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Escolas deveriam se tornar ponto de apoio às famílias na periferia

Instituições de ensino poderiam fazer distribuição de cestas básicas no lugar das merendas e dar apoio psicológico

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Adriano Sousa

Caminhamos para cem dias sem aulas presenciais nas redes de ensino básico regular de São Paulo e também nas diversas iniciativas de educação popular, como a Uneafro-Brasil, que preparam jovens negras, negros e periféricos para entrarem nas universidades públicas e particulares (neste caso, principalmente as que oferecem bolsas do ProUni e Fies).

Entre as alternativas para “salvar” o ano letivo no ensino básico e manter os estudantes focados na preparação para os principais vestibulares, as ferramentas de EAD (educação a distância) têm despontado como “solução” em tempos de pandemia.

O contexto é grave e até as escolas particulares que tomaram essa medida enfrentam dificuldades. Seu quadro docente está se capacitando às pressas para transportar o ensino presencial para o virtual, em novas plataformas que se multiplicam.

E se é assim nas escolas particulares, que contam com mais estrutura, no ensino público a dificuldade é infinitamente maior: como garantir ensino a distância para uma massa de estudantes que não possui acesso à internet e que, quando se conecta, o faz a partir de aparelhos defasados e com pacotes de dados limitados?

Quando se discute acesso ao ensino virtual, conseguir estudar em casa tem se mostrado um privilégio de poucos: no Brasil, 33% dos domicílios não têm internet e 58% não têm nem mesmo acesso a computadores, segundo dados da pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), publicada em 2019 e referente a 2018.

Esse percentual inclui jovens que estão preocupados com o presente de suas famílias, que perderam o emprego e a renda e se depararam com uma situação crítica, e que agora também correm o risco de serem obrigados a realizar o Enem, mesmo sendo visivelmente os mais prejudicados pela pandemia.

Trata-se da realidade que atinge em cheio trabalhadores e trabalhadoras brasileiras, moradores das periferias urbanas e dos rincões rurais do país, territórios onde vive uma população de maioria negra e indígena. Como se preparar para o futuro se o presente é uma ameaça?

No ensino básico público, uma alternativa seria tornar as escolas prioritariamente ponto de apoio às famílias, com distribuição universal de cesta básicas para os estudantes no lugar das merendas e a efetivação, em regime de urgência da Lei Federal 13.935/2019, promulgada no final do ano passado pelo Senado, que institui a obrigatoriedade da presença de assistentes sociais e psicólogos nas escolas.

Esses profissionais atuariam nos territórios reforçando a rede de assistência social municipal, orientando a população sobre como acessar renda e serviços, além de apoiá-la psicologicamente nesse momento de relações pessoais fraturadas.

Essas questões deveriam ser prioritárias, pois, segundo depoimentos de professores da rede municipal de ensino da região de Sapopemba, por exemplo, a cada 30 alunos matriculados nas plataformas digitais em média 5 participam das atividades. Somente após a pandemia realmente controlada e com o reforço em aulas presenciais poderemos ter um ensino-aprendizagem de qualidade.

No âmbito da educação popular, o foco tem sido justamente o apoio material e alimentar e as orientações de saúde e psicológicas para alunos e familiares. Como exemplo temos as campanhas Agentes Populares de Saúde e Combate ao Genocídio pelo Covid-19, promovidas pela Uneafro-Brasil, oferecendo respectivamente orientações de saúde e arrecadando valores convertidos em cestas básicas para as comunidades periféricas das áreas dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro onde o movimento atua.

Na frente de educação, engrossamos a organização de cursinhos populares, de entidades estudantis de todo o país e da plataforma Nossas na campanha Sem Aula, Sem Enem, que pauta o adiamento da prova para 2021, assim que os anos letivos tenham, de fato, se encerrado.

De todo modo, entendemos que para aqueles que conseguem se preparar para o Enem é essencial o acesso à internet e, por isso, nos juntamos ao mesmo grupo na campanha de financiamento 4G Para Estudar, que pauta o acesso à internet para jovens negros e periféricos a partir de financiamento coletivo para compra de dados de celular.

A campanha tem sensibilizado amplos setores da sociedade, tendo atingido sua primeira meta –R$ 100 mil– em menos de 24h. Agora o grupo trabalha para aumentar a arrecadação até R$ 350 mil, para incluir mais cursinhos e aumentar a cobertura mensal de dados dos estudantes dos pré-vestibulares já contemplados. O funcionamento do Núcleo Virtual da Uneafro, por exemplo, depende em muito
do sucesso dessa iniciativa.

De todo modo, percebemos o quanto a educação popular, mesmo com suas limitações materiais, pode fornecer meios para pautar um outro papel para a escola pública, no auxílio geral à população, e o questionamento da exclusão digital de nossos jovens de periferia. Prova de que a organização dos movimentos negros e periféricos muito tem a oferecer para a superação das desigualdades no país.


Adriano Sousa é Bacharel em história e mestrando em história social na USP; atua como educador popular e coordenador da Uneafro-Brasil na zona leste de SP

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