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O ensino de ciências precisa ser pop

Em meio a pandemia, cresce a popularidade de divulgadores científicos na internet

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Na última terça-feira (14), o biólogo e comunicador científico Átila Iamarino postou em sua conta no Twitter um resumo de um estudo de pesquisadores da Universidade Harvard, publicado na revista Science, sobre o novo coronavírus.

Em linhas bem gerais, seus tweets afirmavam que a pesquisa prevê distanciamento e quarentena, prolongada ou alternada, pelos próximos dois anos caso não tenhamos uma vacina para a doença.

O tweet de Iamarino teve dezenas de milhares de reações entre curtidas e compartilhamentos, gerando debates e ataques na rede sobre o suposto tom alarmista de sua fala, colocando o biólogo entre os assuntos mais comentados da plataforma naquele dia. O estudo ao qual ele se referia também ganhou destaque nos grandes portais notícias do país.

Iamarino é doutor em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP) e possui pós-doutorado pela Universidade de Yale. Está longe de ser um novato nas redes sociais, mas no momento em que a Covid-19 assola o Brasil tornou-se um fenômeno da divulgação científica por aqui, alcançando em meados de abril quase 1 milhão de inscritos apenas no seu canal no YouTube.

Desde março, já esteve no centro do Roda Viva, da TV Cultura, realizou uma live com o apresentador Luciano Huck e concedeu inúmeras entrevistas para veículos de comunicação sobre os efeitos da pandemia em território nacional.

Sua popularidade é um reflexo óbvio da busca frenética de informações acessíveis sobre a doença para além do que está disponível na grande imprensa e nos sites e canais das autoridades de saúde, uma vez que publicações científicas de nicho seguem sendo um desafio para o público em geral, algo que escancara o já tão conhecido –e criticado– fosso entre o mundo da ciência e a população “leiga”.

Nesse contexto, o papel do comunicador científico na internet é um ótimo exemplo para expressar uma necessidade urgente que a pandemia na era da informação escancarou: o ensino de ciências não pode estar descolado da educação midiática. E isso precisa começar desde cedo nas escolas.

É claro que ser educado midiaticamente –ou seja, discernir entre fontes confiáveis de informação, analisar criticamente os conteúdos que recebe e participar das redes sociais de maneira cidadã, entre outras habilidades– é algo que engloba todas as disciplinas exigidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Mas áreas como biologia e química são emblemáticas nesse caso porque a desinformação sobre questões de saúde pública impacta diretamente a vida individual e em sociedade. Quem ouvir e como ouvir, distinguindo entre fatos e opiniões, é, mais do que nunca, uma habilidade vital.

O movimento antivacina é o exemplo mais concreto disso. Por meio das redes sociais, grupos contrários à imunização atuam disseminando mensagens anticiência, o que provocou a reação de plataformas como YouTube, Twitter e Facebook no que tange à publicação e monetização desses conteúdos que alcançam milhares de pessoas.

Dados da pesquisa “As fake news estão nos deixando doentes?” (2019), realizada pela Avaaz em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), mostrou que sete em cada dez brasileiros já acreditaram em alguma informação mentirosa sobre vacinas.

Se considerarmos que os jovens utilizam essas plataformas sociais para se informar, a demanda por um ensino de ciências que não deixe de lado o fator midiático se torna ainda mais imperativa. O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) revelou, em 2019, que 73% dos brasileiros entre 15 e 24 anos consomem conteúdos sobre ciência e tecnologia justamente no Youtube.

A boa notícia é que existem diversos canais como o de Iamarino produzindo e divulgando dados e estudos sobre ciências de maneira didática, caso do paleontólogo Paulo Miranda Nascimento, conhecido na internet como Pirulla, e do biólogo Vinícius Ferreira, do canal Papo de Biólogo.

Mas também há casos como o do youtuber autuado pela Polícia Civil do Paraná por disseminar informações mentirosas sobre a imunização contra o coronavírus para seus mais de 150 mil seguidores.

As opções são infinitas para o bem e para o mal. Orientar os jovens a construírem um leque diverso de fontes confiáveis para buscar conteúdos sobre ciências é uma maneira de garantirmos cidadãos mais responsáveis e com condutas mais éticas, tanto individual como coletivamente, em um futuro próximo, seja ele pandêmico ou não. É, no mínimo, uma maneira de combater o negacionismo científico, restaurando a confiança em pesquisadores, acadêmicos e médicos –claro, nas próximas gerações.

Mariana Mandelli

Coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

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