A nacionalização da educação midiática

Diversidade e imensidão do Brasil são desafios para as políticas públicas educacionais

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Patricia Blanco

Presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta

São Paulo

Uma das grandes dificuldades para a implementação de políticas públicas num país de dimensões continentais como o Brasil é a regionalização. Cada estado tem tradições e expressões específicas que compõem a rica cultura brasileira. Com sotaques dos mais diversos, ganha a língua portuguesa e os costumes de cada local. Assim, entender as especificidades de cada região é um grande desafio, ainda mais quando se trata de um tema novo.

Quando começamos a pensar o programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta, o EducaMídia, buscamos antecipar todos os obstáculos que iríamos encontrar. O maior deles, alcançar todo o país e com isso conquistar o ganho de escala tão necessário para fazer com que nossas ações chegassem de fato aos alunos das cinco regiões brasileiras.

Escola em reserva indígena em Humaitá (AM) - Avener Prado/Folhapress

Iniciamos a nossa jornada com o objetivo de correr o país com formações presenciais de educadores. O plano era audacioso: 15 Estados em 18 meses. Em 2019 percorremos cinco estados, em eventos que reuniram mais de 550 educadores.

O ano de 2020 começou intenso, com cursos e oficinas menores, mas com um calendário extenso de viagens, iniciando pela formação em São Paulo, onde certificamos 85 educadores. O planejamento corria a toque de caixa quando fomos atingidos pela pandemia e, consequentemente, pela imposição do distanciamento social e de regras de isolamento.

Tivemos que reprogramar todas as nossas atividades e rapidamente adaptamos o planejamento para ações online. Com o desafio de manter a rede de educadores que começava a se formar engajada, optamos por estabelecer um encontro semanal em horário fixo desde a primeira semana. Foram 39 lives EducaMídia, em que abordamos temas voltados para apresentar a educação midiática na prática. Tratamos também de assuntos quentes como combate à desinformação e ao negacionismo na ciência, combate à intolerância e discurso de ódio, além de temas como a importância da representação e de ações antirracistas na escola.

Mas o desafio da nacionalização continuava, assim como o desafio de transformar a formação online para o ambiente digital. Além de inúmeras participações em eventos fora de São Paulo –viajamos para todo o Brasil virtualmente– lançamos em setembro a primeira edição online da formação de Multiplicadores EducaMídia.

Foi uma alegria ver o interesse pelo tema. Foram mais de mil inscritos, 735 selecionados e 350 certificados. A satisfação maior foi ver que o Brasil estava representado. Tivemos participantes de 25 Estados, de cidades de todos os portes, com educadores de perfis distintos, mas que tinham o interesse comum de se tornarem multiplicadores EducaMídia.

Já no primeiro encontro ao vivo –foram cinco ao longo de 12 semanas– tivemos a grata surpresa, quando ao propor uma atividade voltada para a análise crítica da informação, de encontrarmos os mais variados sotaques e expressões. Nas formações, usamos algumas perguntas para fazer com que os educadores passem a questionar os conteúdos que recebem, perguntas estas que podem ser resumidas como "Epa, peraí, o quê?"

A reação imediata da audiência foi começar a publicar no chat como seria essa expressão em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul, em Goiás, no Paraná, em Santa Catarina, no Ceará e em tantas outras localidades. Que experiência incrível ver que uma simples expressão, se “traduzida” conforme os costumes de cada região, pode chegar de forma mais efetiva e natural para os estudantes de cada localidade.

Neste processo de formação, intenso e de grande aprendizado, tivemos a oportunidade de conhecer práticas inspiradoras de educadores de todo o Brasil que, a partir da sua experiência e vivência cultural, contribuíram muito para o entendimento da educação midiática como uma camada que perpassa todo o currículo escolar.

A nacionalização ainda é um grande desafio, mas a cada dia vamos colocando um ponto em cada região do nosso país. São ações de fôlego e muito animadoras, como o acordo de cooperação firmado, no último dia 14, com o Ministério Público do Estado do Acre e a Universidade Federal do Acre para desenvolver a educação midiática no estado.

Sabemos que ainda há muito a fazer, mas temos certeza do poder transformador da educação midiática como ferramenta necessária para tornar a nossa sociedade mais inclusiva, mais diversa, mais plural e mais democrática. É um aprendizado que se realiza ao longo da vida, mas que precisa ser iniciado ainda nos primeiros anos.

Aproveito esta última coluna de 2020 para agradecer a todos que compõem o Instituto Palavra Aberta –Conselhos Diretor, Consultivo e EducaMídia e, em especial, à equipe –Daniela Machado, Daniela Ramos, Elisa Tobias, Mariana Mandelli, Mariana Ochs e Saula Ramos– formada por profissionais comprometidas e dispostas a encarar grandes desafios. Agradeço também a esta Folha, nas pessoas de Sérgio Dávila e Fábio Takahashi, por ter aberto espaço para tratarmos de um tema tão relevante e urgente.

Encerramos as nossas atividades do ano com a certeza de termos avançado, mesmo com todas as dificuldades desse ano turbulento. Retomaremos em janeiro, com o mesmo compromisso e entusiasmo, para trabalhar em prol da nacionalização da educação midiática e da defesa intransigente da liberdade de expressão.

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