Senadores aprovam adiamento do Enem para pressionar governo

Medida avança após ministro da Educação anunciar a realização de uma consulta pública para ouvir estudantes

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Brasília

Para pressionar o governo Jair Bolsonaro e o MEC (Ministério da Educação), os senadores aprovaram um projeto de lei que determina o adiamento das provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em razão da pandemia do coronavírus.

O texto, de autoria da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), recebeu nesta terça-feira (19) o aval de 75 senadores. O único voto contrário foi o de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante entrevista coletiva em Brasília (DF), para falar sobre o Enem 2020
Ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante entrevista coletiva em Brasília (DF), para falar sobre o Enem 2020 - André Coelho - 17.jan.20/Folhapress

Agora, a proposta será encaminhada à Câmara. Se houver alterações, o projeto volta ao Senado antes de ir à sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O Senado aprovou o texto poucas horas depois de o ministro Abraham Weintraub (Educação) anunciar, em redes sociais, a realização de uma consulta pública para ouvir estudantes sobre um possível adiamento.

O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) avaliou ainda nesta terça novas datas para a realização do Enem. O governo já considera adiar a prova para dezembro ou janeiro. Essas novas datas já estariam contempladas na consulta, prevista para junho.

De acordo com a autora do projeto, a suspensão das aulas por causa da pandemia do novo coronavírus leva a uma disparidade entre os estudantes, especialmente àqueles que estudam em escolas públicas, uma vez que nem todos têm acesso ao ensino virtual, necessário para os estudos neste momento.

"O Enem 2020 digital confronta irremediavelmente a igualdade de oportunidades e concorrência entre os candidatos, principalmente se voltarmos nossas atenções às condições operacionais tão díspares entre alunos das instituições de ensino da rede pública em relação às oferecidas pela iniciativa privada", escreveu Ribeiro na proposta.

O projeto de lei foi apresentado no início de abril e definido como prioritário pelos senadores nesta segunda-feira (18), após reunião de líderes partidários. Os congressistas chegaram a pedir a Weintraub o adiamento do Enem, mas não obtiveram resposta positiva para a demanda.

Além de senadores, o adiamento das provas tem sido defendido por secretários de Educação e especialistas por causa do risco de aumento de desigualdades com a interrupção de aulas.

O presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que o exame poderia ser remarcado, mas não houve avanço na alteração. O edital em vigor prevê que as inscrições para as provas sejam realizadas entre os dias 11 e 22 de maio. As provas seriam aplicadas em domingos sucessivos dos dias 1º e 8 de novembro de 2020.

No relatório, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) defendeu que o adiamento das provas "encontra-se em sintonia com o conjunto de medidas adotadas pelo poder público" para reduzir os impactos da Covid-19.

"A realidade educacional brasileira é muito desigual e soluções desse naipe apenas acentuam as diferenças existentes. Como se sabe, a esmagadora maioria dos estudantes brasileiros depende da escola pública, que, em geral, possui conhecidas deficiências", escreveu o relator.

Ainda na manhã desta terça-feira, Izalci conversou por telefone com o ministro da Educação, em uma tentativa de convencer Weintraub pelo adiamento.

Em resposta, recebeu o pedido para que o projeto fosse retirado de pauta. Sem recuar, o senador recebeu do ministro, então, o aviso que seria feita a consulta pública com os estudantes para que eles decidissem sobre um possível adiamento.

"Ele [ministro] disse que o Congresso não pode atropelar o governo. Mas não é uma questão de atropelar, é de agir pelos estudantes que mais precisam", afirmou o senador.

De acordo com Izalci, o ministro voltou a dizer na conversa que mantiveram por telefone que o Enem não é para compensar questões sociais. "Isso é um absurdo, não vamos deixar que isso aconteça dessa forma", disse o relator.

Há uma semana, o ministro já havia feito a afirmação em reunião com os líderes partidários do Senado.

O líder do PDT, Weverton Rocha (MA), criticou a posição do ministro. "Infelizmente, diante de toda essa pandemia, ainda temos de ouvir as asneiras que o senhor [ministro] afirma nesta sua cadeira."

Um dos principais defensores do adiamento, o senador Dario Berger (MDB-SC), presidente da Comissão de Educação do Senado, chegou a encaminhar, há uma semana, pedido ao MEC para que houvesse maior diálogo com os secretários estaduais de Educação sobre a realidade do acesso à internet dos estudantes.

O MEC não respondeu ao pedido feito pelo presidente da comissão.

Para o relator, seria inviável realizar as provas no prazo previsto, considerando que boa parte dos estudantes não está tendo condições de estudar para os exames.

