Descrição de chapéu Coronavírus

Em tempos de pandemia, escolas do mundo todo redescobrem a teleaula

Regiões pobres, onde o acesso à internet é falho ou inexistente, investem nas aulas pela TV

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Benjamin Mueller e Mitra Taj
The New York Times

Em uma favela num morro de Lima, no Peru, o dia escolar de Delia Huamani não começa com a agitação dos colegas, mas com a luz trêmula de uma televisão. Com as escolas físicas fechadas por tempo indeterminado, a menina assiste em casa às aulas da nova coleção de programas educacionais feitos no país.

Como substituto, está longe de ser perfeito. Delia, 10, diz que seus pais não podem comprar livros. Ela sente falta de ler sobre animais na biblioteca escolar, e não tem ninguém para verificar seu trabalho. Ela se apoia em sua amiga Katy Bautista, 12, que gostaria de pedir aos apresentadores de televisão que diminuíssem a velocidade nas aulas difíceis.

"Quando vamos pegar comida no refeitório, conversamos e explicamos as coisas uma para a outra", disse Delia sobre Katy.

Apesar de todas as limitações, a escolarização pela televisão tem uma enorme vantagem para Delia, Katy e muitas outras do 1 bilhão de crianças em todo o mundo que estão excluídas das escolas pela pandemia do coronavírus: consegue chegar até elas.

Em países ricos, os debates sobre como oferecer educação remotamente têm se concentrado em tornar as aulas online envolventes e interativas. Mas essa conversa é pura fantasia para muitos estudantes do mundo, incluindo milhões em países ricos, que não têm conexões de banda larga ou computadores.

Depois de décadas perdendo a importância diante do grande investimento em aprendizagem pela internet, a televisão educacional está novamente tendo seu momento. Educadores e governos do mundo todo, desesperados para evitar um revés duradouro para uma geração de crianças, estão utilizando a tecnologia mais antiga.

E estão recorrendo ao charme e ao glamour de atores e apresentadores de noticiários localmente conhecidos, bem como de professores, para tentar prender a atenção de alunos da pré-escola ao ensino médio. Eles dizem que estão seguindo a lição fundamental da era do YouTube —quanto mais curto e atraente, melhor.

"O ideal seria ter laptops e todas essas coisas sofisticadas em casa", disse Raissa Fabregas, professora de economia e relações públicas na Universidade do Texas em Austin, que estudou televisão educacional no México. "Mas se você não os tiver, isto é melhor que nada."

Embora as aulas de televisão não sejam tão valiosas quanto as interações online com professores e outros alunos, dizem os especialistas, as transmissões educacionais pagam dividendos para o progresso acadêmico das crianças, seu sucesso no mercado de trabalho e até mesmo seu desenvolvimento social.

Para tornar as aulas menos passivas e mais eficazes, muitas aulas transmitidas hoje usam as ferramentas de estúdios profissionais, como cenários atraentes, roteiristas, animação 3D, gravação com várias câmeras, gráficos e até aplicativos de smartphone relacionados.

Nos EUA, onde a educação varia muito porque é administrada em nível local, alguns lugares cuidaram pouco de desenvolver a aprendizagem remota, concentrando-se, em vez disso, em um esforço malfadado para reabrir as escolas.

Outros trabalharam muito para desenvolver programas online robustos. Mas isso é inútil para os 4 milhões de escolares que não têm acesso à internet em casa, uma dificuldade especialmente notada entre estudantes negros, latinos e indígenas.

A televisão promete ser um complemento de baixo custo para o ensino online e uma tábua de salvação para alunos com poucos recursos. Existe um vasto catálogo de programas educativos, mas analistas dizem que os formuladores de políticas em geral perderam a oportunidade de usá-los.

"Quantos pais estão tentando descobrir como passar o dia enquanto seus filhos apenas assistem TV ou usam o iPad?", disse Melissa S. Kearney, professora de economia na Universidade de Maryland. "Poderíamos fazer muito bem se as pessoas que estão em posição de confiança com essas famílias pudessem lhes indicar esse conteúdo positivo."

Desde março, países recorreram à escolarização pela televisão com uma série de estratégias. Os programas variam de simples gravações em salas de aula a desenhos educacionais e de iniciativas locais a nacionais. Alguns se concentram em uma faixa etária, enquanto outros, como no Peru, adaptaram o currículo nacional para todas as séries.

