triviais como o vinagre, por exemplo).

Mas a desinformação também está na boca de pessoas públicas que, sem quaisquer evidências, disseminam teorias da conspiração, como a de que a pandemia é um plano mirabolante do governo chinês para minar a economia dos demais países, derrubar as bolsas de valores e, então, comprar ações e conquistar o mundo.

Em situações críticas como a que vivemos, torna-se ainda mais urgente garimpar informações apuradas com cuidado, baseadas em dados científicos e que se escoram em fontes qualificadas —premissas do bom jornalismo, que podem e devem ser adotadas por todos nós quando atuamos nas redes sociais.

Quando a desinformação mata, informação de qualidade também é vacina.

Num esforço para que mais pessoas tenham acesso a dados checados, grandes veículos de comunicação derrubaram o chamado paywall, tornando gratuito o acesso às reportagens relacionadas ao coronavírus.

Há também muitos casos de consumo e produção de conteúdo responsável nas redes sociais, fora do jornalismo profissional.

Educadores, médicos e cientistas, por exemplo, “traduziram” conceitos importantes e complexos sobre a pandemia em GIFs e hashtags. Essas novas formas de linguagem fizeram com que informações de qualidade alcançassem um volume considerável de pessoas em pouco tempo.

Para citar uma: a #flattenthecurve (#achateacurva, em português) e os gráficos em movimento que a acompanharam explicaram por que distribuir os casos do novo coronavírus ao longo do tempo (evitando um pico no curto prazo) é vital para que os sistemas de saúde não entrem em colapso.

Memes —criados com cuidado e responsabilidade— também contribuíram para reforçar a indicação dos órgãos competentes de que é preciso lavar as mãos com frequência e praticar a “etiqueta respiratória”, evitando beijos e abraços, por exemplo.

Todos estes são formatos de comunicação relativamente novos e, como muita coisa na vida, podem ser usados para o bem ou para o mal. É nessa fronteira que a escola tem papel dos mais relevantes, expandindo o conceito de alfabetização para que crianças e jovens sejam capazes de “ler e escrever” de forma reflexiva, cuidadosa e empática nas mais diversas plataformas.

Crises globais como a do novo coronavírus são desafiadoras e trágicas. Mas também podem nos oferecer oportunidades de mudanças de hábitos mais duradouros pelo bem de todos.

Se mais nada puder ser feito enquanto as escolas estão fechadas, que pelo menos a gente leve adiante a mensagem de Peter Adams, vice-presidente de educação no News Literacy Project:

“O equivalente a gastar 20 segundos lavando as mãos também funciona muito bem para a informação. Se você tirar 20 segundos, investigar a fonte, fazer uma busca rápida no Google e manter-se cético, podemos eliminar uma boa dose da confusão gerada pela desinformação.”

A pandemia mais midiática da história mostra que a educação também precisa ser midiática.

Daniela Machado

Coordenadora do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta

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