"Lembremos, que nossos alunos das escolas públicos não tiveram nem sequer dois meses de aula completados neste ano letivo. Seria muito injusto submetê-los à já desigual concorrência que caracteriza os processos de acesso à educação superior", escreveu Izalci no relatório.

A proposta do Senado prevê que as provas só sejam realizadas após o fim do decreto de calamidade pública editado pelo governo por causa da pandemia. As datas, contudo, não foram determinadas.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), afirmou que durante todo o dia desta terça-feira tentou, com os senadores e o ministro da Educação, construir um entendimento sobre a possibilidade de adiamento do Enem.

Uma ala do governo tenta deixar a discussão para agosto. Não apenas Weintraub já defendeu isso a congressistas mas uma parte do Palácio do Planalto também esperava postergar o debate.

A avaliação é a de que, no segundo semestre, haveria mais condições de avaliar a necessidade da medida.

No Senado, contudo, Bezerra não conseguiu acordo antes que a proposta chegasse ao plenário virtual da Casa.

"A ideia é, tendo em vista que mais da metade dos que se inscrevem para as provas do Enem são de jovens que já concluíram o ensino médio, é que trabalhemos com uma data limite para o Enem para que possamos não prejudicar a o processo", disse.

Bezerra afirmou que, por causa da falta de tempo, não conseguiu protocolar uma emenda que pedisse que fosse determinado um prazo para a realização das provas.

A autora da proposta disse que 40% dos brasileiros não têm acesso à internet, o que dificulta a preparação dos estudantes para as provas.

"O que estamos fazendo não é prejudicando outros estudantes, estamos apenas reduzindo uma desigualdade que já existe", disse Ribeiro.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que desde que o projeto foi protocolado havia a discussão pelo adiamento. Segundo ele, o Senado tentou várias conversas com o governo, mas sem sucesso.

"A gente não tinha como não tomar essa decisão, que foi praticamente por unanimidade dos líderes na última reunião. Por mais de 40 dias ficamos ouvindo, conversando, tentamos buscar uma conciliação, mas, como presidente do Senado, não podia deixar de pautar esta matéria no Senado Federal”, disse Alcolumbre.

O senador reconheceu o que ele chamou de "esforço do líder do governo" pela tentativa de tentar acertar as intenções do governo. "Infelizmente não tivemos, por parte do governo, no tempo hábil, essa conciliação", disse Alcolumbre.

O líder da Rede, Randolfe Rodrigues (AP), retirou um destaque que pretendia incorporar ao texto a criação de uma comissão com entidades da sociedade para analisar o estabelecimento das novas datas das provas.

Com o aval do líder do governo, ficou definido que o relator irá construir com o governo essa alternativa.

Um outro destaque, de autoria do senador Romário (Podemos-RJ), foi mantido e aprovado por 66 votos favoráveis e nenhum contrário.

O destaque prevê que seja questionado ao governo a proposta de criação de uma versão digital com acessibilidade, tal como prova em braile, prova ledor, tradutor intérprete de libras (Língua Brasileira de Sinais), entre outros.

O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já se manifestou favorável ao adiamento das provas. "A demanda do adiamento do Enem vem de todo o Brasil, vem de muitas famílias. Acho que é a decisão correta."

Além da perspectiva de derrota no Congresso, a posição de Weintraub enfrenta resistência dentro do próprio governo. Maia disse que conversou com o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), que também estaria trabalhando para conseguir postergar a data do exame.

Pandemia

Durante a votação, o presidente do Senado foi instigado pela senadora Simone Tebet (MDB-MS) a reunir um consenso de todos os Poderes em torno de ações para o combate à pandemia do novo coronavírus.

Alcolumbre afirmou que é preciso que Bolsonaro levante "a bandeira branca".

"É chegada a hora de uma reflexão profunda do governo federal. O governo federal precisa, na figura do presidente da República, fazer uma reflexão diante do momento que estamos vivendo. A gente precisa, concretamente, levantar uma bandeira branca", disse Alcolumbre.

Segundo ele, este não é o momento de se colocar interesses individuais acima dos coletivos.

"Esses são gestos que podem, no futuro, ser reconhecidos como de grandeza, porque homens e mulheres públicos que têm autoridade e que exercem cargos importantes neste momento precisam ter a consciência de que, de fato, os nossos interesses individuais, os nossos interesses partidários, as nossas questões ideológicas, temos de deixar bem de lado, bem distante e pensar no interesse comum, que é o interesse do Brasil e dos brasileiros, que estão sofrendo, em especial hoje, com os mais de 1.170 homens, mulheres, brasileiros, de todas as regiões do Brasil, que perderam a sua vida."

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