Muitas partes da China ofereciam uma mistura de aulas online e televisionadas, mas a província de Sichuan optou por transmitir todas as suas aulas na televisão porque o governo disse que temia que os alunos gastassem tempo demais nos computadores.

Na Tanzânia, a organização Ubongo, que faz desenhos educacionais populares voltados para crianças e seus pais, decidiu oferecer seus programas gratuitamente para estações de televisão de toda a África.

"Fora da África, houve um estímulo para o aprendizado com base na internet", disse Cliodhna Ryan, chefe de educação da Ubongo. "Mas na maioria dos países africanos a maior parte das crianças simplesmente não tem esse acesso. No fim das contas, a melhor ferramenta educacional que alguém tem é aquela que já está em sua posse."

A estação de televisão pública NJTV, de Nova Jersey (EUA), começou a trabalhar com o sindicato estadual dos professores para produzir programas escolares depois de descobrir que 300 mil crianças da região não tinham acesso à internet, disse John Servidio, gerente geral da estação.

Na Indonésia a pandemia também ajudou a reviver uma rede de televisão estatal, a TVRI. Em um país onde quase um terço das pessoas não está conectado à internet, a TVRI começou a transmitir Belajar Dari Rumah —Estudar em Casa— em abril para crianças de todas as idades.

No Brasil, as autoridades capitalizaram o trabalho do Centro de Mídias de Educação do Amazonas, que foi fundado em 2007 para fornecer aulas pela televisão a 300 mil alunos em áreas remotas. Desde o início da pandemia, os programas se expandiram para vários estados brasileiros, com educadores adaptando-os a diferentes culturas e estilos de ensino. Mais de 4,5 milhões de crianças assistiram, segundo o centro.

"Essa ferramenta se fortaleceu pela necessidade de atingir um número maior de pessoas e ter um alcance maior, mas não vai parar por aí", disse Wilmara Messa, diretora do centro, que tem uma equipe de produção de 60 pessoas.

Analistas dizem que é muito cedo para saber quão eficaz foi a escolaridade televisionada durante o bloqueio, mas há evidências esparsas de que os esforços anteriores foram eficazes.

O estado do Amazonas, no Brasil, oferece um aplicativo para smartphone para complementar a escolaridade pela televisão, permitindo que os alunos façam perguntas aos professores em tempo real.

"Os alunos assistem à TV e nós temos uma professora na tela e outra ao lado, mediando os comentários que chegam pelo chat", disse Sabrina Emanuela de Melo Araújo, professora de biologia do ensino médio.

No Peru, onde apenas 15% dos alunos de escolas públicas têm acesso a um computador em casa, as aulas transmitidas se tornaram o modo de aprendizagem predominante durante a pandemia. Em uma pesquisa feita pelo governo em junho, três quartos dos pais disseram que seus filhos usaram os programas de televisão, contra um quarto que usou o site educacional do governo. Quase todos mandavam lição de casa para os professores pelo WhatsApp.

"É vantajoso para os alunos que sabem aprender por conta própria", disse Heli Estela, professor do ensino médio na região andina de Cajamarca, no norte do Peru. "E temos alunos assim, com iniciativa, que descobrem por conta própria. Mas não são muitos."

No início da pandemia, ele pagou a seu provedor de internet mais de US$ 100 (R$ 560) para instalar uma antena porque sua conexão era muito lenta, segundo disse. Estela envia mensagens aos alunos pelo WhatsApp para complementar as aulas por televisão e rádio, mas tentar explicar os conceitos individualmente tem sido difícil.

Em um distrito onde muitos pais são agricultores de subsistência, alguns de seus 47 alunos perderam o acesso a televisores quando suas famílias tiveram que se mudar pela área rural para trabalhar. Uma dúzia deles não retornou. Outros parecem estar "colando" no dever de casa.

"Para realmente iniciar a educação à distância, primeiro você precisa garantir que todos tenham internet", disse Estela. "Mas essa doença não nos deu nenhum aviso."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves Colaboraram na reportagem Natalie Kitroeff, da Cidade do México, Richard C. Paddock, de Bangcoc, Tailândia, Dera Menra Sijabat, de Jacarta, Indonésia, e Mariana Simões, do Rio de Janeiro.

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