Novo ministro da Educação leva mensagem de paz a Congresso, mas clima de guerra segue na pasta

Carlos Alberto Decotelli deverá enfrentar resistência relacionada ao avanço ideológico no ministério

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Brasília

Enquanto o novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, assumiu o cargo nesta quinta-feira (25) com um tom apaziguador e sinalizando aproximação com estados, municípios e o Congresso, no MEC ainda há uma guerra interna e questionamentos sobre se ele tem autonomia para mexer com os "intocáveis" da pasta, próximos dos filhos do presidente Jair Bolsonaro.

A nomeação de Decotelli foi percebida em Brasília como um indício de moderação após a conturbada gestão de Abraham Weintraub. O novo ministro disse que se considera um técnico, descartou ter caráter ideológico e afirmou que pretende construir pontes de diálogo.

"O ministro vai precisar recompor com estados, municípios e o Congresso", disse a deputada Professora Dorinha (DEM-TO).

A parlamentar lembra que Weintraub tratava tudo como "uma queda de braço desnecessária" e diz que ele chegou a levar dossiês em suas idas ao Congresso para constranger os congressistas que o questionavam nas audiências.

Quando presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), Decotelli manteve bom diálogo com o Congresso e convidou a deputada para fazer apresentações para sua equipe.

Por outro lado, a congressista ressalta que precisa haver um acerto interno da equipe. "O MEC tem uma equipe toda brigada. Não quer dizer que precisa trocar os secretários, mas é preciso haver uma sintonia."

Interlocutores dentro do MEC confirmaram à Folha a existência de "feudos" dominados por algumas alas e um clima de animosidade entre secretários.

Esse conflito vai precisar ser administrado pelo novo ministro, uma vez que se questiona se ele tem carta branca para mexer livremente no seu secretariado.

Procurado nesta sexta-feira (26), o MEC afirmou que Decotelli passou o dia em reuniões com as equipes da pasta para se inteirar sobre os projetos e servidores e que, por enquanto, não há definição sobre mudanças definidas envolvendo os secretários. Questionada sobre as desavenças internas, a pasta afirmou que não iria comentar o assunto.

Apesar de se declarar "não ideológico", Decotelli deverá enfrentar resistência para frear o avanço dessa ala no MEC. Mais do que isso, terá dificuldades para substituir os nomes mais ideológicos, como os secretários Rafael Nadalim (Alfabetização) e Ilona Becskeházy (Educação Básica).

Nadalim é discípulo do escritor Olavo de Carvalho. Os dois têm apoio dos militantes conservadores, mais precisamente, dos filhos do presidente Carlos e Eduardo Bolsonaro. Por isso, são considerados intocáveis.

O olavismo no MEC também impacta a relação entre alguns dos secretários. A guerra mais notória dentro do MEC se dá entre Ilona Becskeházy e o secretário-executivo Antonio Paulo Vogel, seu superior.

Servidores do MEC relatam que a relação entre os dois é tensa mesmo em apresentações públicas de temas da pasta. Nos últimos dias, quando Vogel respondeu como ministro-interino, praticamente não houve diálogo.

Por isso, apesar da boa impressão que Decotelli teve de Vogel considerado bom gestor e com experiência no MEC, muitos apostam que, a médio prazo, o atual secretário-executivo deverá deixar o cargo.

O novo ministro tem dito internamente que deve manter a equipe de Weintraub, enquanto ainda analisa os nomeados e suas propostas. Apenas assessores diretamente ligados ao ministro —como a chefia da assessoria de imprensa— foram trocados.

Os secretários ideológicos, por sua vez, devem permanecer indefinidamente. O novo ministro vai precisar então administrar futuros atritos que os envolvam.

Para o lugar de Vogel, caso realmente deixe o cargo no futuro, há a expectativa de que venha um militar, alguém que, além da confiança do novo ministro, conte também com um apoio em outros locais da Esplanada do Ministério.

Uma boa unidade dentro do MEC é apontada como fundamental para manter o diálogo externo e também para avançar as pautas da educação. Isso porque, apesar de se considerar técnico, Decotelli é visto como alguém com enfoque muito forte na área de finanças e administração.

"Além do bom trato com o Congresso, é preciso entender do ecossistema educacional que vai desde a educação infantil até a pós-graduação", disse Gregório Durlo Grisa, professor do Instituto Federal de Educação do Rio Grande do Sul e doutor em educação.

Grisa acrescenta que Decotelli segue a agenda de seu antecessor quanto a uma visão mais privatista da educação.

À frente do FNDE, a gestão de Decotelli foi alvo de questionamentos por parte de órgãos de fiscalização, como a CGU (Controladoria-Geral da União), TCU (Tribunal de Contas da União) e Ministério Público junto ao TCU.

Foi lançado, em agosto do ano passado, um edital de pregão eletrônico no valor de R$ 3 bilhões para comprar 55,5 mil computadores, 207,1 mil laptops, 229,9 mil notebooks e 570,7 mil tablets 3G.

A CGU identificou problemas no processo, começando por inconsistências entre a demanda prevista e os quantitativos dos equipamento licitados.

Chamou a atenção da controladoria, por exemplo, o caso de uma escola no interior de Minas Gerais com "demanda de 30.030 laptops educacionais, embora a escola só tenha registrada na planilha o número de 255 alunos (117,76 laptops por aluno)".

Os auditores do governo apontaram outras irregularidades, como ausência de uma pesquisa ampla de preços e indícios de planejamento meramente formal da contratação, o que poderia limitar a competitividade.

No dia 3 de setembro, então sob o comando de novo presidente, Rodrigo Dias, a licitação foi suspensa por ordem da CGU para análise. Um mês depois, a licitação foi revogada por determinação da presidência do FNDE.

Ainda que o pregão eletrônico tenha sido suspenso, o TCU estudou o caso. Em decisão de 15 de abril, o tribunal endossou a fiscalização da CGU que identificou "falhas e riscos" no processo de licitação.

"Sem dúvida, tinham potencial de prejuízo ao erário", afirmou o relator do caso, ministro-substituto André Luís de Carvalho.

Foi também durante a gestão de Decotelli que uma outra licitação entrou no foco de auditores das contas do governo federal. Em fevereiro de 2019, o FNDE firmou contrato com a empresa Brink Mobil para o fornecimento de kits escolares e estudantes, um despesa superior a R$ 420 milhões.

Na ocasião, a empresa respondia a suspeitas de irregularidades em licitações em licitações em estados como Paraíba e Rio de Janeiro.

Em representação ao TCU, o subprocurador-geral de Contas, Lucas Furtado, enviou ao tribunal um representação defendendo a abertura de investigação sobre o caso.

O caso também é de relatoria do ministro-substituto André Luís de Carvalho, e ainda não houve julgamento sobre o pedido do MP de Contas.

Sempre que questionado, o FNDE defendeu a regularidade de seus processos licitatórios.

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