Novas matrículas no ensino infantil municipal em SP caem 56%, e quase todas são de ex-alunos de particulares

Dados indicam demora em matrícula, tornam demanda real uma incógnita e preocupam prefeitura

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São Paulo

Os pedidos de novas matrículas para pré-escola despencaram 56% na rede municipal de São Paulo, e 9 a cada 10 novos inscritos até setembro são egressos de escolas particulares. O movimento atípico causa apreensão na gestão Bruno Covas (PSDB), que teme uma corrida às escolas de ensino infantil da prefeitura no fim do ano.

Dados compilados pela Secretaria Municipal da Educação a pedido da Folha mostram que, enquanto de janeiro a setembro do ano passado, foram feitas 6.642 novas matrículas em pré-escolas da prefeitura, dos quais 2.344 (35,3%) eram de alunos transferidos de escolas particulares, no mesmo período de 2020, houve 2.926 matrículas, sendo 2.648 de alunos egressos da rede privada (90,5%).

Ou seja, enquanto as matrículas de crianças que trocaram a escola particular pela pública cresceram 13%, as dos demais caíram 94%, o que pode indicar dois problemas futuros: (1) um aumento abrupto do uso da capacidade do sistema, com pouco tempo para planejamento; (2) dúvida de muitas famílias a respeito de, em meio à pandemia, manter as crianças na escola.

A perda de renda das famílias e a suspensão das aulas presenciais, ambas em razão da pandemia de Covid-19, são as principais causas da mudança, segundo especialistas. "Como os alunos já estão em idade escolar, os pais não puderam somente tirá-las da escola, como muitas famílias fizeram com crianças menores. Assim, buscaram a rede pública", explica Neide Noffs, professora titular da Faculdade de Educação da PUC-SP.

Desde 2013, quando foi aprovada a lei nº 12.796, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, toda criança acima de quatro anos deve estar obrigatoriamente matriculada na escola.

A auxiliar administrativa Daiane da Rocha Colombo, 33, nunca cogitou que o filho pudesse ingressar na rede pública de ensino. Vítor, 5, frequenta a escola particular desde os seis meses de idade.

Mas, com a pandemia, veio a suspensão das aulas, o home office e o desemprego do marido, que trabalhava em uma empresa de importação. Ela até tentou negociar com a escola e manteve Vitor matriculado até agosto, fazendo aulas online.

“Chegou um momento em que tivemos de optar. Não dava para deixar de pagar condomínio nem o convênio, pois estamos em um momento em que a saúde é prioridade. Então tivemos de sacrificar a escola”, diz.

Daiane da Rocha Colombo, com o filho Vitor, 5; ela teve de transferi-lo da rede privada para uma escola municipal de São Paulo após o marido perder o emprego em razão da pandemia - Zanone Fraissat/Folhapress

Daiane conta que conseguiu a vaga para o filho na Emei Padre Benno Hubert Stollenwerk, que fica no CEU Meninos, em São João Clímaco (zona sul de SP), dez dias após ter feito a inscrição pela internet. “Recebi as orientações sobre as aulas pela internet e, como não estava conseguindo acesso, fui pessoalmente à escola. Gostei bastante da estrutura e do atendimento. A professora da sala do meu filho foi muito atenciosa e me senti acolhida, de verdade.”

Para Noffs, a busca pela pré-escola na rede municipal foi impulsionada pela gratuidade, mas também por causa de profissionais capacitados, da continuidade ao conteúdo básico de que os alunos precisam nessa faixa etária e da garantia de vaga para o ano seguinte.

“As famílias logicamente priorizaram o orçamento, mas muitas não estavam dando conta de organizar o home office com aulas online, já que várias escolas particulares optaram pelo ensino a distância para garantir a quantidade de dias letivos”, explica.

Já a dermatologista Rafaela Marins Gomes, 37, que mora no Jardim Anália Franco (zona leste de São Paulo), tirou o filho de quatro anos da escola particular logo no início da pandemia. A escola em que ele estudava não negociou a mensalidade e informou que adotaria período de férias em abril.

“Sou autônoma e parei de trabalhar. Aí deu um baita pânico. Tinha contas para pagar e o gasto com mensalidade da escola, transporte e aulas extras era de R$ 2.500. Como não sabia como as coisas ficariam, e tem uma lei que obriga criança de quatro anos a frequentar a escola, fiz a matrícula na prefeitura pela internet, só para ele não perder o ano”, explica.

Rafaela conta que, após adaptações no orçamento e o retorno ao trabalho, já decidiu que o filho volta para a rede particular em 2021.

Essa migração de alunos de pré-escola da rede particular para a municipal vem sendo acompanhada com apreensão pela prefeitura. “O que nos preocupa é uma eventual demanda reprimida, que ainda não apareceu no sistema”, explica o secretário municipal da Educação, Bruno Caetano. “Acreditamos que há mais famílias que vão precisar de vagas, só não sabemos estimar quantas”, diz.

Atualmente, a rede municipal tem 234.677 alunos matriculados na pré-escola e não há fila de espera, segundo dados de setembro. Neste ano, com o fechamento das unidades de ensino em razão da pandemia, a solicitação de vagas passou a ser feita pela internet.

Por enquanto, segundo Caetano, a rede tem conseguido absorver o aumento de pedidos na pré-escola. Mas, como o pico dos pedidos de matrículas é fim de novembro e começo de dezembro, é provável que esse número cresça.

De olho nesse movimento, a prefeitura já alterou a legislação para permitir a compra de vagas na rede privada para alunos da pré-escola –o que já ocorre com creches. “Já publicamos as normativas que regulam a compra de vaga, e o edital deve ser publicado ainda esta semana”, diz.

A aquisição de uma vaga para aluno de pré-escola em entidade particular é uma medida “emergencial e temporária”, como explica Caetano. Se no início do ano a prefeitura identificar que não conseguirá absorver a demanda, o secretário afirma que deve usar este dispositivo.

Não se trata, porém, de voucher. “O pedido de matrícula é feito para a rede municipal e, caso haja necessidade, vamos selecionar a escola e fazer a inscrição do aluno. Temos de ter todo o controle do processo”, afirma. “Não vai faltar vaga para nenhuma criança em 2021."

Eliomar Rodrigues Pereira, presidente do Sindicato das Escolas de Educação Infantil de São Paulo, lembra que há casos de alunos que migraram para a rede pública porque suas escolas não vão reabrir.

“Muitas escolas infantis já fecharam. Até o fim do ano, cerca de 30% vão encerrar suas atividades por falta de liquidez. São ao menos 900 escolas, o que representa aproximadamente 72 mil vagas”, diz ele, que questiona a viabilidade do projeto de compra de vagas na rede privada.

“As escolas que restarem abertas estarão lotadas. Acho pouco provável que a prefeitura consiga adquirir a quantidade de vagas para atender toda essa demanda.”

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