Descrição de chapéu Coronavírus

No Ceará, aluno espera mãe chegar em casa para estudar com celular

Mulher fica entre comprar comida ou pacote de internet, e filho atrasa entrega de lição

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Ideídes Guedes
Fortaleza

A diarista Maria Silvânia Bastos, 35, quase não teve a oportunidade de estudar. Ainda criança, foi obrigada a ajudar os pais e começou a trabalhar, quando estava na antiga terceira série e parou de ir à escola. Já adulta, tentou retomar os estudos, mas não conseguiu. “Acho que quando a gente está ficando velha, a mente vai ficando cansada para aprender alguma coisa”, conta.

Com a pandemia do novo coronavírus, perdeu o emprego e precisou temporariamente voltar para o interior, para a casa de parentes, com o filho Miguel Ângelo, 7, no início de abril.

O menino continua ligado à escola municipal José Sobreira de Amorim, em Cajazeiras, na periferia de Fortaleza, e faz aulas a distância preparadas pelos professores e enviadas por redes sociais.

Mas, sem celular, Miguel precisa esperar a mãe chegar em casa, no fim do dia, depois das faxinas que consegue arrumar, para poder estudar. É quando Silvânia pode lhe emprestar o aparelho dela.

A falta de smartphone e mesmo da própria internet também é um desafio a outros colegas da classe da escola na capital cearense.

Também na mesma escola, na classe de Ana Beatriz, 7, e do colega Michel, 8, só 1 dos 22 estudantes têm smartphone. Não é o caso deles. Para estudar, vão até à casa da cozinheira Simone Souza, 32, vizinha e tia de Ana, que empresta o celular aos dois.

Quando tem poucas encomendas de bolo e salgados, Simone deixa os preparos os quitutes para a noite e ajuda os meninos no reforço escolar. “Tem dias que vou dormir de madrugada, cansada, mas é gratificante ajudar."

Desempregada, Giliane Dasmacena, 36, mãe de Miguel, nem sempre tem dinheiro para comprar um pacote de dados móveis para o filho ter acesso às demandas escolares. Muitas vezes, tem de optar entre alimentação e internet, o que faz em alguns dias as crianças deixar de entregar as atividades.

Às vezes, fica pro final de semana o envio, quando a mãe compra um pacote de dados. E dependendo do conteúdo, gasta todo o pacote fazendo o download do arquivo.

Com a abertura gradual da economia em Fortaleza, desde o dia 1º de junho, Giliane espera conseguir voltar ao mercado de trabalho. Ao mesmo tempo que busca trabalho, também sabe que deixar a casa vai afetar o estudo das crianças, sem o celular dela.

“Fico imaginando como vai ser se eu conseguir um emprego antes da volta das aulas presenciais. Só de pensar, já sinto vontade de chorar."

O barulho da vizinhança, fora do ambiente da escola, também é um desafio. O ruído de máquinas de uma construção civil é intenso na frente da casa de Raylander Barbosa, 7, da escola municipal Mozart Pinto, no Montese, um dos bairros mais populosos de Fortaleza.

Com a pandemia, a lanchonete da família fechou, e eles passaram a viver da venda de marmitas para os operários da obra.

A mãe, Ivanilda Barbosa, 39, tenta minimizar o impacto do barulho. Imprime as atividades quando não é possível ouvir os áudios da aula por causa do barulho. “É o momento que temos de trabalhar com eles”, conta a atendente.

Em nota, a Secretaria da Educação de Fortaleza diz que, nos casos em que o estudante não tem acesso a aparelhos móveis ou à Internet, “a gestão escolar dispõe de outras estratégias para promover a interação entre professores, estudantes e familiares, por meio de entrega e recebimento dos materiais didáticos, atividades, trabalhos de pesquisa, roteiros diários e de estudos, entre outros, de forma segura, atentando para as recomendações de segurança da Organização Mundial de Saúde (OMS) e das autoridades de saúde na esfera municipal, estadual e federal”.

Ainda segundo o comunicado, nesse período de ensino remoto, conteúdos gratuitos e ferramentas de apoio foram disponibilizados a alunos, familiares e professores, "com foco na organização da rotina e continuidade do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes". ​

Pelo decreto municipal publicado em 14 de junho, as aulas presenciais da rede municipal seguem suspensas pelo menos até 31 de julho.

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