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Pandemia expõe despreparo de influenciadores

Audiência mais crítica cobra menos superficialidade das celebridades digitais, que não entregam

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São Paulo

Uma festa promovida pela influenciadora Gabriela Pugliesi movimentou o último fim de semana de abril nas redes sociais, provocando a ira de grande parte do público que a acompanha e também daqueles que mal sabiam de quem se tratava.

Em uma atitude que contraria totalmente a quarentena, a blogueira de mais de 4 milhões de seguidores recebeu outras influenciadoras em sua casa e postou fotos e vídeos do encontro no Instagram – em uma das postagens, dizia “Foda-se a vida”. Naquele domingo, o Brasil já registrava mais de 4 mil mortos por Covid-19.

Festa de Gabriela  Pugliesi
Festa de Gabriela Pugliesi : influencer quebra quarentena, posta fotos na internet, apaga e pede desculpas - Reprodução

A repercussão negativa foi tão grande que diversas empresas que patrocinavam Pugliesi afirmaram que romperam contrato, usando as redes para defender as orientações das autoridades de saúde e afirmar que não concordam com esse tipo de conduta – posicionamento este foi exigido por milhares de internautas revoltados que foram aos perfis das marcas exigir uma atitude.

Essa não é a primeira vez que Pugliesi, que se tornou celebridade por exibir um estilo de vida fitness, ganha manchetes e vira um dos assuntos mais comentados nas redes.

Entre outras polêmicas, seu nome já esteve envolvido em disputa com o Conselho Regional de Educação Física do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Cref1) por exercício ilegal da profissão de educador físico. Ela também foi criticada por, após contrair o novo coronavírus, publicar um texto em que “agradecia” à doença por fazê-la repensar atitudes, o que foi visto por seus seguidores como falta de empatia com quem está sofrendo com os diversos impactos sociais trazidos pela Covid-19.

O papel dos influenciadores digitais, essas pessoas com muitos seguidores nas plataformas digitais e, portanto, com capacidade de influenciar opiniões e comportamentos, especialmente no que tange ao consumo, vem sendo extensamente debatido nos últimos anos. No entanto, ninguém previu que uma pandemia poderia acelerar certos processos já em curso e impor novos cenários.

Se não podemos sair de casa, como ficam os posts de look do dia, com roupas das últimas coleções enviadas por lojas, e as fotos de viagens para lugares paradisíacos patrocinadas por agências? Com empresas cortando verba de marketing, quem vai pagar por campanhas e posts de “recebidos do dia”, onde são exibidos os presentes enviados pelas marcas? Com milhões de pessoas sem emprego e dependendo de auxílio emergencial, quem vai comprar os produtos promovidos por esses influenciadores?

Em um contexto crítico de revisão de relações de consumo e ressignificação de relações sociais, como vender um estilo de vida que não existe mais –ou, em poucas palavras: o que vai ser da “cultura influencer”?

Diversos veículos estrangeiros, como Vanity Fair, Forbes, Wired e o jornal The New York Times vêm publicando reflexões para tentar responder essas e outras perguntas e apontar tendências para esse mercado que movimenta milhões anualmente especialmente entre o público jovem – no Brasil, um levantamento de 2019 do Ibope Inteligência mostrou que 52% dos internautas seguem algum digital influencer, sendo que na faixa etária entre 16 e 24 anos essa porcentagem salta para 75%.

É óbvio dizer que influenciadores têm grande responsabilidade sobre os conteúdos que postam, curtem e compartilham, e é muito positivo que a audiência perceba incongruências entre discursos e atitudes, mas a pandemia de Covid-19 parece apontar para uma intolerância à superficialidade e à glamourização promovida por muitas dessas celebridades virtuais, justamente quando estamos mais online do que nunca.

O crescimento da audiência de influenciadores dedicados à divulgação científica e causas sociais pode ser um aspecto desse movimento.

Tudo isso pode trazer mudanças profundas e perenes no tipo de conteúdo que é produzido e consumido nas redes. A consultoria YouPix, dedicada a discutir a cultura digital, indica que haverá uma redefinição do que significa influência digital, reforçando a responsabilidade e o papel social dos influenciadores e a necessidade do meio empresarial repensar valores e investir em reputação.

A concretização dessas tendências precisa vir acompanhada de ações de educação midiática que reforcem nas crianças e jovens o consumo responsável e crítico de conteúdos online e offline com os quais eles se identifiquem e que combinem com seus valores. Saber ler criticamente e participar de forma ativa do mundo conectado em que vivemos é uma demanda urgente.

Isso tudo passa pela orientação dos pais e, claro, da escola, e não só por exigência da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas pelo fato de que a construção da ideia de cidadania não pode mais desprezar o digital. Uma geração educada midiaticamente será capaz de construir redes mais empáticas, éticas e saudáveis para lidar com desafios imprevisíveis – como é o caso de uma pandemia.

Mariana Mandelli

Coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

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