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Weintraub defende entregar merenda aos pais, mas estados pedem repasse pelo Bolsa Família

Circulação restrita é impedimento para ideia do ministro; uso do programa de renda requer mudança na lei

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Brasília

O desafio de manter o fornecimento de merenda escolar a alunos pobres durante a crise de coronavírus causou novo atrito entre o ministro Abraham Weintraub (Educação) e secretários estaduais.

Parte dos estudantes depende da alimentação distribuída nos colégios. Para conter o avanço da Covid-19, todos os estados já suspenderam as aulas.

Em postagem em redes sociais, no sábado (21), Weintraub afirmou buscar uma solução para o problema com os secretários de Educação.

Segundo o ministro, a saída mais indicada é a distribuição de kits com merenda pelas escolas. A medida, porém, já foi descartada por dirigentes por causa da restrição de circulação nas cidades.

O Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) fechou consenso para que os recursos de merenda escolar sejam destinados para alunos beneficiários do Bolsa Família.

A deputada Professora Dorinha (DEM-TO) já redige um projeto de lei para permitir, de modo temporário, o uso do cadastro do programa social, após tratativas com a entidade.

Depois da postagem de Weintraub, o Consed publicou nota em afirma que "nenhum diálogo foi estabelecido, até o presente momento, entre o MEC e o Consed a respeito do tema da alimentação escolar".

O conselho argumentou a favor da inclusão do dinheiro via Bolsa Família. A entidade disse que a ideia do ministro está desalinhada aos esforços dos estados e é impraticável.

Como as redes públicas de ensino do país já determinaram a interrupção de atividades, os secretários não veem viabilidade na proposta de entregar alimentos para as famílias.

Isso provocaria custos de transportes para os pais e forçaria o trabalho de equipes nas escolas. A ideia perde força diante da imprevisibilidade da duração das medidas de restrição de circulação.

"Seria impossível que as escolas distribuam alimentos para todos. Estamos de acordo com essa saída, que atinge quem mais precisa", disse a presidente do Consed, Cecília Motta.

Secretários estaduais e municipais de Educação enfrentaram uma série de dificuldades em 2019 por causa da atuação do MEC. Os dirigentes ficaram em compasso de espera por informações de continuidade de políticas educacionais e houve atraso em repasses.

No entanto, ainda não há cálculos sólidos de qual seria o benefício extra, uma vez que os recursos federais representam a menor parcela dos gastos totais com a merenda (estados e municípios ficam com os maiores gastos).

O Brasil tem 48 milhões de alunos na educação básica (da creche ao ensino médio). Até o ano passado, 13,8 milhões eram beneficiados pelo Bolsa Família e estariam no foco da ação.

Transferir recursos que são de merenda diretamente para alunos, e apenas para parte deles, exige alteração na lei.

A deputada Dorinha já negociou o trâmite com líderes partidários e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que o texto seja levado a voto na quarta-feira (25).

"O objetivo maior é que, sem concentração de gente nas escolas, vamos aproveitar o desenho de uma política que já temos", disse Dorinha.

O projeto deve ainda criar respaldo legal para ações de transferência já realizados por governo locais, como o Distrito Federal. Também haverá um regramento para a distribuição dos alimentos que já estão nas escolas, de forma emergencial.

O MEC coordena a Pnae (Política Nacional de Alimentação Escolar), que transfere valores para as redes com base no número de alunos e níveis de ensino.

Esses recursos são suplementares ao gastos de municípios e estados e representam valores diários por aluno entre R$ 0,32 a R$ 1,07 —isso levando em conta todos os estudantes das escolas públicas.

Somente recursos federais seriam distribuídos por meio do Bolsa Família. Para 2020, o orçamento do Pnae é de R$ 4,1 bilhões —desses, R$ 756 milhões já foram pagos às redes até agora.

Ainda há discussões para inclusão nesse montante dos recursos federais de apoio a transporte escolar, uma vez que as escolas estão fechadas e que, sem recurso de estados e municípios, o Pnae tem sérias limitações.

O orçamento do MEC prevê R$ 720 milhões neste ano para apoio ao transporte (R$ 64,5 milhões já foram executados). Esse ponto, entretanto, ainda carece de acordo com redes municipais.

A ideia de usar o Bolsa Família veio do secretário de Educação de Santa Catarina, Natalino Uggioni.
Segundo ele, é preocupante organizar a questão logística para que escolas entreguem alimentos para família.

"Estamos vivendo tempos de imprevistos, e nenhuma legislação prevê isso", disse. "Não sabemos quanto tempo as escolas vão ficar fechadas e temos de pensar em medidas para um país continental."

As medidas relacionadas ao coronavírus têm sido discutidas em um comitê temático que envolve MEC, Consed, Undime (órgão que reúne secretários municipais de Educação) e outras entidades. Esse grupo também tem se debruçado sobre o calendário escolar.

Os conselhos de Educação de estados como São Paulo e Santa Catarina já editaram regras para substituir aulas presenciais por atividades a distância na educação básica.

Essas medidas vão no sentido de considerar 800 horas horas de atividades escolares obrigatórias, sem levar em conta a necessidade de cumprir os 200 dias letivos de aulas presenciais.

O desafio é garantir ensino e aprendizagem a todos os alunos, principalmente aos que não têm computador ou internet em casa. Alunos mais novos, de educação infantil e alfabetização, teriam ainda maior dificuldade.

A interlocutores Weintraub tem dito que 2020 será um ano atípico e atividades não presenciais serão aceitas para cumprir o ano letivo, em detrimento da obrigatoriedade dos 200 dias.

Avaliações federais, como o Enem, estão mantidas até agora.

O tema ainda está em aberto, mas a tendência entre os secretários é que não haja previsão de reposição de aulas e a educação a distância seja a solução.

O presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, diz que é necessário buscar mecanismos para garantir a o acesso à totalidade do alunos.

"Corremos o risco de aumentar ainda mais o fosso da desigualdade, com reflexos para os outros anos", afirmou.

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