Descrição de chapéu enem

Em sintonia com agenda ideológica, Bolsonaro vetou candidato à reitoria da UFSCar por ligação com PT

Presidente e aliados mantêm discurso de que as universidades são aparelhadas pela esquerda; STF analisa tema

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Brasília e São Paulo

Mais votado pela comunidade acadêmica e primeiro colocado na lista para a reitoria da UFSCar (Universidade Federal de ​São Carlos) enviada ao governo, o professor Adilson Jesus de Oliveira teve o nome preterido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por causa de sua filiação ao PT, segundo relatos de membros do governo feitos à reportagem. O veto está em sintonia com a agenda ideológica do governo.

Oliveira disse à Folha que já se desfiliou da sigla e que nunca exerceu militância partidária. Seu nome, no entanto, ainda consta nos registros de filiação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o que, segundo informações colhidas pela reportagem, foi o que pesou para a nomeação da segunda colocada na lista tríplice, a professora Ana Beatriz de Oliveira.

Bolsonaro e aliados mantêm discurso de que as universidades são aparelhadas pela esquerda. Ao escolher nomes que não ganharam as eleições internas, o governo tem quebrado tradição, consolidada antes de seu governo. Reitores e professores veem a postura como um ataque à autonomia universitária.

Questionado, o MEC (Ministério da Educação) não respondeu.

Desde o início de sua gestão, o presidente escolheu 39 reitores para as unidades federais. Desses, 14 foram nomeados por pessoas que não lideravam a lista. Há ainda cinco instituições de ensino federal que tiveram um interventor nomeado para comandar a universidade.

A nomeação é feita pelo presidente, mas isso ocorre após ouvir o MEC. O tema tem sido levado ao presidente pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, nos encontros que ambos têm no Planalto.

O ex-ministro Abraham Weintraub já havia indicado, durante audiência no Senado em março de 2019, que o governo estava retendo nomeações por causa de questões políticas. O IFBA (Instituto Federal da Bahia), por exemplo, teve a nomeação de reitor atrasada em mais de um ano —no caso de institutos, apenas um nome é enviado ao governo.

Em agosto passado, Bolsonaro nomeou para o comando da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) o professor Carlos André Bulhões, terceiro colocado na consulta. Essa escolha foi anunciada com antecedência pelo deputado bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS).

No caso das universidades, a legislação atual define que uma lista com três nomes seja encaminhada pela universidade ao presidente da República, a quem cabe a escolha de um dos três nomes. O vice-reitor também é escolhido da mesma forma.

Há ainda previsão legal de que a lista seja definida, dentro das instituições, em processo eleitoral em que o peso de voto dos professores seja de no mínimo 70%.

Essa regulamentação é de meados da década de 1990, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Uma demanda da comunidade acadêmica, no entanto, é a possibilidade de a escolha ser paritária, com participação de professores, servidores técnico-administrativos e alunos.

Assim, há abertura para que as instituições façam consultas à totalidade da comunidade acadêmica. Depois disso, os conselhos universitários (que contam com maior representação de professores) instalam comissões eleitorais e definem a lista tríplice de modo a respeitar a vontade da comunidade na consulta.

Isso ocorre em várias universidades federais. Na UFSCar, que também adota esse procedimento, os nomes incluídos na lista tríplice foram apenas de docentes ligadas à chapa vencedora —a professora Ana Beatriz de Oliveira compunha a chapa de Oliveira como pró-reitora de extensão (na universidade, as chapas são compostas por toda a equipe diretiva, embora somente o reitor e o vice-reitor são levados ao presidente).

Resultado da eleição para reitor da UFSCar não foi respeitado pelo presidente Jair Bolsonaro
Resultado da eleição para reitor da UFSCar não foi respeitado pelo presidente Jair Bolsonaro - Edson Silva /Folhapress

O processo na federal de São Carlos foi marcado também por ação judicial que chegou a cancelar, no ano passado, uma primeira lista tríplice. Um candidato derrotado na consulta paritária e não contemplado pela lista elaborada pelo conselho universitário foi à Justiça para ter seu nome incluído no processo de eleição tocado pelo órgão.

A universidade refez o processo dentro do conselho universitário, incluindo o nome do derrotado, Fernando Moreira. Ele teve apenas dois votos na votação no conselho universitário e a lista tríplice foi composta por integrantes da chapa vencedora, a exemplo da primeira relação.

O professor Oliveira, preterido para o cargo apesar de liderar a lista tríplice, disse que o governo precisa expor as motivações de sua decisão. Segundo o professor, que é físico, o fato de ele ser um divulgador de informações científicas pode ter colaborado para essa decisão.

A Folha não conseguiu contato com a nova reitoria, que assumiu o cargo e manteve a equipe e os projetos elaborados na campanha liderada por Oliveira. O professor preterido não fará parte da nova gestão.

Bolsonaro patrocinou duas MPs (medidas provisórias) de Weintraub para tentar mudar o formato de escolha dos reitores e reduzir a autonomia das universidades. Ambas não prosperaram.

A primeira, editada em dezembro de 2019, perdeu validade em maio passado porque não foi apreciada pelos parlamentares. O segundo texto, de junho de 2020, autorizava nomeações durante a pandemia sem a realização de consulta à comunidade --essa MP nem sequer tramitou e foi devolvida pela presidência do Senado alguns dias depois.

As movimentações do governo federal com relação às nomeações provocaram duas ações no STF (Supremo Tribunal Federal), de autoria do PV e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

No sexta-feira (5), a corte seguiu voto do ministro Alexandre de Moraes e indeferiu pedido para que o mais votado fosse nomeado. Prevaleceu o entendimento de que a lei permite a escolha entre os nomes da lista.

Voto vencido nesse pedido de liminar, o relator das ações, ministro Edson Fachin, havia se posicionado no sentido de que o princípio constitucional da autonomia universitária garante a primazia das universidades na escolha de seus dirigentes. O tema ainda será analisado em definitivo pelo Supremo.

Neste ano, Bolsonaro ainda poderá nomear nove reitores de federais. O Brasil tem 69 universidades ligadas ao MEC.

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