Pandemia leva pais a tirarem filhos de escolas de ensino infantil e põe setor em risco

Escolinhas chegam a perder 25% dos alunos; turmas de 0 a 3 anos são as mais atingidas

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São Paulo

A crise econômica causada pela pandemia de Covid-19 tem atingido a educação infantil privada. Com renda reduzida e sem perspectiva de retorno das atividades presenciais, pais têm desmatriculado filhos pequenos.

Escolas da cidade de São Paulo ouvidas pela Folha relatam perda de 10% a 25% dos alunos do segmento.

A legislação estabelece que o ensino é obrigatório a partir dos quatro anos. Por isso, as turmas que recebem as crianças da faixa etária de 0 a 3 são as mais atingidas.

Sindicato que representa os professores do ensino privado em São Paulo, o Sinpro analisou 87 acordos de suspensão e redução de salários de estabelecimentos educacionais na capital paulista desde o início da pandemia.

Desses, 52 (60%) são da educação infantil. O número real de acordos é maior, porque ainda há termos em análise, e grande parte deles não é comunicada ao sindicato.

Painel sobre o coronavírus em escola municipal de SP
Painel sobre o coronavírus em escola municipal de SP; crise pode pressionar rede pública de ensino - Ana Karla Muner/Prefeitura de SP

Entre as razões que têm levado pais a desmatricular seus filhos estão questões financeiras e insatisfação com o ensino remoto para as crianças mais novas.

A economista Maria Helena (nome fictício), que pediu para não ser identificada, decidiu tirar da escola neste mês o filho de dois anos pelos dois fatores.

“Quando tudo começou, mandavam atividades com farinha, papel crepom, massinha. Dava um mega trabalho conseguir todo o material e acompanhá-lo, e ele não estava gostando. Depois, começaram os vídeos, e ele ficava super mexido cada vez que via os colegas e os professores”, diz.

A falta de um desconto significativo também pesou. “Se fosse um valor razoável, a gente mantinha para dar uma força, mas o faturamento da empresa do meu marido foi a zero. Ele também tem gente para pagar”, afirma.

Com uma filha de três anos, a advogada Fabiana Pinheiro Ferreira também optou pela desmatrícula.

“A escola mandava três vídeos por dia, mas ela não se interessava. Quando via a professora, sentia saudades, fazia mais mal do que bem”, explica.

Fabiana também considerou inadequado o desconto oferecido pela escola, na zona oeste de São Paulo, que foi de 3,7% para todas as etapas de ensino.

“A educação infantil teria que ser olhada com maior cuidado, porque os alunos mais velhos conseguem ter conteúdo. Para os mais novos, o importante é a sociabilidade, e isso se perde com o ensino a distância. E é preciso ressaltar: trata-se de um serviço muito caro.”

O designer gráfico Thábita Arely decidiu tirar o filho do berçário. Ele relata que, depois de procurar diversos órgãos para saber como poderia obter um desconto, a escolinha do garoto ofereceu um abatimento de 50% da mensalidade. Mas já era tarde: sua mãe e seu irmão estavam desempregados por causa da pandemia, e ele teria que ajudá-los.

Falhas de comunicação com as escolas são citadas também por pais em dificuldades financeiras com filhos em outras etapas de ensino, mas a fuga de alunos ocorreu até nas escolas que demonstraram mais flexibilidade e deram descontos significativos.

Foi o caso de um berçário e escola bilingue na zona sul de São Paulo que tinha cerca de 80 alunos antes da pandemia. A diretora relatou à Folha a situação com a condição de que o nome da unidade não fosse publicado.

Logo após a interrupção das atividades, no final de março, a escola resolveu dar um desconto de 30% para os pais no período de suspensão, e se programou para o planejamento de atividades que pudessem ser feitas em casa, de preferência sem deixar a criança o dia inteiro em frente a uma tela.

Ainda assim, perdeu 25% das matrículas com a crise. Entre as famílias, conta a diretora, houve tanto gente que não se deu bem com a proposta como um contingente significativo de pais que perderam totalmente a renda —aqueles que trabalham com eventos, por exemplo.

