Projeto de lei do governo Doria prevê retirada de verba de universidades e da Fapesp

Proposta pede que superávit das entidades sejam recolhidos; comunidade científica se mobilizou contra

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São Paulo

Um projeto de lei (PL) encaminhado pelo governo de São Paulo à Assembleia Legislativa que prevê a retirada de recursos das universidades estaduais e da Fapesp (fundação de fomento à pesquisa científica no estado) mobilizou a comunidade acadêmica contra a aprovação da proposta.

Cientistas que trabalham no estado afirmam que o PL 529/2020 deve trazer prejuízos para o desempenho da rede estadual de pesquisa e ensino.

Apresentado pelo governador João Doria na quinta-feira (13), o projeto de lei prevê a extinção de mais de dez autarquias e fundações, entre elas a Fundação Parque Zoológico de São Paulo, a Fundação para o Remédio Popular (Furp) e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU/SP), que teriam suas funções transferidas à iniciativa privada ou absorvidas por outras instituições ligadas ao estado.

O 14º artigo do PL é um dos que mais preocupa os cientistas porque determina que o superávit financeiro das autarquias e fundações seja transferido ao final de cada exercício ao tesouro estadual para o pagamento de aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência Social do Estado.

No texto que apresenta o projeto, o governador afirma que as medidas propostas são voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas. Em nota, a secretaria de Projetos, Orçamento e Gestão diz que o projeto de lei não atenta contra a autonomia das universidades e institutos de pesquisa, não mexe no orçamento, tampouco na autonomia garantida pela vinculação hoje existente entre recursos do ICMS e as entidades.

"O Governo Doria destinou R$ 1,3 bilhão para a Fapesp no ano passado, maior repasse desde 2013, e apenas 30% foi comprometido até julho. Ou seja, a Fapesp ainda tem em caixa cerca de R$ 1 bilhão a serem aplicados", diz a nota. “A proposta é que recursos superavitários, isto é, aqueles no caixa dessas instituições e sem vinculação a projetos de pesquisa ou despesas vinculadas, sejam utilizados para pagar professores, pesquisadores e servidores do estado, inclusive das próprias instituições."

Dados públicos mostram que somente a Fapesp teve um superávit de mais de R$ 569 milhões em 2019. A Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) estima que, com a medida, o governo possa retirar mais de R$ 1 bilhão da Fapesp e das universidades estaduais (Unicamp, Unesp e USP) ainda em 2020.

Fachada do prédio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) em São Paulo - Folhapress

"Esses fundos são reservas financeiras usadas para o fomento das pesquisas em andamento e que são de longo prazo; esses projetos necessitam dos recursos ao longo de seu desenvolvimento, que ultrapassam um ano", afirma Adriano D. Andricopulo, professor da USP e diretor-executivo da Aciesp.

"Os cientistas das universidades públicas, com o apoio da Fapesp, têm atuado de maneira permanente para lidar com os desafios da atualidade. Se aprovado, o PL causará prejuízos irreparáveis às atividades científicas no estado de São Paulo", acrescenta Andricopulo.

Pesquisadores do estado se mobilizaram nas redes sociais para barrar o avanço do projeto. Um abaixo assinado criado pela Aciesp para pressionar os parlamentares contra o PL contava com quase 30 mil assinaturas até a tarde desta segunda-feira (17).

"Muitas dessas pesquisas feitas no estado dependem de um financiamento altíssimo. Isso não pode ser visto jamais como um desperdício. Esse conhecimento gerado é a base para o desenvolvimento econômico", diz Vanderlan Bolzani, professora da Unesp e presidente da Aciesp.

Para os representantes da Aciesp, o PL pode ainda ferir a autonomia de gestão financeira das universidades, prevista na Constituição Federal.

As universidades estaduais de São Paulo têm destaque internacional em diversas áreas de pesquisa. O primeiro sequenciamento genético do novo coronavírus, por exemplo, foi encabeçado por pesquisadores da USP com a colaboração de cientistas estrangeiros.

Mesmo com a crise trazida pela pandemia, os cientistas do estado mantiveram as pesquisas essenciais funcionando e trabalham com testes de remédios com potencial para tratar a Covid-19 e o desenvolvimento de respiradores que possam minimizar os impactos da doença. A nota enviada pelo governo diz que o ajuste fiscal não vai paralisar pesquisas sobre a Covid-19.

Em nota publicada no domingo (16), o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) diz que iniciou discussões e ações junto aos poderes Executivo e Legislativo para avaliar as implicações e os impactos na autonomia universitária.

A Fapesp disse que vai emitir uma nota oficial sobre o tema na quarta-feira (19), quando o conselho superior da instituição deve se reunir para discutir o assunto.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirmou em nota que a aprovação do PL 529 levará à paralisação da maioria das atividades científicas do estado de São Paulo e que os fundos das universidades, de seus institutos de pesquisa e da Fapesp não constituem superávit, mas, sim, reservas financeiras para manutenção e para financiamento de projetos.

"Entende-se a necessidade de austeridade fiscal no momento, mas a ciência é atividade absolutamente essencial, tanto para enfrentamento de desafios atuais como para futuro desenvolvimento econômico e social. De fato, São Paulo deve seu destaque econômico atual no país ao seu sistema de universidades públicas em conjunto com a Fapesp", continua a SBPC.

Na terça-feira (18) termina o prazo para apresentação de emendas ao projeto, e o texto será encaminhado para três comissões.

É possível que parlamentares da base do governo prefiram que o projeto tramite por um congresso de comissões, quando várias delas são reunidas em uma mesma reunião para que a aprovação seja mais rápida.

A previsão inicial do líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado Carlão Pignatari (PSDB), é de que o PL seja aprovado até o fim de setembro.

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