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Escolas Waldorf diminuem aulas e priorizam saúde mental na pandemia

Associações escolares criam comissões para ajudar famílias com renda prejudicada

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São Paulo

O principal cuidado com a educação de crianças e jovens durante a pandemia está menos relacionado a conteúdos do que à saúde emocional. Essa é a conclusão que norteia ações de escolas associativas com base na pedagogia Waldorf durante a pandemia do novo coronavírus.

Entre essas ações estão a diminuição do tempo que os alunos passam em aula, o aumento do contato entre escola e família, e aulas dedicadas a discussões sobre os impactos da pandemia nas vidas dos alunos.

No colégio Micael, na zona oeste da cidade de São Paulo, por exemplo, disciplinas com até três aulas por semana passaram a ter apenas uma, e concentradas pela manhã. As séries mais avançadas na pedagogia Waldorf funcionam em período integral.

Pamela Seligmann, psicóloga e mãe de dois alunos do colégio, acredita que, dado o momento excepcional de pandemia, o conteúdo sair prejudicado não é o principal problema. “Me preocupa mais se meus filhos e seus colegas, quando terminar tudo isso, tiverem tido uma experiência saudável”, diz.

Aula de culinário no ensino médio pelo Zoom durante quarentena devido ao novo coronavírus
Aula de culinária no ensino médio pelo Zoom durante quarentena devido ao novo coronavírus - Divulgação

Seus filhos, Artur e Alexandre Seligmann, alunos do 10º e 12º anos (equivalente ao primeiro e terceiro ano do ensino médio), avaliam que o impacto relativo às disciplinas será grande. “A pedagogia é muito mão na massa, literalmente: temos aulas de escultura, culinária, o movimento do corpo é muito importante. Isso se perde com o ensino remoto”, diz Alexandre.

Cautelosas em relação ao uso de tecnologia, as escolas Waldorf tiveram de se adaptar às exigências do isolamento social. O ensino infantil e o começo do fundamental não tem aulas remotas, e a frequência com que elas aparecem como solução de ensino a distância aumenta gradativamente com a idade.

Em tempos pré-pandemia, por exemplo, uma das formas de avaliação até o último ano do ensino médio são os cadernos com conteúdo das aulas e lições, feitos a mão.

Mauro Porrino, professor de matemática do colégio, explica que “a comunicação virtual é muito truncada".

"Não sentimos como a criança respira, se ela está fria ou quente, e perdemos a expressão corporal que faz parte da comunicação. Isso tudo é parte importante da pedagogia”, diz.

Além de professor, Porrino é tutor da sala de Alexandre. Cada turma do ensino médio tem um tutor: um professor que acompanha a turma ao longo dos últimos anos da escola.

As chamadas aulas de tutoria, dedicadas a questões da turma como organização de viagens e debates sobre a classe e o ambiente escolar antes da pandemia, agora se transformaram num espaço de acolhimento coletivo e individual.

Pamela dá como exemplo de acolhimento a questão das câmeras durante as aulas remotas. Segundo ela, foi levantado pelos pais em uma reunião coletiva que alguns alunos não ligavam a câmera durante as aulas. “Os professores disseram que nem todos os estudantes podem estar confortáveis em se expor, em revelar a intimidade do quarto, do lar, e que isso não é necessariamente um problema”, diz.

A escola Veredas, em Campinas, também diminuiu e concentrou a grade horária dos alunos de ensino médio.

No ensino infantil e primeiros anos correspondentes ao ensino fundamental, sem aula remota mediada por telas, são enviadas atividades para os pais desenvolverem com as crianças. São receitas, versos e textos sobre a pedagogia, no formato de um jornal.

“A ideia da pedagogia Waldorf nessa fase da vida é emular o ritmo da casa, por isso se cozinha com os alunos, o brincar é livre, e até as sonecas durante o dia são importantes do ponto de vista pedagógico”, diz André Rosa, professor da Veredas.

Segundo ele, o desafio da pandemia para essa faixa etária é dos pais: conciliar cuidados com a casa, trabalho e a manutenção desse ritmo escolar e pedagógico dos filhos. Por isso, Rosa diz que a escola mais tenta ajudar a família do que tenta simular e adaptar a vida escolar em casa.

As escolas Waldorf se organizam por um tripé composto pelo corpo docente, pelos pais e por uma associação, que lida com a gestão institucional, com algumas variações. As associações podem ou não aceitar pessoas de fora da comunidade escolar, e algumas escolas têm um conselho de pais organizado, por exemplo.

Assim, a gestão fica compartilhada e as decisões pedagógicas e institucionais são resultado das reuniões e da relação entre pais, professores e associação; a direção é rotativa e eletiva, e toma as decisões a partir de discussões e consensos entre as partes.

Durante a pandemia, a escola Veredas viu a inadimplência aumentar, principalmente a partir de abril. Muitos pais são profissionais liberais e tiveram sua renda reduzida.

A associação, então, cortou custos —sem reduzir a folha de pagamento—, e está debatendo uma forma de distribuir descontos de acordo com a necessidade de cada família. A ideia é que ninguém precise deixar a escola por motivos financeiros.

No Micael, uma comissão especial para concessão de bolsas para famílias mais impactadas também foi criada com o mesmo objetivo. As escolas Waldorf não têm fins lucrativos, mas a pedagogia é cara: o ensino médio chega a custar cerca R$ 3 mil por mês, por aluno.

“Ela é cara porque as opções pedagógicas que fazemos são caras. Tentamos praticá-la dessa forma fraterna. A ideia é que a escola não seja um produto comprado, mas uma comunidade que se junta para fomentar a educação”, diz Rosa.

A pedagogia Waldorf completou cem anos no ano passado. Criada na Alemanha pelo filósofo Rudolf Steiner, ela tem como base o associativismo na gestão da comunidade escolar.

Segundo a Federação das Escolas Waldorf do Brasil (Fewb), há mais de 17 mil alunos matriculados no ensino Waldorf no Brasil. Em 2018, foi inaugurada a primeira faculdade com base na pedagogia no país, a Faculdade Rudolf Steiner.

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