Para se manter, a escola planeja oferecer nos próximos meses um desconto menor, na faixa dos 10%, com a condição de que as famílias se comprometam a manter as crianças matriculadas. Além disso, também renegociou o valor do aluguel e utilizou a medida de redução de salário para funcionários não docentes.

A diretora ressalta que o ensino online não reduziu a carga dos professores, pelo contrário. “Uma aula de 30 minutos em vídeo leva quatro horas para ficar pronta. Tem que fazer, refazer, editar”, diz.

No Itaim Bibi (zona oeste de SP), a escolinha Tio Juca perdeu 12% dos alunos, além de não ter recebido nenhum novo, como costuma acontecer ao longo do ano.

Para se manter, aderiu à medida provisória de redução de salários, comprometendo-se a complementar o valor que o governo paga de forma a manter o vencimento líquido dos funcionários.

O diretor financeiro Pedro Jorge Leite diz esperar que a crise atual deixe mais clara a importância da educação. “O cenário, por mais negativo que seja no curto prazo, obriga a sociedade a refletir sobre princípios e valores. Automóveis, roupas caras, dentre outras superficialidades, valem menos do que inteligência emocional, cultura, educação e habilidades intra e interpessoais”, diz.

Reforçar o significado da escola também é a esperança da escola Meu Castelinho, no mesmo bairro, para que o setor sobreviva à pandemia. “Orientamos os pais que manter o filho é um investimento, mesmo na situação atual. À medida que as atividades a distância organizam a rotina, a criança fica mais calma, mais centrada e sobra mais tempo para eles”, diz a diretora Andrea Oliveira.

Ela conta que a saída de alunos na unidade se concentrou principalmente em uma turma que perdeu metade dos integrantes, o que atribui a um “fenômeno de WhatsApp” entre os pais.

Presidente do Sieeesp, entidade que representa o ensino particular em São Paulo, Benjamin Ribeiro avalia que há risco de fechamento em série de escolas de educação de educação infantil privadas, que respondiam por 35% das matrículas da etapa no estado em 2018.

Sem um auxílio governamental, diz, esse contingente aumentará a pressão sobre a rede pública de ensino.

Na Vila Mariana (zona sul de SP), a Escola do Bairro também foi atingida pela crise do setor, mas teve uma surpresa positiva em meio às dificuldades.

Por um lado, perdeu cerca de 10% dos alunos da educação infantil. A saída se concentrou entre aqueles que tinham se matriculado no início do ano, relata a diretora Gisela Wajskop.

“A escola tem laguinho, casinha de pau a pique. O pai chegou com essa demanda e, de repente, a aula foi para o computador”, diz.

Logo no início da pandemia, a escola formou um comitê com pais que atuam na área da saúde. Desde o começo, afirma a diretora, ficou claro que a crise demoraria para passar —tanto que não há expectativa de retorno das turmas completas neste ano—, e a equipe planejou aulas ao vivo.

Com o filho Liam, de dois anos, matriculado em uma escolinha em Higienópolis, o empresário Guilherme Silveira, 38, soube das atividades da Escola do Bairro por meio dos seus sobrinhos, que estudam ali.

Sem tirar Liam da escola anterior, que o garoto havia frequentado por apenas uma semana, ele decidiu colocá-lo em uma aula experimental junto com os sobrinhos. Deu muito certo, e Guilheme resolveu, por ora, mantê-lo nos dois estabelecimentos, pagando duas mensalidades.

Para ele, trata-se de um dever cidadão enquanto ele ainda não teve a renda abalada. “Não pretendemos mantê-lo eternamente nas duas escolas, mas, se a coisa não apertou pra mim, eu me sinto na obrigação de não abandonar nenhuma por enquanto”, diz ele, dono um centro de ensino online de habilidades digitais para adultos.

“Não julgo quem faz diferente, mas, para quem pode pagar escola, não é hora de pedir desconto, porque isso vai prejudicar os professores.”

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