Após consulta popular, Paraná aprova modelo cívico-militar em mais de 8% das escolas

Em 86% dos colégios em que houve consulta foi aprovada a medida, que divide opiniões

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Curitiba

Com a consulta pública finalizada pelo governo nesta quinta-feira (5), 186 escolas estaduais do Paraná adotarão o modelo cívico-militar de gestão a partir de 2021, ou 86% dos estabelecimentos em que houve enquete. Parte dos professores segue mobilizada contra a proposta, que divide opiniões, e o Ministério Público instaurou procedimento administrativo para apurar denúncias sobre o processo de votação.

A proposta original era de militarização de 216 colégios, o que representa 10% do total da rede estadual, mas 25 optaram por manter o modelo tradicional e, em cinco escolas, o quórum (mais da metade da comunidade escolar) não foi atingido —nessas, a militarização também não será aplicada. Foram mais de 74 mil votantes, entre pais, alunos, professores e servidores, segundo a secretaria de educação.

O projeto da gestão Ratinho Jr. (PSD) foi aprovado há um mês pela Assembleia Legislativa e prevê investimento de R$ 80 milhões. Grupos contrários e favoráveis ao modelo acamparam em frente a algumas escolas para convencer eleitores a aderirem ou não ao sistema.

A APP-Sindicato, que representa professores, entrou na terça-feira passada (27) com uma ação para tentar suspender a consulta pública, alegando ilegalidades no processo. Ainda não houve resposta do Judiciário ao pedido. A entidade afirma também que há casos de eleitores constrangidos a votar a favor do modelo.

A secretaria de educação vende o projeto como o maior do tipo no país, atingindo mais de 100 mil alunos do ensino médio e do fundamental 2 (6º ao 9º ano). Ao incluir civis, a proposta difere da defendida pelo governo Jair Bolsonaro, que tem investido em colégios militares, mas tem outros pontos de semelhança.

No projeto paranaense, a gestão será compartilhada entre civis (professores) e militares (responsáveis pela infraestrutura, patrimônio, finanças, segurança, disciplina e atividades cívico-militares) —a proposta federal prevê participação dos militares também em atividades didáticas.

O comando da escola terá três diretores. O diretor-geral, indicado pela secretaria de educação, será um professor. As inscrições para quem se interessar por ocupar o cargo já foram abertas pela pasta. Subordinado a ele haverá um diretor militar, um policial militar, e outros diretores, responsáveis também por atividades cívico-militares.

O currículo prevê aulas extras de português, matemática, educação financeira e valores éticos e constitucionais. A secretaria afirma que dará autonomia aos professores para a elaboração de aulas e que não haverá impacto na liberdade de pensamento ou de manifestação. O uniforme também será específico, disponibilizado pelo governo.

Entre os critérios de seleção das escolas estavam o alto índice de vulnerabilidade social, baixos índices de fluxo e rendimento escolar. Professores alegam, no entanto, que muitas das instituições que estavam na lista para militarização não se enquadram nas condições.

Um dos que rejeitou a proposta é o Colégio Estadual Maria da G. S. Silva e Lima, de Araucária, na grande Curitiba, onde professores se mobilizaram para convencer eleitores a votar contra a militarização. Por fim, foram 416 votos contrários e 152 favoráveis.

Membros da comunidade escolar alegam falta de tempo para discutir o projeto, votado em regime de urgência pelos deputados, e dizem terem sido pegos de surpresa com a rapidez para a consulta presencial em plena pandemia, quando os colégios estão fechados.

"Foi uma coisa decidida muito rapidamente, fiquei sabendo porque uma colega me mandou mensagem", avalia Katherine Brandemburg, 17, aluna do 2º ano do ensino médio do colégio de Araucária.

Caso a medida fosse aprovada pela escola, Katherine teria que optar por estudar durante o dia ou mudar de colégio, já que, por trabalhar, hoje ela é aluna do período noturno, turno de ensino não previsto nas escolas cívico-militares. O governo argumenta que, nesses casos, vai oferecer ao estudante outras opções fora do sistema e próximas da instituição originária.

O secretário de Educação, Renato Feder, afirma que a proposta foi amplamente discutida e que o pedido por mais escolas cívico-militares partiu da própria população.

"É complicado criticar algo que está indo a favor da democracia. Estamos consultando a comunidade, atendendo a uma demanda muito forte e 90% dos colégios e dos alunos nem terão essa opção", afirma.

"Vivemos numa sociedade marcada pela violência e pela desigualdade. Se há uma propaganda dizendo que vai haver uma escola com segurança e qualidade para o seu filho, o pai, alheio ao processo, vai querer. Mas não é isso que garante qualidade da educação", contrapõe a secretária de finanças da APP-Sindicato, Walkiria Mazeto, que teme uma priorização da nova rede nos investimentos da secretaria estadual.

Nos últimos dias, a entidade tem mobilizado vários protestos em frente a sede do governo estadual.

Alguns professores também manifestam preocupação com a diminuição na autonomia civil das instituições e na liberdade de pensamento e crítica com a entrada de militares no território escolar.

"Não vai ter autonomia para escolher a direção, é um militar que vai ser o diretor realmente, vai ter um diretor civil nomeado [pela secretaria da Educação], que pode ser alguém de fora", aponta a professora Izabella Bertoni.

Há também diretores entusiasmados com o projeto. A diretora do Colégio Estadual Guarda Mirim do Paraná, instituição que aprovou a medida por 304 votos a 2, Débora Queiroz, afirma que a adoção do modelo beneficiará alunos e professores. A instituição curitibana já tinha parcerias com a polícia para ministrar algumas disciplinas.

"É uma oportunidade única. Com a experiência daqui, digo que é algo extremamente positivo. Os alunos têm amor pela instituição e por tudo que contribui para a formação deles como cidadãos", diz.

Mãe de dois alunos da rede estadual, a funcionária pública Gisele Duarte votou sim pela militarização. "Não consigo arcar com colégio particular com qualidade de estudo", afirma. "É nítido e notório que os colégios militares oferecem retorno de excelência para os alunos, que passam mais em vestibulares, por exemplo."

Dados analisados pela Folha, porém, mostram que os resultados das escolas militares são compatíveis com os de outros sistemas públicos de perfil semelhante, como algum tipo de seleção de estudantes, mas sem a rigidez militar.

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