Declarações de Bolsonaro e ministro também dão margem a processo, diz professor censurado

Pedro Hallal, processado por criticar o presidente, diz que não irá recuar em comentários sobre governo e pandemia

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Brasília

O professor epidemiologista Pedro Hallal, alvo de investigação da CGU (Controladoria-Geral da União) por "manifestação de desapreço" ao presidente da República, disse em entrevista à Folha que não se intimidará diante da atitude do governo. E não diminuirá o tom das críticas que faz, sobre as quais ele vê relação com o processo.

Como coordenador do Epicovid, maior estudo epidemiológico do país sobre Covid-19, Hallal tem feito críticas contundentes sobre a condução da pandemia por parte do governo Jair Bolsonaro.

Ele e o professor Eraldo dos Santos Pinheiro, ambos da Universidade Federal de Pelotas, tiveram que assinar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para encerrar investigação da CGU por críticas a Bolsonaro.

Pedro Hallal durante entrevista coletiva com equipe técnica do Ministério da Saúde, no Palácio do Planalto, em julho de 2020 - Wallace Martins/Futura Press/Folhapress

Hallal, 40, disse esperar que a CGU tenha o entendimento que teve com ele também com relação ao presidente e outros integrantes do governo. "Certamente deve haver processos contra o ex-ministro da Educação, deve haver alguns processo da CGU contra o presidente da República por essas manifestações, repetidas nesses ambientes [de trabalho]".

O caso dos dois professores veio à tona ao mesmo tempo que um ofício do Ministério da Educação pedindo a universidades providências para “prevenir e punir atos político-partidários” nas instituições. Depois da repercussão negativa, o comunicado foi suspenso na noite de quinta-feira, após o professor ter concedido a entrevista à Folha.

A que o senhor atribui ter que responder por manifestações sobre o presidente?

Como pesquisador fui treinado a não acreditar em coincidências. Ano passado, comecei a coordenar o Epicovid e, logo depois, quando os dados mostraram que as pessoas indígenas tinham risco maior de contrair Covid, o ministério da Saúde tentou censurar essa informação.

O projeto teve o financiamento cortado com [o ministro Eduardo] Pazuello e eu segui com minhas manifestações sobre a condução vexatória que o Brasil vem tendo na pandemia. E após fazer críticas ao governo fui processado. Se é coincidência ou não, deixo o julgamento para quem está nos lendo. Mas que parece muito estranho parece.

Por que o senhor assinou o termo de ajustamento de conduta?

Foi decisão consciente minha e do professor Eraldo, conversando com nossos advogados. Entendemos que a assinatura do TAC, no qual não houve reconhecimento de culpa e que paralisava imediatamente o processo, era a melhor estratégia. Assinamos para arquivar o caso e evitar que essa caça às bruxas continuasse.

Agora, politicamente, existem outras interpretações, inclusive de que foi uma tentativa de censura. Mas caso tenha sido tentativa de censura, o tiro vai sair pela culatra. Não vou deixar de emitir minhas opiniões.

O senhor se sente censurado pela imposição de não repetir atos similares por dois anos?

O que TAC diz é não infringir o artigo tal por dois anos [o artigo 117 da lei 8.112 proíbe servidores da União de “promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição”]. Mas em nenhum momento há assunção de culpa por infringi-lo. Nunca violei este nem outro artigo do código do servidor, e não pretendo violar.

O senhor entende como correto o entendimento da CGU de que o evento online seria equivalente a ser dentro da universidade?

Concordo. Naquele momento, estava falando como reitor da UFPel. Não tenho nenhuma crítica a isso. Por exemplo, quando o [ex-]ministro da Educação, em reunião entre ministros, disse que por ele [Abraham Weintraub] colocava ‘todos os vagabundos’ do Supremo Tribunal Federal na cadeia, estava também no exercício do seu trabalho como servidor.

Quando o presidente disse que ‘os idiotas que ficam falando pra comprar vacina. Comprar onde? Na casa da mãe deles’, falou isso no exercício do cargo.

Agora, eu espero que todas essas manifestações no exercício do cargo recebam o mesmo tratamento que as minhas manifestações receberam.

Certamente deve haver processo contra o ex-ministro da Educação, deve haver alguns processos da CGU contra o presidente por essas manifestações, repetidas nesses ambientes. Tenho plena confiança de que o sistema que entendeu que o processo deveria ser aberto contra mim também vai entender que deve ser aberto contra todos os servidores que manifestaram opiniões como essas.

O senhor diz de maneira irônica ou realmente tem essa plena confiança?

Na infância, ouvi falar muito de que não podia criticar o governo, que se a gente criticasse o governo sofria retaliações, sanções, censura. Agora, prefiro confiar na idoneidade das intuições.

Eu confio plenamente, não de forma irônica, que a CGU adotará também essa postura com os representantes do governo federal que fazem isso diariamente no exercício do seu trabalho.

As falas ocorreram em evento de posse da nova reitoria da UFPel, que teve o mais votado preterido. O senhor acredita que houve algum exagero durante esse evento, se arrepende de algo?

Naquele momento teci uma série de críticas sobre o papel do MEC e do presidente. Disse que era um presidente, na minha opinião, com ‘p’ minúsculo, e a CGU considerou que, a partir do trecho que digo que o presidente ‘é desprezível’, teria cometido falta funcional. Poderia ter optado provar, pela minha defesa, que aquilo não era uma falta funcional. No momento que eu assinei foi opção, então o processo foi arquivado e não vou discutir se foi.

Ao longo da minha trajetória sempre cumpri as obrigações de servidor, e sempre manifestei minhas opiniões de forma veemente. Continuarei a fazê-lo, sem nenhuma censura, porque me parece ser a função de qualquer servidor pago pela população brasileira.

Há previsão de um curso de ética após o TAC. O senhor fez?

Eu tenho um ano para fazer um curso de 20 horas, é um padrão. Sinceramente, acho ótima oportunidade, inclusive para discutir as similares desses casos que acabei de citar e entender a liberdade de cátedra e expressão dentro das universidades, reforçadas por unanimidade no STF. Estou ansioso.

O senhor já defendeu retorno às aulas no fim do ano passado. O entendimento é o mesmo nesse estágio da pandemia?

Não podemos nos dar ao luxo de ter crianças dois anos fora da sala de aula, chega o momento que os malefícios são maiores. Mas, com este aumento absurdo, é hora de segurar um pouquinho, deixar essa curva cair de novo. Não é o nível que mais importa, é a tendência. Para voltar à aula presencial, precisa de pelo três semanas estáveis de declínio nos números. As aulas têm que voltar no primeiro semestre, mas precisamos esperar baixar, estamos numa situação apavorante.

Qual são os principais erros do governo Bolsonaro na condução da Covid?

Praticamente tudo. O governo federal têm tido uma atuação vergonhosa. Primeiro na falta de política de testagem em larga escala, necessária para identificar casos e evitar transmissão, e na questão do rastreamento de contatos de doentes.

Depois, o distanciamento social foi tão difamado pelo presidente e seus apoiadores que hoje foi construída uma narrativa de que não funciona. Em seguida, toda a campanha de negacionismo contra a vacina, o presidente dizendo que não iria se vacinar. E mais grave que declarações são as ações. Quando a Pfizer ofereceu as milhões de vacinas, o Brasil nem respondeu.

E isso gera o quinto grande problema, que é a lerdeza da campanha de vacinação. A combinação desses fatores gera essa situação absurda no país, inclusive campo fértil para o surgimento de variantes.

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