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FaceApp é assunto de escola?

Como o aplicativo que envelhece e muda o gênero pode instigar reflexões sobre privacidade e uso de dados

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São Paulo

Ficar mais velho, pintar o cabelo, trocar a cor dos olhos. Experimentar todas essas transformações sem de fato precisar se transformar é algo bem tentador. Tão tentador que as redes sociais são frequentemente inundadas por fotos de famosos e anônimos que acabam entrando na brincadeira.

A mais recente delas apareceu no fim de semana, com a volta de um aplicativo que já tinha sido moda por aqui em 2019: o polêmico FaceApp.

Trata-se de um programa russo que usa inteligência artificial para mudaro rosto dos usuários. No ano passado, o app fez sucesso ao “envelhecer” quem entrou no desafio. Desta vez, a “mudança” é de gênero —o aplicativo possibilita que mulheres se vejam como se fossem homens e vice-versa.

O sucesso do desafio pode ser medido pela hashtag que o acompanha (#faceappchallenge), repetida centenas de milhares de vezes nas redes sociais. A pergunta que cabe é: quantas dessas pessoas procuraram algum tipo de informação sobre o aplicativo antes de usá-lo? Quantas consultaram de que forma o FaceApp funciona e como se sustenta, já que é possível usufruir de seus serviços gratuitamente? Quantas acessaram sua Política de Privacidade?

Assim como bulas de remédio, que podem ser (e muitas vezes são) chatíssimas de ler, esse documento traz informações importantes para entendermos quão invasivo um aplicativo pode ser, quais de nossos dados pessoais podem ser acessados e, principalmente, onde mais esses dados podem parar.

Todos os aplicativos contam com esse tipo de documento. No caso do FaceApp, especialistas argumentam que a Política de Privacidade é bem genérica —fazendo com que não tenhamos certeza sobre o paradeiro de nossas informações.

O app informa que pode coletar, por exemplo, “dados de atividade online, como informações sobre seu uso e ações no aplicativo e nos sites, incluindo páginas ou telas visualizadas, quanto tempo você gastou em uma página ou tela, caminhos de navegação entre páginas ou telas, informações sobre sua atividade em uma página ou tela, horários de acesso e duração do acesso”.

Em outro trecho, ao explicar como os dados podem ser compartilhados, o FaceApp cita que tais informações podem ser divididas com parceiros de publicidade, plataformas e redes sociais de terceiros e até mesmo consultores profissionais (como advogados, agentes bancários, auditores e seguradoras) “quando necessário no curso dos serviços profissionais que eles nos prestam”.

Conhecer a maneira como os aplicativos funcionam e entender a linguagem das políticas de privacidade (não só pelo que informam, mas principalmente pelo que deixam de informar) são aprendizagens que devem ser abraçadas pela escola. Fazem parte de um conceito expandido de letramento, essencial para navegar com segurança pela internet —fazendo com que as oportunidades por ela criadas superem os riscos que, infelizmente, também existem. Isto é educação midiática.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) preocupa-se em conectar as crianças e os jovens às linguagens da “vida real”. Prevê a análise, o entendimento e mesmo a produção de conteúdos que fazem parte do nosso cotidiano ou são importantes para o exercício da cidadania. Estão lá os textos normativos e legais, os reivindicatórios e jurídicos e os de divulgação científica, por exemplo.

Por que não desenvolver uma postura mais crítica também em relação aos textos que dizem respeito aos nossos dados pessoais? Aplicativos dos mais diversos tipos e com as mais diferentes funções já fazem parte do dia a dia de muitas crianças e jovens. Eles acessam e instalam jogos, redes sociais, streamings de vídeos e músicas, entre tantos outros, e precisam refletir sobre como suas informações são tratadas.

Além de Língua Portuguesa, há oportunidades de discutir políticas de privacidade e uso de dados em vários outros momentos da BNCC. Ao incluir a cultura digital entre as competências gerais esperadas dos alunos, o documento destaca que eles devem compreender e usar as tecnologias de informação e comunicação de forma “crítica, reflexiva e ética”.

É possível que você já tenha ouvido falar que nossos dados são “o novo petróleo”. Se são assim tão valiosos, a escola precisa fazer parte dessa conversa.

Daniela Machado

Coordenadora do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta

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