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Crise pode fechar 40% das escolas de educação infantil do estado de SP

Estabelecimentos perdem alunos na quarentena e enfrentam desafio de manter relevância no formato online

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Lisandra Matias
São Paulo

Suspensão das aulas presenciais tem causado forte impacto nas escolas de educação infantil, principalmente as que atendem crianças com até três anos.

Com dificuldades financeiras, muitos pais tiraram os filhos das escolas privadas. Em alguns casos, pesa também o fato de eles não verem sentido na modalidade remota para crianças tão pequenas.

O Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo) estima que entre 30% e 40% das escolas de educação infantil, que atendem a faixa etária de 0 a 3 anos e 11 meses, vão fechar.

As escolas enfrentam o desafio de manter relevância no formato online, conservar o vínculo com as crianças, adaptar seus projetos pedagógicos e engajar os pais.

“A escola está numa enrascada, e os pais também”, afirma Pnina Eva Friedlander, uma das sócias da Carandá Vivavida Educação, na Vila Clementino (zona sul de São Paulo), que perdeu 23% dos alunos da educação infantil. A instituição oferece do berçário ao ensino médio.

Ela diz que as saídas de alunos foram aumentando na medida em que foi se adiando a volta às aulas.

Segundo ela, a necessidade de montar um esquema para poder voltar a trabalhar também pesou em muitos casos.

“Alguns optaram por contratar uma pessoa para ficar com a criança e, quando houver a retomada, retornarão para a escola. Mas isso é uma incógnita, porque o colégio não vai voltar como era antes. Será um dia por semana, depois dois dias por semana e, assim, não vai preencher a necessidade desses pais.”

A escola Grão de Chão, na Água Branca (zona oeste), que oferece exclusivamente educação infantil, também teve uma diminuição de cerca de 20% dos alunos, principalmente na faixa de 1 a 2 anos.

De acordo com Paula Antunes Ruggiero, diretora pedagógica do local, a maioria saiu por problemas financeiros e pretende voltar quando a pandemia acabar.

“Já os pais que têm possibilidade permanecem e entendem a função social, organizativa e comunitária da escola, e que é preciso mantê-la viva para quando for possível o retorno”, diz Ruggiero.

Essa consciência pesou na decisão da advogada Flavia Maria Pelliciari Salum, 44, mãe da Gabriela, 2, aluna do Grão de Chão.

“Decidimos manter a matrícula porque queremos que a instituição continue existindo, porque felizmente temos condições e porque é importante que aqueles que possam façam a sua parte”, afirma.

Para Ruggiero, da Grão de Chão, permanecer na escola é uma maneira de os pais continuarem oferecendo aos filhos atividades importantes para o seu desenvolvimento, já que, em geral, eles não têm um repertório tão vasto sobre o que é possível fazer em casa.

Maria de Remédios Ferreira Cardoso, diretora da educação infantil da escola Móbile, em Moema, que oferece até o ensino médio, conta que um dos principais desafios foi transformar o que era feito presencialmente em atividades que pudessem ser realizadas com a parceria dos pais ou adulto responsável, utilizando materiais que a família tivesse em casa.

“A maior parte das atividades, a criança não faz na frente do computador. A tela vai existir para ela manter contato direto com os professores, mas as atividades ela vai fazer em outro espaço, com o adulto de referência.”

Além dos exercícios, os colégios têm proporcionado encontros virtuais entre a criança e o professor, com a classe e em conjunto com outras turmas da instituição.

Também têm sido organizadas reuniões ao vivo, em duplas ou em pequenos grupos, para preservar os laços com os colegas mais próximos.

“Algumas famílias preferem vídeo para poder assistir no horário que for possível para elas. Percebemos que quanto maior o leque de atividades e a flexibilidade, mais conseguimos atingir as crianças”, afirma Ruggiero.

Friedlander, da Carandá Vivavida, reconhece que, para as crianças pequenas, a oferta online é difícil.

“Para crianças de 3 anos, tivemos alguns projetos que deram muito certo. Mas para crianças de 1 e 2 anos é completamente contra o que a gente sempre pregou. A gente sempre falou ‘nada de tela para criança pequena’. Mas, agora, é a única forma que temos de nos comunicar com elas.”

Quanto aos pais que tiram as crianças da escola por não verem sentido no formato remoto, Friedlander diz compreender a decisão.

“Eu mantenho contato com eles porque eu quero muito que eles voltem. Eu entendo quando os pais fazem essa opção. E fico muito grata quando eles falam que vão se manter na escola porque acreditam nessa proposta e não querem que o colégio morra.”

Célia Regina Batista Serrão, professora do Departamento de Educação da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pesquisadora na área de sociologia da infância e educação infantil, vê pelo menos dois possíveis impactos da crise ocasionada pela pandemia na educação infantil.

Um deles é a família repensar o momento do ingresso ou reingresso na escola.

“Quem manteve minimamente o poder aquisitivo pode não voltar por ter encontrado outros arranjos que avaliam ser melhores que a escola, principalmente num contexto de medo da contaminação. Isso pode fazer com que algumas famílias repensem os espaços coletivos de educação de bebês e crianças pequenas enquanto durar a pandemia, e mesmo depois”, explica a professora.

De acordo com ela, a situação é complexa e passa por repensar o lugar da infância.

“Não é só a educação que vai responder a isso, mas a sociedade como um todo, principalmente o mundo do trabalho. Isso significa questionar como a sociedade pode se responsabilizar pelas crianças e dar condições para que as famílias possam optar por escolas de atendimento integral ou parcial ou ainda por ficar com a criança nesses primeiros anos”, diz. “Tudo isso pede a formulação de políticas públicas e a revisão das condições de trabalho.”

Para Fernanda Taxa, professora e assessora pedagógica do Departamento de Desenvolvimento Educacional da PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), privar as crianças de espaços formais de ensino seria um retrocesso.

“A infância já foi revisitada como a fase em que o desenvolvimento está ancorado nas descobertas do mundo. A educação em qualquer nível de ensino é um direito humano fundamental”, diz Taxa.

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